Do modelo agroquímico à agroecologia: a busca por sistemas alimentares saudáveis e resilientes em tempos de COVID-19
Quase meio século após a realização da Conferência de Estocolmo, sabemos que a crise socioecológica global – escassez de energia e de água, degradação de ecossistemas e paisagens, mudanças climáticas, aumento das desigualdades econômicas e insegurança alimentar, dentre outros flagelos – não pode ser compreendida e enfrentada de maneira fragmentada.
Pelo fato de se tratar de uma síndrome interconectada, quando um problema setorial se agrava, seus efeitos se estendem por todo o sistema, exacerbando os demais. A irrupção da nova pandemia de COVID-19 veio confirmar esta premissa, reenfatizando a necessidade de uma tomada de consciência da natureza sistêmica do nosso mundo. Neste caso, tornase evidente que a saúde humana, animal e ecológica estão estreitamente vinculadas. Isto significa uma nova tomada de consciência das contradições embutidas na dinâmica errática do capitalismo corporativo globalizado, consubstanciadas na manutenção de formas de apropriação destrutiva dos sistemas de suporte da vida no planeta. Uma resposta consistente a este novo estágio de aguçamento da crise não poderá mais continuar omitindo as causas profundas das ameaças persistentes à vulnerabilidade socioecológica do nosso mundo.
Neste sentido, a agroecologia representa um exemplo inspirador de uma abordagem sistêmica poderosa, que nos permite explorar com novas lentes os complexos vínculos de interconexão envolvendo o binômio agricultura & saúde. Em outras palavras, esta abordagem nos ajuda a compreender melhor de que maneira o funcionamento dos sistemas agroalimentares no atual estágio de evolução do Sistema-Terra pode promover ou comprometer a saúde coletiva e, por implicação, reforçar ou não a resiliência ecossistêmica e as condições de habitabilidade do planeta. Oferece subsídios para se planejar e gerenciar sistemas agroalimentares considerados mais capazes de resistir a crises futuras num contexto marcado pela força de inércia do processo de globalização do capitalismo corporativo– surtos de pragas, novas pandemias, perturbações climáticas de caráter catastrófico ou colapsos dos mercados financeiros.
Ao valorizar a diversidade biocultural e a resiliência (variáveis que julgamos essenciais na busca de estratégias antecipativo-preventivas de enfrentamento dos desequilíbrios provocados no metabolismo planetário), além de estimular experimentações com novos modelos de economia de proximidade, a abordagem agroecológica que propomos constitui uma opção terapêutica que procura incidir nos condicionantes estruturais da intensificação da crise (Nicholls et al., 2016). Em síntese, à medida que milhões de famílias engrossam as fileiras da insegurança alimentar em praticamente todos os continentes, a abordagem agroecológica descortina alternativas para uma reconstrução de sistemas agrícolas e agroindustriais apoiada numa estratégia territorializada da produção e do consumo de alimentos.
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