Monoculturas de árvores exóticas não são florestas! Carta ao governo brasileiro

Idioma Portugués
País Brasil

Afirmamos que monoculturas de árvores exóticas não são florestas!Florestas são ecossistemas complexos, que possuem uma rede de inter-relações entre fauna, flora e outros elementos do ambiente. As monoculturas, pelo contrário, são plantações de uma única espécie de interesse comercial

CARTA AO GOVERNO BRASILEIRO

CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA – COP8

Curitiba, março de 2006.

Considerando a importância da Convenção da Diversidade Biológica para garantir o acesso a uma natureza sadia para as futuras gerações.

Considerando o alto grau de endemismo na região do Pampa.

Considerando a necessidade de conservar o imenso manancial de água doce subterrânea, o Aqüífero Guarani e o “Projeto para Proteção e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani” do qual o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai são signatários.

Considerando a Lei Federal 6634/79, que trata de resguardar nossas fronteiras, e Lei Federal n. 5709/71 que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiros, e acima de tudo, a soberania nacional.

Considerando as Leis Estaduais do Estado do Rio Grande do Sul n. 9202/91 e Lei n. 9506/92 que preconizam apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e licenciamento prévio pelo Poder Público Estadual com aprovação da Assembléia Legislativa, de empreendimentos que possam alterar a qualidade de vida ambiental, ou modificação no meio físico da região atingida, como indústrias cloro-químicas.

Considerando inquérito civil público do Ministério Público Estadual e procedimento administrativo do Ministério Público Federal ainda em andamento.

Considerando as recomendações técnicas do renomado botânico da UFRGS Prof. Dr. Alarich Schultz, que há décadas alertava para o impacto das árvores exóticas no Pampa e perda da biodiversidade.

Considerando o estudo realizado no Pampa brasileiro que comprova o grande consumo hídrico pelo gênero Eucalyptus realizado por Zoraido S.V. Ceroni (1) sob orientação do Professor botânico Alarich Schultz e Karl Hogetop, já na década de 70.

Considerando que o estado do RS já sofre com fortes períodos de estiagem, seca de barragens e racionamentos de água de muitas horas de duração nas cidades.

Considerando que outras atividades na região gerariam mais empregos do que a monocultura de árvores exóticas. Em mil hectares a pecuária gera 5,4 empregos diretos, enquanto a plantação de eucaliptos gera apenas 4,0 (2). Segundo o professor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Rural do Rio de Janeiro Sérgio Leite (3), o setor de assentamentos rurais, onde se pratica geralmente agricultura em pequena escala, constitui hoje um campo especial para uma política consistente de manutenção e geração de novos empregos.

Considerando que o pampa possui uma das melhores pastagens do mundo, e que um manejo adequado pode até triplicar a produtividade bovina (4). Nossas terras férteis têm gerado alimentos para o povo brasileiro e além-fronteira. A situação desfavorável que atravessa a agricultura e pecuária na Metade Sul do estado do Rio Grande do Sul pode ser remediada através de uma orientação técnica e política agrária adequada.

Considerando que as recomendações do geneticista reconhecido mundialmente Dr. David Suzuki (5) ao dizer que “as árvores geneticamente modificadas não deveriam ser liberadas no meio ambiente em plantações comerciais e qualquer campo de testes ao ar livre e plantações existentes deveriam ser eliminadas”, devido ao risco que representam à biodiversidade e saúde da população.

Considerando que as indústrias metalúrgicas, de alumínio, siderúrgicas e de celulose consomem 27% de energia produzida no país (6). A instalação pretendida das Usinas de Produção de celulose, da Stora Enso, Votorantim, ARACRUZ, representarão uma demanda de energia enorme ao estado e a construção de novos empreendimentos para geração de energia elétrica. Atualmente são pretendidas três novas termelétricas e outras tantas hidrelétricas no Estado, o que representa perda da biodiversidade e de recursos econômicos potenciais de ecossistemas naturais conservados. Os empreendimentos energéticos têm sérios impactos negativo sobre as populações locais, implicando interrupção de ciclos econômicos e no deslocamento das populações atingidas.

Considerando o recente estudo do Centro de Mudança Climática da Universidade de Duke (7) que afirma: “plantações de árvores para remover dióxido de carbono da atmosfera para mitigar o aquecimento global... pode desencadear mudanças ambientais que sobrepõe (OUTWEIGH) alguns dos benefícios”.

Considerando as recomendações da Agência Internacional de Desenvolvimento do Canadá (Canadian International Development Agency) que “para retornar ao seqüestro potencial de carbono de 1950 deveríamos restabelecer de 500 milhões de hectares de floresta nativa”.

Afirmamos que monoculturas de árvores exóticas não são florestas! Florestas são ecossistemas complexos, que possuem uma rede de inter-relações entre fauna, flora e outros elementos do ambiente. As monoculturas, pelo contrário, são plantações de uma única espécie de interesse comercial.

Requeremos:

Que sejam feitos os Estudos de Impacto Ambiental e os Licenciamentos por pessoas/instituições isentas, respeitando as leis, antes de prosseguir, o já iniciado megaprojetos de produção de celulose.

Que incentivos governamentais sejam destinados à população e não para estas grandes empresas transnacionais de celulose, através do suporte técnico para pequenos e médios produtores, programas, projetos e editais que beneficiem a agroecologia, a indústria de pequena ou média escala e a agropecuária.

Que o Conselho de Defesa Nacional indefira o pedido de regularização da compra de terras por empresas de capital estrangeiro na faixa de fronteira do Brasil como determinam as leis, e especialmente sobre o aqüífero guarani, estratégico para a segurança hídrica brasileira.

Que imediatamente seja rompido o fluxo de dinheiro público, do BNDES para a Poupança Florestal Caixa/RS e que o dinheiro seja destinado a projetos econômicos ecologicamente e socialmente justos, em consonância com os objetivos do referido banco.

Que o Ministério do Meio Ambiente faça uso de suas atribuições e resguarde a biodiversidade do Pampa não permitindo a instalação, ou expansão, das empresas de celulose Stora Enso, ARACRUZ, Votorantim a título de perder nossa soberania nacional e alimentar.

Que medidas de precaução sejam tomadas com a retirada e proibição das monoculturas de árvores e de indústrias cloro-químicas de áreas próximas às águas que abastecem as cidades, como determinam as leis.

Que o Ministério do Meio Ambiente faça uso de suas atribuições e resguarde a biodiversidade, não permitindo a construção de novos e impactantes empreendimentos para geração de energia como as termelétricas e as grandes hidrelétricas.

Que árvores geneticamente modificadas sejam banidas do Brasil.

Que sejam incentivados os verdadeiros florestamento, e reflorestamento feito com árvores nativas e de acordo com as características dos ecossistemas em questão.

Que sejam abertos editais para novos estudos científicos, projetos em educação e ecologia no pampa, o mais recente bioma nacional reconhecido.

(1) CERONI, Zoraido, Média Anual de Transpiração no Eucalyptus rostrata e suas relações com o meio através do método cut-leaf, Iheringia, Serie Botânica, n10, Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1972.

(2) FILIPINI, Ana, comunicação pessoal, World Rainforest Movenment, 2005.

(3) IBASE, Democracia Viva: 21, Especial Mercado de Trabalho. Rio de Janeiro, abril/maio de 2004, in DE'NADAI, A., OVERBEEK, W., SOARES, L. A. Plantações de eucalipto e produção de celulose: Promessas de emprego e destruição de trabalho: O caso Aracruz Celulose no Brasil. Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais (WRM), Brasil. 2005.

(4) NABINGER, Carlos comunicação pessoal, 2005. * Carlos Nabinger é Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitotecnia, Doutor em Zootecnia, Professor Adjunto Departamento Zootecnia Faculdade de Agronomia UFRGS.

(5) SUZUKI, David. Comunicação Pessoal, 2/23/05 a Orin Langelle, Global Justice Ecology Project, in Global Justice Ecology Project, Econexus, Friends of World, Global Forest Coalition e World Rainforest Movenment, Documento Informativo sobre as Árvores Transgênicas – Item 26.1 da Agenda, CDB COP8, Curitiba, 2005.

(6) BERMANN, Célio. Exportando nossa natureza: produtos intensivos em energia, implicações sociais e ambientais. Rio de Janeiro, FASE, 2004, pg.11 *Célio Bermann é professor do Curso de Pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e membro da Coordenação do Programa Brasil Sustentável Democrático. GT Energia da FBONGS, 2004.

(7) Public release, 22/12/05, Duke University. http://eurekalert.org/pub_realeases/2005-12/du-sct121905.php

(8) “Decline or Tropical Forest”, Global Futures Bulletin#83, Institute for Global Futures Research.

Constituição Federal, Lei Federal n. 5709/71

Constituição Federal, Lei Federal n. 6634/79

Constituição Estadual do Estado do Rio Grande do Sul, Lei Estadual n. 9202/91

Constituição Estadual do Estado do Rio Grande do Sul, Lei Estadual n. 9506/92

Assinam:

Rede Global Ahimsa

ONG Alerta - SP

Etnia Planetária – SP

FACE – UPR - Frente Afrobrasileira de cultura e Estudos nas Universidades – PR

MAMUCHA (Movimento Articulado de Mulheres da Chapada dos Guimarães)- MT

MPA Movimento dos Pequenos Agricultores

ICV – Instituto de Capacitação para Vida – CE

Comissão Nacional de Meio Ambiente da CUT

Escola de Floresta Roberval Cardoso – AC

GAMBA – Grupo Ambientalista da Bahia – BA

TERRAE- Miracatu- SP

CENTRO DE REFERÊNCIA DO MOVIMENTO DA CIDADANIA PELAS AUGAS FLORESTAS E MONTANHAS IGUASSU ITEREI- Miracatu- SP

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