Sem Terra marcham por Brasília contra a paralisação da Reforma Agrária
Os 16 mil participantes do VI Congresso Nacional do MST realizam uma marcha em Brasília nesta quarta-feira (12). Após dois anos de intensos debates, os trabalhadores rurais chegaram ao VI Congresso Nacional do MST para consolidar seu novo programa agrário, que é chamado de Reforma Agrária Popular.
12 de fevereiro de 2014
Por Ednúbia Ghisi
Da Página do MST
Os 16 mil participantes do VI Congresso Nacional do MST realizam uma marcha em Brasília (DF) nesta quarta-feira (12). Os Sem Terra saem às 14h no ginásio Nilson Nelson, onde ocorre o IV Congresso Nacional do MST, e terá como destino a Esplanada dos Ministérios.
O ato vai denunciar a atual estagnação da Reforma Agrária no Brasil. Para o Movimento, este é um dos piores períodos da Reforma Agrária: apenas 7.274 famílias foram assentadas em 2013, a partir da desapropriação de 100 áreas, em 21 estados. Dados do Incra apontam que foram assentadas 30 mil famílias, número superestimado, já que inclui áreas de regularização fundiária na Amazônia.
Durante todo o governo Dilma, apenas 176 desapropriações de terra foram realizadas, desempenho que só perde para os três anos do período Collor, quando 28 áreas foram desapropriadas.
O volume de acampados reafirma a necessidade de acelerar a Reforma Agrária no Brasil: mais de 150 mil famílias vivem atualmente em acampamentos, das quais 90 mil integram o MST.
Para a integrante da direção nacional do MST, Itelvina Masoli, a marcha irá sintetizar a insatisfação dos agricultores Sem Terra. “Já estamos cansados de negociações. Nossa pauta está amarelada, pois não avança”.
Na avaliação da dirigente, o Estado prioriza o modelo de desenvolvimento do capital e do agronegócio. “É o pior governo para a Reforma Agrária. Muitos acampamentos estão há anos sem solução.”
Stedile: Desafio para Reforma Agrária é democratizar Estado e mudar política
11 de fevereiro de 2014
Por Rafael Soriano
Após dois anos de intensos debates, os trabalhadores rurais chegaram ao VI Congresso Nacional do MST para consolidar seu novo programa agrário, que é chamado de Reforma Agrária Popular.
Em diálogo na manhã desta terça-feira (11/02), João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do Movimento, e Guilherme Delgado, doutor em economia (Unicamp), ajudaram a aprofundar o tema.
“Não fizemos e nem acontecerá a Reforma Agrária clássica”, esclarece João Pedro Stédile, se referindo ao modelo de reforma agrária realizado pelos países capitalistas desde o século XIX, como Alemanha e Estados Unidos, sob direção política da burguesia industrial, que precisava ampliar mercados consumidores e o fornecimento de matérias-primas para indústria.
“O melhor exemplo que temos na história recente do país, foi a iniciativa de Reforma Agrária proposta por Celso Furtado, que conhecia bem a realidade do Nordeste. Essa proposta previa a desapropriação de todas as fazendas acima de 500 ha. Teria sido uma revolução, porém parte da burguesia não aceitou e, se aliando ao império, nos impôs uma ditadura violenta de mais de vinte anos”, disse o dirigente do movimento.
Assim, a Reforma Agrária Popular se remete à divisão das terras, o fim do latifúndio, aliada, contudo, à superação do modelo de produção e de relação com a natureza difundido pelo agronegócio.
O modelo do agronegócio, dentro do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo no campo em nível global, é responsável por direcionar o uso majoritário das terras cultiváveis no país para a produção de commodities (bens agrícolas exportáveis, com cotação nas bolsas de valores).
“Não podemos pegar a terra e imitar os fazendeiros em seu modelo, arrendar terra, colocar peão pra trabalhar”, afirma Stédile.
O MST defende que se desenvolvam técnicas de produção no sentido da transição agroecológica, que incorpore a mão-de-obra camponesa e com capacidade para produzir sem agrotóxicos.
Outros pilares deste novo programa são a incorporação da proteção às sementes e à natureza em geral, com um amplo programa de reflorestamento em áreas de assentamentos; a criação de agroindústrias sob controle cooperado dos trabalhadores, garantindo também aumento de renda através da comercialização de produtos beneficiados
Segundo ele, é necessário lutar por avanços sociais como o direito à educação no campo, construção de infra-estruturas sociais, atenção de saúde e outros avanços que melhorem a vida das famílias camponesas.
Desafios para a luta pela terra
Segundo o pesquisador Guilherme Delgado, doutor em economia pela Universidade de Campinas (Unicamp), a reforma agrária ao longo da história foi proposta como resposta a questões agrárias geradas pelo regime de propriedade, posse e uso das terras, em certos países.
Assim, a democratização da terra caracterizava-se por incidir nessas relações, alterando a estrutura fundiária, com distribuição de terras antes concentradas, com vistas à igualdade.
“A questão agrária que gerou as contradições que levaram à criação do MST foi reprimida durante os vinte anos de ditadura Civil-Militar e desaguaram na Constituição de 1988”, analisa Delgado.
Ele credita ao movimento camponês o mérito de conseguir colocar temas progressistas na Carta Magna. “A Constituição é, na verdade, um desenho arquitetônico e a montagem de um alicerce, porque quem faz a Reforma Agrária posteriormente é a luta política", afirma
"O processo político, a hegemonia política, que se instaura na sociedade e Estado, vai tornar aquele desenho do regime fundiário uma realidade. O que temos de pós Constituinte é um processo completamente antagônico, negativo, contrário ao regime fundiário instituído pela Constituição de 88”, indica Delgado, em relação à perda contínua de direitos e desregulamentações legais em curso capitaneados pelo Congresso.
Indagando sobre a viabilidade de uma guinada da luta em direção à concretização da Reforma Agrária Popular, Stédile complementa pontuando os principais desafios colocados ao Movimento.
Entre os desafios, ele apresenta a construção de alianças entre os trabalhadores rurais, independente de sua forma de organização; bem como aprimorar a aliança com os setores urbanos, que concentram a maior parte da população.
“Precisamos acumular forças nas áreas já conquistadas e ir colocando em prática essas ideias de mudanças. Temos que aprimorar as lutas de massas, de modo que o inimigo passe a temer nossa ação, por isso nossa força está na capacidade de fazer lutas de massas", afirma Stedile.
"Numa perspectiva mais geral, com as lutas nos engajarmos nas reivindicações pela democratização do Estado, como se apresenta atualmente a luta pela mudança nas regras políticas, e, com isso, continuar acumulando forças para produzir governos populares que tenham condições de realizar as mudanças necessárias”, finaliza Stedile.
Fonte: MST Brasil