Coleçã o Transiçã o Agroecológica #5

Idioma Portugués
País Brasil

A Associaçã o Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) trazem, mediante a Coleçã o Transiçã o Agroecológica, uma oportunidade ímpar de pensar a agroecologia (e a transição agroecológica) como algo factível e, portanto, capaz de disparar processos complexos de ver/ouvir/sentir e viver outras relações com a natureza a partir das experiências das mulheres.

Soberania alimentar: Biodiversidade, cultura e relações de gênero

Essa assertiva reforça o lema “Sem feminismo, não há Agroecologia”, e nos oportuniza a refletir sobre as dimensões que se apresentam nesta obra cujo tema central é Soberania alimentar: biodiversidade, cultura e relações de gênero. Assim, problematizar, compreender e, sobretudo, transformar processos que são estruturais na nossa sociedade é urgente e necessário.

Como ABA-Agroecologia, é fundamental destacar o quanto esta obra se apresenta providencial e oportuna, sobretudo se considerarmos o contexto que estamos vivenciando em nível global. Desde fevereiro de 2020 o mundo vem assistindo – e sofrendo – os inúmeros impactos sociais, econômicos, culturais, ambientais e também alimentares, causados pela pandemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave de coronavírus 2 (SARS CoV-2), ou mais comumente conhecida por Covid-19 (ou coronavírus). Outras crises ocorridas em outras épocas, certamente, não tiveram os impactos que esta atual crise anuncia, não apenas no Brasil, mas em todo planeta.

Esta crise sanitária deu visibilidade a um sistema alimentar industrial que destrói, contamina, adoece e mata. Segundo a carta da ABA-Agroecologia à sociedade brasileira, COVID-19 e seu impacto na sociedade: “A pandemia do Covid-19 se instaura em meio a uma crise climática sem precedentes, associada a um movimento intensivo de destruição da biodiversidade e de desestabilização dos processos ecológicos que sustentam a vida no planeta”. A destruição de ecossistemas bem como a criação de ambientes forjados comumente utilizados no atual modelo de produção (sistema alimentar de produção industrial) e consumo de alimentos (e de não alimentos) são, no limite desta crise, aspectos que precisam ser questionados.

A crise evidenciou também um modelo de sociedade na qual predominam relações desiguais de poder entre mulheres e homens, que, por sua vez, naturalizam, invisibilizam, amortecem e falham nos encaminhamentos práticos capazes de gerar mudanças. Estamos falando, por exemplo, de ações e estratégias no campo das políticas públicas, que não levam em conta as relações de gênero e, por sua vez, seguem reproduzindo iniquidades.

Obviamente, devemos considerar que, proporcionalmente, os impactos de qualquer fenômeno que abale as estruturas impostas, tais como uma pandemia, afetam de forma desigual – tanto em nível macro como em nível micro – as diferentes sociedades do globo, como já mencionaram Jaime Breilh, ainda em 2006, no seu livro Epidemiologia Crítica. Ciência Emancipadora e Interculturalidade, e também Asa Laurell em 2015 ao analisar as políticas neoliberais no México.

Em entrevista concedida à editora Traficante de Sueños, a filósofa e feminista Silvia Federeci afirma que “... esta pandemia faz com que injustiças que ocorrem todos os dias (como as guerras, os despejos, os deslocamentos forçados, as expropriações, a contaminação ambiental) se tornem muito visíveis e evidentes, e que se resumem na destruição da natureza”.

Neste livro serão trazidas experiências que inspiram, questionam e propõem. As autoras e autores mencionam, registram e analisam o protagonismo das mulheres na agroecologia, assim como na transição agroecológica, em vários territórios e em distintos “campos de batalha”. Os textos evidenciam o quanto as mulheres se fortalecem, crescem e se apoderam frente a situações adversas. No entanto, a transformação necessária nesse sistema alimentar tóxico, bem como das relações das pessoas com elas mesmas e delas com a natureza, não terá êxito se não incorporarmos, cotidianamente nas nossas práticas, o lema “Sem feminismo não há Agroecologia”.

Lançar luz sobre os debates que giram em torno das questões de gênero, de agroecologia e transição agroecológica, de soberania alimentar e de direitos segue sendo necessário e urgente. Seguramente esta obra cumpre com esta demanda já que sua importância se localiza em vários debates e nas distintas áreas de conhecimento.

Em tempos de pandemia, refletir, mas, sobretudo, dar concretude ao que se concebe por soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN) e agroecologia, aliado ao princípio do direito humano à alimentação adequada (DHAA) – entrelaçando aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, sobretudo em relação ao cuidado (das pessoas e da natureza) do produzir alimentos, do se alimentar e alimentar aos demais, do comer individual e/ou coletivamente, do nutrir corpo e mente, de garantir os direitos conquistados, mas, também, de reivindicar outros – ganham força. Isso porque são as ações e atitudes do cotidiano nas dimensões pública e privada que, em alguma medida, podem interferir nesse processo de reflexão-ação-transformação.
Assim, se é para refletir-agir e transformar, é fundamental evocarmos a força dessas mulheres – em que pese suas particularidades e realidades de vida, seus territórios e suas condições de acesso aos espaços decisórios. São elas (somos nós) que estão, dia após dia, enfrentando essas desigualdades e gerando expectativas de um mundo melhor, mais justo, solidário e equânime.

Por isso, acessar esta obra em tempos de pandemia é algo singular. Agradecemos às editoras pelos esforços empreendidos e pela oportunidade desta escrita coletiva e colaborativa, os quais procuram refletir sobre toda a diversidade dos territórios, da agroecologia e das mulheres.

Não gostamos deste mundo que está aí. Por isso, lutamos (e lutaremos sempre) para transformá-lo. A Agroecologia, portanto, é o nosso alimento diário, que nos alimenta o corpo e nutre nossa alma, mente e coração.

Islandia Bezerra

Presidenta da Associação Brasileira de Agreocologia (ABA-Agroecologia)

- Para baixar a edição em PDF, clique no link abaixo:

Fonte: Embrapa

Temas: Agroecología, Feminismo y luchas de las Mujeres, Soberanía alimentaria

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