Será que as academias de ciências rejeitaram o estudo sobre milho da Monsanto?
Na semana que passou a Agência Nacional de Segurança dos Alimentos (ANSES) da França decidu que não banirá o milho NK 603 da Monsanto. O órgão considerou que os resultados da pesquisa que relacionou seu consumo ao desenvolvimento massivo de tumores não lançaram dúvidas sobre as avaliações já feitas até então.
Para a Agência, os dados apresentados não permitem que se estabeleça cientificamente uma relação de causa e efeito entre o consumo do transgênico e/ou do agrotóxico com as patologias mencionadas. Essa manchete correu o mundo, alimentando ainda mais a polêmica gerada pela publicação inédita liderada pelo pesquisador da universidade francesa de Caen Gilles-Eric Séralini.
Menos destaque contudo foi dado para o fato de que a mesma ANSES apontou a existência de um escasso número de estudos publicados tratando dos potenciais efeitos de longo prazo decorrentes do consumo de transgênicos associados a agrotóxicos, como é o caso do milho NK 603 – Roundup Ready (liberado no Brasil desde 2008). A ANSES recomendou ainda o desenvolvimento de pesquisas nessa área, convocando fundos nacionais ou europeus a apoiar estudos abrangentes que permitam que se consolide o conhecimento sobre esses riscos à saúde tão insuficientemente documentados. [2]
A ANSES avaliou a publicação de Séralini a pedido do governo francês.
Na mesma semana, as Academias nacionais de Agricultura, de Medicina, de Farmacia, de Ciências, de Tecnologias e de Veterinária publicaram um posicionamento conjunto alegando que a pesquisa sobre o NK 603 não permite conclusões confiáveis. [3]
O estatístico francês Paul Deheuvels, membro da Academia de Ciências, publicou artigo no qual afirma recusar de antemão qualquer texto que seja apresentado em nome de várias academias partindo da fato de que o comitê que o assina não representa mais do que ele mesmo, independentemente da eminência de seus membros. [4] “É preciso que se debatam ideias, com calma, sem cair no jogo do lobby que se manifesta contra ou a favor das opiniões, mesmo sem se dar o tempo necessário para discuti-las”, pontua Deheuvels.
“Um grupo de experts foi reunido às pressas, não sabemos por quem, ninguém sabe como, e com total falta de transparência na seleção de seus membros. Essas pessoas estavam dispostas a escrever em pouquíssimo tempo uma nota bastante crítica ao estudo. Eles não podem alegar que sua opinião é endossada por todo meio acadêmico da França”, denunciou o estatístico [5].
Na esteira dessa polêmica, o jornalista Guillaume Malaurie conseguiu identificar alguns dos movimentos que ocorreram no bastidor da publicação da nota conjunta das academias de ciências. Um de seus articuladores foi Georges Pelletier, que esteve envolvido na liberação do milho NK 603. Pelletier é também figura chave da Associação Francesa de Biotecnologia Vegetal (AFBV), entidade de lobby pró-transgênicos. [6]
A situação faz lembrar manobra semelhante empreendida aqui pela Anbio – Associação Nacional de Biossegurança em 2004 às vérperas da aprovação da lei de biossgurança. [7] A carta, assinada por 13 entidades científicas, foi endereçada aos senadores e defendia em primeiro lugar poderes totais à CTNBio. Embora com assinaturas de suas entidades constando da carta, os presidentes à época das sociedades de Genética e de Microbiologia afirmaram não terem consentido. A própria SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência não assinou a carta por discordar de sua principal reivindicação. A Anbio é patrocinada por empresas como Monsanto e Cargill, entre outras.
Para fechar a semana, o próprio líder da pesquisa, Gilles-Eric Séralini publicou hoje no jornal francês Le Monde artigo comentando os ataques que vem sofrendo e o atabalhoado posicionamento da Agência Europeia de Segurança dos Alimentos – EFSA e das seis academias. [8]
“Essas agências apontaram falhas estatísitcas no nosso estudo, logo elas que jamais exigiram da indústria um décimo daquilo que agora nos intimam a fornecer, logo elas que aceitaram, sem pestanejar, testes sanitários de 90 dias ou menos, aplicados a grupos de quatro ou cinco ratos, por exemplo, para liberar a batata transgênica Amflora (EFSA, 2006)”. [Séralini e sua equipe avaliaram 200 ratos ao longo de dois anos, usando a mesma espécie de rato empregada pela Monsanto].
“Nossa sociedade precisa de consciência e de solidariedade, isto é, em uma palavra, precisa de sensatez. Os pesquisadores têm o direito de se enganar, mas têm também o dever de evitar aquilo que pode ser evitado: a maior parte dos grandes escândalos de saúde pública. A ciência que eu pratico não é feita para alimentar o ogro insaciável dos mercados, mas para proteger os seres humanos de hoje e de amanhã”.
Notas:
[1] Ver aquí
[2] Ver aquí
[3] Ver aquí
[4] Ver aquí
[5] Ver aquí
[6] Ver aquí
[7] Ver aquí
[8] Ver aquí
Fuente: AS-PTA