Povo equatoriano luta contra o TLC

Por ADITAL
Idioma Portugués
País Ecuador

Enquanto no Brasil as gentes se preparam para mais uma edição da Copa do Mundo visando o hexacampeonato, em outros países da América Latina, a luta se faz, renhida e sangrenta. No Equador, por exemplo, o povo mais uma vez está nas ruas em manifestações gigantescas de protesto contra assinatura do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos

Adital - No ano passado, essa batalha pela soberania acabou com a queda do presidente Lucio Gutierrez. Os povos originários, na sua maioria, foram os que comandaram a ação, fechando estradas, realizando "paros" (paralisações gerais), ocupando órgãos públicos. Ao final de semanas de guerra campal, as gentes aceitaram a tese de que deveriam deixar a "democracia" seguir o seu curso e o vice de Lucio, Alfredo Palacio assumiu a presidência no que os movimentos chamam de "governo transitório". Uma das tarefas desse novo governo era respeitar o desejo do povo equatoriano, e o povo não quer o TLC. Mesmo assim, passados alguns meses, o presidente voltou a negociar com os EUA.

A conversa que emana do Estado é de que o povo não precisa se preocupar, porque "nada no acordo vai prejudicar o Equador". Por outro lado, existe uma cláusula de confidencialidade que impede que os resultados das negociações sejam divulgados. Segundo o jurista Augusto Tandazo, mais de 90% do tratado já está fechado e ninguém sabe o que acontece atrás das postas do poder. Ora, escolados na vida real, os equatorianos bem sabem - como já alertava José Martí - que nenhum acordo feito com os Estados Unidos pode resultar em coisa boa para as gentes. Além disso, o governo tampouco caminha na direção de mudanças concretas, emancipatórias. Pelo contrário. As empresas petroleiras multinacionais seguem sendo protegidas, como é o caso da OXY, denunciada centenas de vezes pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). O ministro da Economia nomeado pelo presidente é um grande empresário do ramo de flores - mais importante produto de exportação do país e maior beneficiado no TLC - e mais da metade do orçamento do Equador é destinado ao pagamento da dívida externa. Dívida essa que o povo não escolheu fazer, portanto, injusta, tal como já mostrou teoricamente o historiador argentino Alejandro Olmos Gaona, no livro a Dívida Odiosa. Assim, todos os compromisso firmados por ocasião da rebelião que depôs Gutierrez não estão sendo cumpridos. Não há investimento no social e o governo assume todas as características de um Estado neoliberal.

Em função disso tudo, o país vive outra vez uma onda de protestos. A população quer respostas aos acordos firmados com as gentes do Equador. Na última semana, liderados pela CONAIE, o povo realizou uma série de manifestações em praticamente todas as regiões, fazendo bloqueio das estradas e promovendo caminhadas que chegaram a reunir mais de 50 mil pessoas em algumas das grandes cidades. Muitos dos protestos foram reprimidos violentamente. Em Quito, estudantes secundaristas foram rechaçados à bala, com os policiais cobrindo o rosto para não serem identificados. Também os camponeses, no interior, tiveram de enfrentar a força policial armada, em duros conflitos regados a balas e gás lacrimogêneo. Mulheres, crianças e velhos não são respeitados, há gente ferida e muitos estão presos, conforme relatam os comunicados da CONAIE.

Apesar de tudo, as gentes não desistem da luta. A intenção dos manifestantes é fazer com que o governo equatoriano suspenda imediatamente qualquer negociação relacionada ao TLC. A idéia é fazer com que não haja segredos sobre o que está sendo discutido, que a população possa saber os termos das conversas, as conseqüências para o povo do Equador e, a partir daí, decidir soberanamente em uma Consulta Nacional se quer ou não a assinatura do tratado. Conforme clamam os informes da CONAIE, uma decisão tão visceral como esta não pode prescindir da vontade popular. Segundo os manifestantes, a população tem o direito constitucional de saber o que é que está sendo negociado e decidir sobre isso.

Os camponeses, representantes dos povos originários, estudantes, intelectuais e toda a sorte de movimentos populares insistem em pontuar a possibilidade de outras alternativas para a economia equatoriana, muito mais vantajosas e seguras que o TLC com os estadunidenses. Eles lembram da Alternativa Bolivariana para as América, capitaneada pelo presidente Hugo Chàvez, da Venezuela, o MERCOSUL e a Comunidade Andina de Nações, todas elas de caráter popular e nacionalista, que visam o desenvolvimento real das gentes e não só de uma meia dúzia de empresários ou oligarcas locais. São alternativas de soberania e dignidade, defendem.

O governo de Palácio, além de enfrentar os protestos com a mesma velha tática da violência e da repressão, se faz surdo ao som das ruas e das gentes. Tão surdo que os jornais de hoje no Equador anunciam que esta semana, sexta-feira, haverá uma "ronda" final de negociação, com os representantes equatorianos já em viagem para Washington. Os dirigentes estatais dizem que a CONAIE está querendo levar o país ao caos, "desestabilizando a democracia" e afirmam que tudo já está em paz, posto que foram liberados 32 milhões de dólares para as autoridades locais usarem em obras de infra-estrutura. Isso seria risível se não fosse a completa declaração de cegueira política ou, pior, uma política deliberada de capitulação ao poder do capital e do império, coisa que derrubou Gutierrez.

O certo é que o movimento popular organizado do Equador não vai se contentar com os 32 bilhões de dólares para infra-estrutura, porque, afinal, não é isso que está em jogo. O que os manifestantes querem é uma ação firme contra a petroleira estrangeira OXY, acusada de quebrar todos os contratos no que diz respeito à extração do petróleo na região amazônica, a suspensão das negociações sobre o TLC e a convocação de uma Assembléia Geral Constituinte. Sem isso, as mobilizações seguem. Para esta segunda feira está planejada uma marcha sobre Quito, a capital. Centenas de pessoas já estão concentradas na periferia, vindas de várias regiões, e devem se juntar aos manifestantes locais. Além disso, os bloqueios nas estradas vão continuar.

O Equador ferve outra vez na luta pela sua soberania, na defesa dos recursos naturais e de uma vida feliz para todos. Nas ruas, o povo entrega tudo o que lhe resta: a própria vida. Nos palácios, os dirigentes da classe dominante insistem no discurso de que "são uns poucos desordeiros". Mais uma queda de braço neste espaço do mundo em que revolução é palavra que anda, embora ainda não tenha conseguido terminar com o povo mesmo no poder. Cabe a nós, nesta parte irmã, observar, cuidar e apoiar a luta daqueles que insistem em ver o Equador livre, soberano e com riquezas repartidas. Esta será uma semana de luta.

Elaine Tavares
Jornalista

Fonte: ADITAL

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