Parta 1: acusação de Ecocídio-Genocídio Cultural no Cerrado

Idioma Portugués
País Brasil

O diálogo de saberes – tradicionais e científicos – é uma das premissas político-metodológicas básicas da Campanha em Defesa do Cerrado, trazendo potência para um maior conhecimento das riquezas da sociobiodiversidade dos cerrados e na interpretação dos desafios que enfrentamos ao buscar defendê-las. Esse diálogo permite desconstruir visões coloniais e equivocadas acerca dessa imensa e diversa região ecológica, em especial aquelas que tratam o Cerrado como homogêneo e ordinário, passível de ser devastado para dar lugar a pastos, monocultivos, mineração e infraestruturas. Apresentamos nesta Parte I uma leitura do contexto – que justifica a presente acusação – que foi alimentada por processos de diálogo de saberes, alguns dos quais já sistematizados em publicações diversas que nos servem de referência.

A seção 1 apresenta o Direito à Terra-Território como condensador dos direitos dos povos do Cerrado a partir de algumas subseções.

Na seção 1.1 trataremos da história de longa duração, resgatando a própria formação geológica da savana brasileira e sua antiga ocupação humana para caracterizá-lo e afirmar o processo de convivência e co-constituição entre o Cerrado e seus povos. Para tanto, aqui também são apresentados e caracterizados esses povos em sua diversidade, unidos em razão de seus destinos entrelaçados com o destino do próprio Cerrado.

Na seção 1.2 será analisada a história da apropriação privada da terra no Brasil desde a invasão colonial, em especial a partir dos aspectos normativos que deram lastro à generalização do latifúndio e ao aprofundamento da questão agrária - entendida a partir da estrutura da propriedade, posse e uso da terra - e, por consequência, da necessidade persistente e nunca enfrentada de uma reforma agrária ampla, popular e contextualizada.

Na seção 1.3 apresentamos como, apesar dessa história de violência e acesso desigual à terra, as lutas dos povos no processo de redemocratização (1985) resultaram na conquista de direitos territoriais e de autodeterminação na Constituição de 1988 e em uma série de instrumentos posteriores em nível federal e estadual, que constituem um legado na resistência ao processo de ecocídio-genocídio [cultural] no Cerrado.

Na seção 1.4 apresentaremos um amplo levantamento em diversas bases de dados que apontam para a sistemática não titulação dos territórios indígenas, quilombolas e tradicionais, uma problemática endêmica no Cerrado brasileiro e que submete seus povos a uma situação de extrema vulnerabilidade à ameaça de genocídio [cultural] no contexto do ecocídio do Cerrado.

A seção 2, apresenta a Dimensão da Terra-Território no contexto do Ecocídio-Genocídio [Cultural] no Cerrado a partir de algumas subseções.

Na seção 2.1, analisaremos como, sobretudo no último meio século, a ocupação dos “sertões” foi construída como um imperativo pelo Estado brasileiro. Começa então o processo de ecocídio contra o Cerrado, com a implementação da Revolução Verde pela Ditadura Empresarial-Militar, justificada pela construção social do Cerrado como “infértil” e ecologicamente irrelevante e dos modos de vida dos povos do Cerrado como inexistentes ou um obstáculo ao “desenvolvimento”. Ao longo desse período, marcado por profundas transformações – a redemocratização e a constituinte, as reformas neoliberais e a financeirização, a ascensão de governos progressistas e o superciclo das commodities – uma dinâmica seguiu aprofundando: a expansão da fronteira agrícola, mineral e logística sobre os cerrados (e a exportação dessa experiência como modelo para outras savanas) provocando violência e devastação.

Na seção 2.2, será analisado como o desmatamento e a grilagem de terras são dinâmicas articuladas que resultam da expansão da fronteira se constitui como um cenário de violência e devastação, sendo o binômio base do crime de ecocídio-genocídio [cultural] no Cerrado. Também é apresentado como, diante da devastação, uma série de falsas soluções de mercado vão sendo institucionalizadas que, ao contrário de enfrentar a problemática de frente titulando os territórios e realizando a reforma agrária para conter o desmatamento e a grilagem, estão na prática anistiando os grileiros-desmatadores, favorecendo novas formas de grilagem (verde) e a expansão do desmatamento.

Finalmente na seção 2.3 falamos do trágico contexto atual. Começamos com alguns “sinais de alerta” – pandemia, fome, desmatamento, incêndios, exaustão hídrica e crise energética – que nos levam a falar do agravamento do ecocídio em curso contra o Cerrado e da urgência de frear a devastação para conter sua iminente extinção. Na segunda parte dessa seção, tratamos das rupturas democráticas no Brasil a partir de 2016 e da ascensão do fascismo, racismo e antiambientalismo bolsonaristas que têm provocado a destruição do legado da Constituição de 1988 e das conquistas e avanços institucionais subsequentes, aprofundando a gravidade e a ameaça de irreversibilidade do ecocídio em curso.

A partir desse contexto justificador desta Peça de Acusação Final que entregamos ao Tribunal Permanente dos Povos por ocasião da Audiência Final da Sessão em Defesa dos Territórios do Cerrado, assentamos as bases para a apresentação das Violações sistemáticas de direitos dos povos do Cerrado no contexto dos casos representativos do processo de Ecocídio-Genocídio [Cultural] no Cerrado na Parte II e da Parte III com os Direitos violados, responsabilização e recomendações ao júri.

Descarregar a primeira parte da acusação:

Fonte: Tribunal Permanente dos Povos (TPP)

Temas: Agronegocio, Pueblos indígenas

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