Via Campesina ocupa Aprosoja para denunciar a fome no Brasil
Em ação que faz parte da Jornada Nacional da Soberania Alimentar, as organizações da Via Campesina Brasil realizaram um ato na sede da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), em Brasília, na manhã desta quinta-feira (14).
A manifestação, que contou com a participação de cerca de 200 camponeses e camponesas, também ocorreu em outras quatro regiões do país, e teve o objetivo de denunciar o modelo excludente e concentrador de renda representado pelo agronegócio, que impulsiona a inflação dos alimentos e contribui para o aumento da fome no Brasil.
Atualmente, o país vive em uma contradição perversa. Enquanto o setor do agronegócio bate recordes de exportação, com projeções que indicam um faturamento de 120 bilhões de dólares, aumento de 20% na comparação com 2020, mais de 116 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar no Brasil, que representa mais da metade da população. Desse total, 43,4 milhões de pessoas não tinham comida o suficiente e 19 milhões estavam efetivamente passando fome, segundo dados do "Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil", elaborado pela Rede PENSSAN no início deste ano.
Embora seja o setor em que o Brasil mais exporta produtos, o agronegócio é dominado em escala mundial por um grupo pequeno de multinacionais, nenhuma delas brasileira. Juntas, empresas como ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus controlam 70% da produção, comercialização e transporte de produtos agrícolas.
Por causa disso, praticamente toda a produção agrícola brasileira está subordinada à demanda internacional e vinculada à variação do preço do dólar, que passa por uma alta histórica frente ao real, impactando diversos setores da economia. Um dos resultados diretos disso é a destinação cada vez maior de terras para a produção basicamente de soja, milho e cana-de-açúcar, em detrimento da produção de arroz, por exemplo, que apesar de ser item fundamental da alimentação brasileira, é um produto atualmente, em grande parte, importado pelo Brasil.
"Soberania Alimentar é a radical democratização dos processos de organização da produção, comercialização e distribuição de alimentos. A luta pela Soberania Alimentar passa pela luta contra o modelo devastador do agronegócio e tem na agroecologia e na reforma agrária os pilares fundamentais de disputa, apresentando um outro modelo de agricultura, sustentável, sem veneno, com diversidade produtiva, com controle popular dos meios de produção", afirma Marco Baratto, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Outros estados
Além de Brasília, as ações desta quinta ocorreram simultaneamente em Recife (PE), Vitória (ES), Porto Velho (RO) e Florianópolis (SC), e foi também uma resposta ao veto da Lei Assis Carvalho II, que visava amparar a agricultura familiar em razão dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus.
"Ao vetar o projeto de Lei Assis de Carvalho II, que traz um programa de auxílio emergência para a Agricultura Familiar camponesa, eles acabam deixando quem sustenta o Brasil sem política pública alguma, promovendo a miséria e fortalecendo o Agronegócio, que produz soja como alternativa de alimento para a população, envenenando o campo, desertificando a região, matando e expulsando o povo que está no território para a produção de monocultura", afirma Mirele Diovana, do Movimento das Mulheres Camponesas DF e Entorno.
A proposta, que foi integralmente vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, previa o suporte à agricultura familiar até 2022, com prorrogação, descontos, renegociação de dívidas dos produtores e flexibilização no crédito rural. Entre as medidas estava o pagamento de um auxílio no valor de R$ 2,5 mil por família para produtores em situação de pobreza e extrema pobreza.
Os movimentos populares do campo também denunciam o desmonte de programas políticas públicas fundamentais para a agricultura familiar, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que estão praticamente paralisados pelo governo federal por corte de verbas. Sem contar a extinção, por Bolsonaro, em 2019, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
Aprosoja
O ato na Aprosoja também é simbólico por causa do possível envolvimento da entidade na promoção, financiamento e organização dos atos antidemocráticos do dia 7 de setembro, que pediram o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma intervenção militar golpista no país.
O presidente da entidade, Antonio Galvan, chegou a ser alvo, no final de agosto, de mandado de busca e apreensão expedidos pelo STF no inquérito que apura incitação a atos violentos e ameaças contra a democracia. Na decisão, a Suprema Corte chegou a determinar o bloqueio das contas bancárias da Aprosoja às vésperas dos atos bolsonaristas. Em nota, no mês passado, após a repercussão do caso, a entidade negou qualquer apoio a pautas como o fechamento do STF e ataque às instituições democráticas.
Nota da Aprosoja
Procurada pelo Brasil de Fato, a Aprosoja enviou uma nota oficial em que repudia de forma veemente "a invasão e a depredação de sua sede. A entidade já está tomando as providências cabíveis junto às autoridades policiais para que os responsáveis sejam identificados e responsabilizados por cada um dos crimes cometidos".
Fonte: Brasil de Fato