Brasil: palco de uma agressão homicida contra os sem terra
Estratagemas dilatórios, recursos jurídicos, campanhas publicitárias e ofensivas nos meios de comunicação permitiram à Syngenta escapar das acusações da justiça e das ordens de desapropriação. Estes mesmos métodos parecem repetir-se hoje para livrar-se de toda responsabilidade nos fatos do massacre de Santa Tereza do Oeste e de seu tendal da morte
Entre bandos armados, agrotóxicos desumanos e sementes transgênicas
Sergio Ferrari - Berna, Suíça
Os movimentos sociais exigem a saída da Syngenta do Brasil
Uma fazenda experimental de transgênicos da Syngenta no Brasil se transformou no terceiro domingo de outubro em um cenário de horror logo depois da intervenção violenta de uma milícia privada. Como resultado, duas vítimas fatais, entre elas Valmir Mota de Oliveira “Keno”, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além disso, outros camponeses feridos que algumas horas antes haviam ocupado a fazenda da filial brasileira da multinacional suíça em Santa Tereza do Oeste, a 540 kilômetros de Curitiba, na região sudoeste do Estado do Paraná. A partir destes fatos, a empresa agroquímica suíça – número um no mundo no setor fitosanitário e número três no mercado de sementes comerciais – é colocada novamente no banco de réus pela opinião pública internacional. Hoje, em função da violência contra os sem terra. Ontem, por “delitos comerciais” no mundo inteiro e por sua ação contra o direito à soberania alimentar dos povos. No 26 de outubro passado, importantes movimentos sociais brasileiros exigiram a saída da Syngenta do país acusando-a de crimes contra os direitos humanos e contra o meio ambiente.
Milícas privadas... da Syngenta
Conforme relatam diversas fontes de organismos brasileiros de direitos humanos, os fatos aconteceram com velocidade espantosa. Na madrugada do domingo, 21 de outubro, um grupo de aproximadamente 150 camponeses do MST e da Via Campesina ocuparam a área da Syngenta para denunciar o cultivo ilegal de sementes transgênicas de soja e de milho.
Sete horas mais tarde, pouco depois de meio-dia, um micro-ônibus com mais de 40 agentes integrantes de uma milícia privada chegaram ao local. À quima roupa assassinaram com dois tiros no peito o militante agrário e balearam outros cinco agricultores. Outros dois dirigentes do MST conseguiram esconder-se e salvar suas vidas.
É a história de um massacre anunciado. Apenas três dias antes, no dia 18 de outubro, uma delegação da Comissão dos Direitos Humanos e de Defesa das Minorias do Congresso Nacional brasileiro havia participado de uma Audiência Pública em Curitiba. O objetivo desta foi conhecer in loco as denúncias sobre a formação e a atuação de milícias privadas no Paraná. Um dos dois Estados brasileiros com maior índice de violência contra trabalhadores sem terra.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT – ligada à Conferência dos Bispos católicos deste país sulamericano –, o Paraná foi o lugar de maior quantidade de conflitos agrários em todo país durante o ano de 2006 com 76 casos. Neste Estado, os proprietários rurais articulados na União Democrática Ruralista e na Sociedade Rural do Oeste “patrocinam grupos paramilitares sob fachada de empresas de segurança para realizar desocupações ilegais e ameaçam cotidianamente a vida de trabalhadores rurais, estabelecendo um clima de terror”, declara o documento de acusação elaborado pela ONG de direitos humanos “Terra de Direitos” e a Pastoral da Terra, analizado em Curitiba pela Comissão Parlamentar durante a recente audiência especial.
Mesmos que a Syngenta negou que a Sociedade de Segurança “NF” presente em sua fazenda experimental esteja autorizada a portar armas, sua responsabilidade em fatos como os ocorridos não é nova.
No 20 de julho passado, no assentamento Olga Benário sito no mesmo município, ao lado da fazenda experimental da Syngenta, várias famílias do MST foram “gravemente ameaçadas por agentes de segurança fortemente armados e contratados pela referida multinacional”, como indica o mesmo documento de “Terra de Direitos”.
De acordo com o Boletim de Ocorrência lavrado nesta oportunidade na delegacia de polícia do lugar, “agentes de segurança da empresa Syngenta invadiram sua área e lá permaneceram por aproximadamente quarenta minutos”, efetivando disparos de grosso calibre durante a noite”.
Seis dos pontos exigidos pelo documento de denúncia apresentado às autoridades legislativas durante a Audiência Pública em Curitiba no dia 18 de outubro, apenas dois dias antes do massacre de Santa Teraza do Oeste são conclusivos e permitem prever a tragédia. Exigem a realização de uma investigação séria, efetiva e imparcial sobre a formação, treinamento e contratação de milícias privadas no Estado do Paraná. Além disso, a investigação de empresas de segurança de fachada como a “NF” – contratada pela Syngenta – e a origem de suas armas. “Terra de Direitos”, a Comissão Pastoral da Terra e o MST também demandam providências para que não se repita a violações de direitos humanos e seja garantida a integridade dos trabalhadores rurais.
Syngenta, pesticidas tóxicos e sementes “terminator”
Em 2006, a “Declaração de Berna”, uma reconhecida organização suíça de informação e sensibilização, lançou uma campanha de correio eletrônicos “Stop Paraquat”, reforçada por inúmeras ONGs do mundo inteiro. Esta exigia da Syngenta a interrupção imediata da produção e da comercialização deste agrotóxico, extremamente perigoso e nocivo à saúde humana.
O Paraquat é vendido em mais de cem países com o nome genérico de “Gramoxone” e representa uma parte importante dos lucros da transnacional com sede em Basiléia, que no período de 2006 acumulou ganhos líquidos declarados na ordem de 900 milhões de dólares. Lucros estes que “causaram milhares de mortes” como destaca a Declaração de Berna no documento base de sua campanha.
Apesar das críticas públicas que iniciaram já nos anos 60 e das campanhas sistemáticas de denúncia contra a Syngenta – nascida em 2000 da fusão dos setores agroquímicos da Novartis suíça e do consórcio anglo-sueco AstraZeneca – o Gramoxone continua aumentando sua comercialização, como comprovam as novas instalações inauguradas na China. Até o momento, apenas uma dúzia de países proibiram ou limitaram significativamente o uso do Paraquat.
Em maio deste ano, diversas organizações da Ásia, África e Europa apresentaram uma denúncia contra a Syngenta na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A razão da denúncia é o fato de a empresa suíça não respeitar os compromissos estabelecidos no marco do código de conduta da FAO, especialmente seu Artigo 3.5 que conclama a evitar os agrotóxicos extremamente nocivos. Em julho do ano passado, a Corte de Justiça Européia também se pronunciou contra o produto referido.
Por outro lado, em março de 2006, mais de vinte organizações camponesas, de cooperação para o desenvolvimento e de proteção ao meio ambiente da Suíça, exigam em uma carta enviada ao Governo suíço que o mesmo se comprometa “ativamente a favor da proibição a nível mundial das plantas transgênicas ‘Terminator’”. Syngenta está particularmente ativa no desenvolvimento destas sementes e de outras tecnologias similares, conforme denunciam as organizações da sociedade civil. As plantas do tipo ‘Terminator’ produzem sementes estéreis que apenas possibilitam uma única colheita. Os camponeses não podem voltar a usar as sementes colhidas no próximo plantio.
Conforme a denúncia de março de 2006 das organizações suíças, “o único objetivo desta tecnologia é dominar o mercado de sementes e assegurar o controle da alimentação mundial... o que implica em uma violação flagrante ao direito humano à alimentação”.
A temática do ‘Terminator’ dominou parte da atenção nos debates e nas reflexões na 8ª. Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade realizada no final de março de 2006, justamente em Curitiba, Brasil.
Exatamente neste momento, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil e a Via Campesina ocuparam de forma simbólica as instalações da Syngenta em Santa Tereza para protestar contra “o plantio ilegal de soja e milho transgênicos”, como informou neste momento Swissinfo, a agência suíça de informação internacional em seu portal de internet.
O eixo de tensão entre o MST e a Syngenta era o plantio experimental de 120 hectares de sementes transgênicas realizado dentro da zona de proteção ambiental do Parque Nacional do Iguaçu. No final de 2006, o Governador do Estado do Paraná decretou a desapropriação da área referida, no mesmo tempo em que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA sancionava a transnacional suíça com uma muta de quase meio milhão de dólares pelas violações do marco legal brasileiro.
Estratagemas dilatórios, recursos jurídicos, campanhas publicitárias e ofensivas nos meios de comunicação permitiram à Syngenta escapar das acusações da justiça e das ordens de desapropriação. Estes mesmos métodos parecem repetir-se hoje para livrar-se de toda responsabilidade nos fatos do massacre de Santa Tereza do Oeste e de seu tendal da morte.
- Tradução de Tuto B. Wehrle.
Serviço de imprensa E-CHANGER, ONG de cooperação solidária presente no Brasil.
Fonte: ALAI