Drones respondem por 94% das contaminações por agrotóxicos no Maranhão

Idioma Portugués
País Brasil
Avanço do uso de drones no campo gerou também aumento de denúncias por contaminação de agrotóxicos no Maranhão (Foto: Wenderson Araujo/Trilux)

Comunidades rurais afirmam que os drones são usados como ferramenta de perseguição e ataques contra pequenos produtores; especialistas alertam para aumento de casos e falta de fiscalização.

“Tanto o drone quanto o avião", toda a volta que faz, passa por cima do lote e da plantação, para você perder a produção e seus animais morrerem”, conta uma agricultora de Açailândia, polo de produção de soja no Maranhão. “Fazem isso para nos forçar a deixar a terra.” 

Comunidades rurais do Maranhão afirmam que drones estão sendo utilizados como instrumento de intimidação e de expulsão de agricultores familiares. As denúncias, porém, não são investigadas, segundo advogados que acompanham os casos.

Dados inéditos obtidos pela Repórter Brasil mostram que 228 comunidades em 35 municípios do estado denunciaram contaminação por pesticidas entre janeiro e outubro de 2024. Do total, 214 casos (94%) correspondem a ataques por drones. 

Os dados foram coletados pela Fetaema (Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão), pela Rama (Rede de Agroecologia do Maranhão) e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão. 

As queixas vão desde intoxicações humanas até prejuízos ambientais, como o envenenamento de rios e a morte de animais.

“Se você não estiver prestando atenção, às vezes você nem percebe, a não ser pelo cheiro, que é mais forte porque o drone voa mais baixo [do que os aviões agrícolas]”, afirma a trabalhadora rural de Açailândia, que pede para não ser identificada por temer represálias. 

A cerca de 600 km da capital São Luís, Açailândia tem se consolidado como grande produtor de soja. Em 2024, sediou a “Abertura Nacional do Plantio da Soja 2024/2025”, que ocorreu pela primeira vez no estado, reunindo produtores e autoridades, como o governador Carlos Brandão (PSB). “Queremos informar aos produtores rurais de outros estados que, no Maranhão, eles têm como plantar e colher com apoio do governo”,  afirmou o mandatário no evento.

Para a trabalhadora, contudo, a expansão da soja não é sinônimo de progresso. A cada ano que passa, ela diz que mais lotes da reforma agrária são repassados para a monocultura. Quem fica é vigiado e ameaçado de morte e expulsão, principalmente com o uso dos drones, ela diz.

Em São Mateus (MA), município conhecido como a “capital do arroz”, relatos apontam que aviões e drones despejam agrotóxicos nas proximidades de moradias e pequenas plantações. “Eles usam essa estratégia justamente para expulsar as pessoas”, conta outra agricultora, que também não será identificada. “Lá onde eu moro era um lugar de muito peixe, mas com essa pulverização hoje não existe mais“, continua.

Com o crescimento das denúncias, movimentos populares e legisladores locais têm se mobilizado para criar mecanismos de proteção. Nove municípios maranhenses já aprovaram leis que proíbem a pulverização aérea. Além disso, a  Rama e organizações ligadas à igreja católica iniciaram uma campanha em abril passado para a criação de um projeto de lei estadual de iniciativa popular contra a prática. 

A reação foi rápida. Um mês depois, um projeto de lei para permitir a pulverização aérea no estado foi protocolado na assembleia legislativa do Maranhão. “Não foi coincidência, foi reação às denúncias”, afirma Diogo Cabral, advogado da Fetaema.

Porém, mesmo que o projeto estadual seja aprovado, continuarão valendo as leis municipais, que são mais restritivas, afirma Cabral. Ele explica que essas normas locais seguem  o entendimento do STF de que estados e municípios têm competência legislativa para estabelecer diretrizes de proteção à saúde e ao meio ambiente, como é o caso da aplicação de agrotóxicos.

Falta de fiscalização e punição

As denúncias, porém, não foram comprovadas pelas autoridades. As duas agricultoras ouvidas pela reportagem contam que vídeos e fotos não têm sido suficientes para apontar os responsáveis. “A gente vai buscar ajuda em todos os lugares, mas parece que as portas se fecham, porque ninguém dá importância”, diz uma delas.

Marcos Orellana, relator especial da ONU para tóxicos e direitos humanos, já manifestou preocupação com o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Em 2022, ele enviou uma carta ao governo brasileiro alertando sobre os impactos da pulverização aérea e criticou a ausência de respostas efetivas. Segundo ele, há um padrão de intimidação contra comunidades que denunciam essas práticas, o que amplia a vulnerabilidade dos grupos mais atingidos.

“Essas pulverizações não eram ocorrências isoladas, mas parte de um padrão de ataques repetidos e perseguições contra essas comunidades, que são submetidas a um medo constante e a sofrimento psicológico contínuo”, afirma Orellana.

Em maio do ano passado, a Repórter Brasil publicou uma denúncia de  tentativa de intimidação a Diogo Cabral. O advogado da Fetaema havia recebido uma notificação extrajudicial do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) para se retratar ou comprovar, em até 48h, que a pulverização aérea de agrotóxicos no Maranhão prejudica comunidades. A notificação ocorreu após entrevista de Cabral sobre a proibição da pulverização aérea no município de Caxias (MA). 

À Repórter Brasil, o Sindag afirmou na época que buscou esclarecimentos tanto com o advogado popular quanto com a rede de televisão que veiculou a reportagem a fim de buscar a “transparência sobre as informações divulgadas e a verdade sobre os fatos”.

Para Cabral, a falta de uma fiscalização efetiva cria um cenário de impunidade. “O agronegócio quer um Estado máximo para investir e garantir a produção, e um Estado mínimo para fiscalizar e punir quem comete crime ambiental.”

Angela Silva, presidenta da Fetaema, afirma que as análises de amostras para verificar a contaminação de agrotóxicos não acontecem de forma rápida no estado, o que interfere nas denúncias que a organização têm feito. 

“O sentimento das comunidades, assim como o nosso, é de tristeza, de impunidade, de não valorização. A gente denuncia, mas, às vezes, o caso não é levado a sério como deveria”, diz ela, ressaltando que as autoridades desconfiam se as denúncias são verdadeiras.

À Repórt e r Brasil, o pesquisador da Fiocruz no Ceará Fernando Carneiro afirmou que o aumento de casos no Maranhão mostra que “há pessoas não qualificadas operando os drones e causando contaminações”.

Estudos realizados em outros países mostram que há uma dificuldade em se obter precisão na aplicação. Pesquisa da Chinese Society of Agricultural Engineering revelou que até 55% do volume aplicado pelo drone se espalhou pelo entorno.

Procurado, o governo do Maranhão informou que “atua de forma ativa na mediação de conflitos agrários e na proteção das comunidades rurais” e que encaminha as denúncias sobre uso incorreto de agrotóxicos para órgãos de fiscalização, como a Aged (Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão), Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente) e a Superintendência do Ministério da Agricultura no Maranhão.

A Sema declarou que lidera a “fiscalização compartilhada do uso de agrotóxicos, em todas as etapas, desde a aquisição até o descarte adequado das embalagens” e que “tem adotado medidas mais rigorosas e preventivas para assegurar a preservação dos recursos naturais e a qualidade de vida das comunidades”. Jà a Aged declarou que monitora o comércio, uso, armazenamento e transporte das substâncias, assim como realiza atividades de educação quanto ao uso seguro dos agrotóxicos. 

Para o Sindag , os conflitos agrários devem ser investigados e resolvidos pelas autoridades “na melhor forma da lei e do bem-estar das pessoas”. O grupo afirma que, por ser uma  “ferramenta” visível em campo, a aviação agrícola sofre com os estereótipos. 

“A exemplo do que ocorre no Maranhão, onde ela está no centro de uma campanha da Igreja para que seja proibida nos Municípios”, afirma a organização, em referência à  campanha da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em torno de um projeto de lei estadual contra a pulverização.

O Sindag diz ainda ser necessária uma fiscalização ampla e constante para que “inocentes não paguem por culpados” ( leia as manifestações na íntegra)

“Eu estou ficando sem condições de contar essa história, porque dói muito, mas ficar calada é pior”, conta, emocionada, a agricultora de Açailândia.

A agricultora de São Mateus afirma ter medo de dar depoimentos sobre a atuação do agronegócio na sua região. Assim como ela, outros vivem com medo de falar e sofrerem mais represálias. “Enquanto eu puder e tiver condição de lutar junto com os demais, eu vou lutar para que chegue o fim da pulverização aérea”, finaliza.

Por Hélen Freitas | Edição Diego Junqueira

Fuente: Reporter Brasil

Temas: Agronegocio

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