Vírus Zika “é causa biológica” da microcefalia, confirma novo estudo
O caso de uma mulher grávida infectada pelo vírus Zika permitiu aos cientistas dar mais um passo na ligação entre o vírus e os casos recentes de recém-nascidos com microcefalia.
Os médicos seguiram de perto a mulher e identificaram um subdesenvolvimento do cérebro por volta do quinto mês de gravidez. Após a interrupção da gestação, a equipa de investigadores isolou o vírus no cérebro do feto, algo até agora inédito, relata um artigo científico publicado nesta quarta-feira na revista New England Journal of Medicine.
A descoberta é uma “prova adicional da ligação entre a infecção do vírus Zika e a microcefalia”, diz ao Público Olli Vapalahti, virologista da Universidade de Helsínquia (Finlândia) que liderou o estudo. Segundo o investigador, a equipa demonstrou o segundo postulado de Robert Koch (microbiologista alemão do século XIX que definiu as regras para se provar que um agente patogénico é responsável por uma doença) — que exige isolar o microorganismo do doente e cultivá-lo no laboratório.
Os cientistas fizeram isso: retiraram o vírus do cérebro do feto e ele multiplicou-se em células cultivadas em laboratório. Além disso, não encontraram outros microorganismos no feto. “Por isso, a causa biológica é bastante óbvia”, acrescenta Olli Vapalahti. “São necessários mais resultados com força estatística para os estudos epidemiológicos e talvez trabalho experimental feito em modelos animais [para se provar completamente a ligação].”
O Zika expandiu-se pelas Américas nos últimos anos e é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Pode causar febre, dores, mal-estar e borbulhas. No Brasil, com o aparecimento da epidemia houve um aumento de bebés que nasceram com a cabeça e o cérebro mais pequenos do que o normal. Estes recém-nascidos com microcefalia irão ter dificuldades cognitivas, na fala e no comportamento. Nos últimos meses, cientistas de todo o mundo têm tentado perceber as causas do problema.
Necessárias várias ecografias:
O novo caso permitiu seguir de perto o desenvolvimento de um feto de uma mulher finlandesa de 33 anos infectada com o vírus numa viagem à América Central, no final de Novembro último. Tanto ela como o marido foram picados por mosquitos. Na primeira semana de Dezembro, ambos desenvolveram os sintomas típicos da infecção pelo Zika.
A partir de então, a mulher e o feto, então na 12ª semana de gestação, foram seguidos pelos médicos. Uma análise ao soro da mulher revelou a existência de material genético do vírus Zika. Enquanto isso, ecografias na 12ª, 16ª e 17ª semanas mostraram que o feto estava a ter um desenvolvimento aparentemente normal. Infelizmente, uma nova ecografia perto da 20ª semana revelou que o cérebro tinha crescido menos do que o suposto.
“Como estávamos no início deste processo, a microcefalia estava ainda a surgir”, diz Olli Vapalahti. Com esta informação, a gravidez foi interrompida e o feto foi analisado, identificando-se no cérebro, além de neurónios mortos, células do sistema imunitário e o vírus Zika.
Quando a gravidez foi interrompida, os testes feitos à mulher mostraram que ela ainda continha o vírus Zika, apesar de os sintomas da doença terem desaparecido há quase dois meses. Os cientistas acreditam que os vírus detectados eram provenientes do feto. O que parece ter acontecido é que o Zika manteve-se a replicar no cérebro do feto, que não tinha um sistema imunitário desenvolvido capaz de debelar a infecção, e depois passou, de novo, para a mulher.
O problema é que as ecografias só detectaram uma alteração no desenvolvimento do feto quase dois meses após os sintomas da mulher. Este tipo de vigilância por ecografias será difícil de fazer em regiões pobres de países com a epidemia, que são as mais afectadas pelos mosquitos e pelo Zika. No entanto, o novo trabalho mostrou ser possível identificar o vírus no sangue da mulher. Por isso, Olli Vapalahti espera que um teste ao Zika feito às grávidas facilite “a triagem das que têm um feto com problemas de desenvolvimento”.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos