Reforma Agrária no Brasil: em 2005, mais manipulação dos números
Um documento do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), obtido ela reportagem do Brasil de Fato, coloca ponto final na polêmica sobre os números da reforma agrária. O relatório mostra que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva assentou apenas 26,951 mil famílias em projetos criados em 2005, a partir da desapropriação de terras
O contingente é bem inferior às 127,506 mil famílias que o governo diz ter assentado em 2005. Mas por que os números são tão divergentes? Como mostra o próprio documento do MDA, a questão é que o governo contabiliza também como reforma agrária: projetos criados antes de 2005 e assentamentos em terras públicas.
Na visão de estudiosos do campo, esses procedimentos se caracterizam como projetos de colonização, mas não de reforma agrária. É o que diz Bernardo Mançano, professor de Geografia e pesquisador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde coordena o Data Luta (Banco de Dados da Luta pela Terra).
O geógrafo analisa que os dados de 2005 dão continuidade ao que o governo petista tem feito desde o início de seu mandato. Segundo Mançano, do total de 245 mil famílias que diz ter assentado nestes três anos, apenas 25% são fruto de novas desapropriações, como mostrou o Brasil de Fato em reportagens anteriores.
As outras 75% são de regularização e reordenamento fundiário e de projetos de colonização em terras públicas (ou seja, terras que já pertencem à União). Dessa forma, pouco se alterou na concentração fundiária no país.
“A reforma agrária no Brasil não desconcentra a propriedade da terra, só impede que a concentração seja maior ainda”, avalia Mançano.
Além de Metas
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que o movimento reconhece os números de famílias assentadas em 2005 como de 26,951 mil famílias. Rodrigues destaca, ainda, a importância das outras 49,203 mil famílias assentadas em terras públicas para a “regularização fundiária no país”, mas explica que não poderiam ser contabilizadas como beneficiadas por um processo de reforma agrária.
“Esses dois números são legítimos, o resto é inchaço. Infelizmente, o governo Lula entrou na lógica de mostrar números a qualquer custo”, diz. O dirigente sem-terra chama a atenção para o fato de que os critérios para avaliar a realização da reforma agrária não podem ficar apenas na discussão de metas. Ou seja, precisam ser levados em conta os fatores ligados à infra-estrutura que deve ser dada aos assentamentos.
Para Rodrigues, houve avanços nas áreas de educação, assistência técnica, moradia e fornecimento de energia elétrica. Por outro lado, a desapropriação de latifúndios improdutivos e a melhoria na estrutura do Estado ainda deixam muito a desejar. Outro ponto negativo é a concessão de crédito agrícola que Rodrigues avalia ser uma “política fracassada”.
Análise
Para Bernardo Mançano, o projeto de reforma agrária em curso no país desde a década de 1990 não está transferindo as terras para as mãos de famílias camponesas. Segundo o professor, de 1993 a 2003, as áreas agricultáveis do agronegócio cresceram duas vezes mais do que a da agricultura camponesa, deixando claro a prioridade dos sucessivos governos.
Isso explica por que é cada vez mais difícil fazer desapropriação de terras no país. “Onde o agronegócio já está bem estabelecido, como no Sul e no Sudeste, o governo tem ainda menos força para desapropriar terras”, diz Mançano.
Para o geógrafo, além de cobrar metas de famílias assentadas e infra-estrutura, é necessário que os movimentos sociais invistam em um projeto político-territorial. “As metas têm que ser por número de famílias e em áreas agricultáveis”, defende o professor.
Esta seria uma das maneiras de se evitar recontagem de famílias em projetos já existentes, ou seja, em territórios já desapropriados.
Leia abaixo os números da reforma agrária
Para o governo
• O número total de famílias assentadas seria de 127.506
• Deste total, apenas 26.951 famílias foram assentadas em projetos criados em 2005, em terras desapropriadas.
• 31.373 famílias foram assentadas em projetos anteriores a 2005, podendo haver projetos anteriores a
2003, ou seja, durante o governo anterior.
• 69.182 famílias foram assentadas em terras públicas, ou seja, em projetos de colonização, sem desapropriação
de terras, apenas com a regularização fundiária. Deste total, 19.979 famílias foram assentadas em
projetos criados antes de 2005.
A reforma agrária, de fato
Meta do governo para 2005: 115 mil famílias
Número atingido: 26.951 famílias
Região Norte
meta: 34.350
famílias assentadas: 4.603
Região Nordeste
meta: 39.900
famílias assentadas: 10.947
Região Centro-Oeste
meta: 27.400
famílias assentadas: 7.421
Região Sudeste
meta: 8.090
famílias assentadas: 3.256
Região Sul
meta: 5.260
famílias assentadas: 724 famílias
Fuente: Últimas do MST