Povos contra agrotóxicos na pátria sojeira
Nesta semana não vamos tratar de fatos de repercussão mundial, como a tenebrosa revelação do genocídio entre os Yanomanis, provocado por incúria criminosa do governo Bolsonaro, ou das falas potentes de Lula, sobre a CELAC, na Argentina, ou ainda de sua confiança num futuro de Unidade Latino Americana, como por ele expresso no Uruguai. Vamos nos limitar a relatar ações da base da sociedade com vistas à construção de soluções que contam com ações decididas por parte de governos responsáveis, mas sabem que não podem nem devem esperar por eles.
Afinal, o dia do juízo final, aquele em que os limites da resiliência planetária serão ultrapassados de forma irreversível, se aproxima de forma acelerada. Para evitá-lo, as populações devem (entre outras medidas) assumir protagonismo nas lutas pela conversão do modelo agrícola dominante, adaptando-o a formato mais amistoso em relação às necessidades e limitações biológicas dos ecossistemas. Os subsídios, as tecnologias, os agrotóxicos e as mentiras que sustentam o modelo equivocadamente orientado para produção de comodities a qualquer custo, precisam ser desmascarados e banidos com urgência. Sendo esta uma condição necessária à preservação da vida, seria ilusório esperar que ela viesse a ser orientada por agências de governos capturados pelas instituições que se beneficiam da tragédia humana. Se trata de desafio, mas não de utopia. Acumulam-se as evidencias científicas e as experiências práticas, robustas e consolidadas, assegurando que a conversão do atual modelo de relacionamento com a natureza não apenas é necessária, e possível, como já vem acontecendo, sem o apoio de governos e mesmo à margem (quando não ao revés) de políticas públicas custeadas pela sociedade como um todo.
Esta perspectiva, que cresce em todos os meios e se fez reforçada durante o III Seminário Internacional Fortalecimento da Agroecologia, consequências dos agrotóxicos à saúde humana e à natureza e uma abordagem de vigilância em saúde, ocorrido em dezembro de 2022, no Paraná. Promoção dos Fóruns de Combate aos Agrotóxicos do Paraná, SC e RS, aquela atividade evidenciou que a expansão do modelo agrícola comum aos territórios do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e Bolívia, se associa à emergência de crises padronizadas que afetam a todos seus habitantes. Ali os solos, o ar e as águas e a sociabilidade humana e ecossistêmica padecem de um mecanismo que leva à sua acelerada decadência, em todos os níveis. Avança um padrão de contaminação das bases da vida, que se relaciona à expansão no uso das mesmas moléculas químicas, no mesmo tipo de lavouras que adotam as mesmas tecnologias e que deixam, como rastro, enorme incidência das mesmas doenças, que antes não existiam. São marcas da incidência dos agrotóxicos sobre as rotas metabólicas desta região do planeta.
Em outras palavras, o território e os povos, as crianças, os jovens, os adultos e os idosos do continente estão sendo contaminados por mecanismos idênticos, que servem aos mesmos interesses, que geram benefícios econômicos para as mesmas transnacionais, e aqui prosperam sob acobertamento dos mesmos discursos produtivistas e com apoio das mesmas campanhas midiáticas.
Ainda assim, diante de provas que relacionam o modelo comum à degeneração de biomas tão distintos como a pampa argentina, e o cerrado brasileiro, as sociedades locais mantém práticas de ações isoladas e independentes com vistas ao enfrentamento de tragédias que, claramente, estão além de suas possibilidades e nada têm de singulares. Estamos diante de problema de tal dimensão que se fazem inócuas e insuficientes as ações isoladas, ainda que eventualmente bem-sucedidas.
Com esta consciência, vasto conjunto de organizações comprometidas com a defesa da vida e a luta contra os agrotóxicos na Argentina e no Brasil, realizaram esta semana, durante o FSM, atividades destinadas a ampliar a consciência das sociedades em que estão imersas, para consolidação de alianças que potencializem o enfrentamento solidário de drama que se revela comum. Se tratou de atividade agendada no Seminário de Curitiba, acima referido, que dará sequência a novos passos e desdobramentos de atividades em parceria. Para detalhes do ocorrido no FSM2023, ver matéria de cobertura do Brasil de Fato. As filmagens das atividades e os documentos conclusivos serão disponibilizados em algumas semanas.
Entre as várias conclusões e desdobramentos do evento intitulado Povos contra Agrotóxicos Na Pátria Sojeira, estão agendados compromissos de adesão e contribuição de grupos a serem mobilizados nos países do Cone Sul, em apoio a iniciativas e demandas comuns, neste campo de atuação. Elas envolvem (para ficar em exemplos locais), práticas de mobilização social em apoio à aprovação de legislações protetivas à saúde e ao ambiente (como o PL 6670/2016, que institui a PNARA, no Brasil) e à rejeição de leis que avançam no sentido oposto (como o PL 6299/2002, conhecido como Pacote do Veneno, no Brasil) bem como a ações da sociedade organizada (como demanda das famílias assentadas no PA Santa Rita de Cássia II e outros, afetados pela deriva de agrotóxicos, que compromete a produção orgânica e as águas de consumo humano, na Região Metropolitana de Porto Alegre) e a espaços de conscientização social (como cursos, seminários e atividades de campo como aquelas oportunizadas na Festa da Colheita do Arroz Orgânico, que acontece em 17 de março de 2023 no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão).
Em termos de agendas sequenciais, também foram estabelecidos compromissos para reavaliação de resultados semestrais e estabelecimento de novas agendas e agregação de novas parcerias, inicialmente durante o Congresso Internacional de Saúde Socio Ambiental (semana de 14 de julho, Universidade Nacional de Rosario, AR) e Congresso Brasileiro de Agroecologia (semana de 20 de novembro, Rio de Janeiro).
Merece destaque a sincronicidade e a coerência das atividades aqui referidas, com as articulações internacionais conduzidas pelo governo Lula e com propostas anunciadas há 20 anos, quando da criação do Jornal Brasil de Fato, no Fórum Social Mundial de 2003.
Avança a luta pela desalienação e pela construção de laços de solidariedade entre os povos da América.
Uma música? A Roda Viva, que aí está e que em seu girar, depende de nós.
Fonte: Brasil de Fato