Plano do governo de assentar 8% das famílias acampadas é importante, mas não resolve problema, diz MST

Idioma Portugués
País Brasil

Atualmente há 145 mil famílias vivendo em acampamentos no Brasil, Lula prometeu entregar 12 mil assentamentos.

“Acreditamos neste governo e o defendemos do fascismo. No entanto, não tem como sairmos satisfeitos com os anúncios”, resume Débora Nunes, da direção nacional do  Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a respeito do plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de entregar 12.297 lotes de reforma agrária até abril. 

O anúncio aconteceu na última sexta-feira (7) durante cerimônia no agora  Assentamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG), na primeira visita de Lula a uma área do MST neste terceiro mandato.  

“É uma conta simples”, fundamenta Nunes. Atualmente há 145 mil famílias vivendo em acampamentos no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). As políticas anunciadas, portanto, devem beneficiar 8,48% do total.  

Destas 145 mil acampadas, 100 mil estão ligadas ao MST, que reivindica o assentamento imediato de ao menos 65 mil – são as que aguardam regularização há mais de 15 anos.  

“No ano de 2025, o que nós temos de orçamento para aquisição de terras são R$ 400 milhões. Esse montante está muito longe de conseguir assentar as famílias que estão acampadas”, afirma Débora Nunes em entrevista ao Brasil de Fato. “Então os anúncios são importantes, mas não resolvem o problema e não atendem as expectativas e as necessidades reais, seja do MST, seja do público geral da reforma agrária no nosso país”. 

A defesa da  reforma agrária é uma das pautas da  Jornada Nacional de Lutas das Mulheres do MST, que começou nesta terça-feira (11) e prevê atos contra o agronegócio em todo o país até sexta (14). Sob o lema “Agronegócio é violência e crime ambiental, a  luta das mulheres é contra o capital”, a jornada ainda terá mutirões de plantio e formações. 

“Essa não pode ser uma luta dos sem-terra, não pode ser uma luta das mulheres sem-terra. É o conjunto da sociedade que precisa dizer qual é o modelo que de fato serve e que traz benefícios para a população”, diz sobre a defesa da reforma agrária e da agricultura familiar.

Confira a entrevista na íntegra.

— O governo federal anunciou que vai entregar pouco mais de 12 mil lotes de terra para acampados até abril. Foi a primeira vez neste mandato que o presidente Lula foi até uma área do MST e também que fez um anúncio deste tipo. Ao mesmo tempo, o número de famílias atendidas é muito pouco perto das 145 mil acampadas no Brasil hoje. Como o movimento avalia o anúncio? 

— Do ponto e vista da simbologia, é extremamente importante a ida do presidente Lula, pela primeira vez neste mandato, a um acampamento do MST. Sobretudo no Quilombo Campo Grande, uma área que na pandemia foi violentamente atacada, com destruição da escola e da produção de alimentos. E tivemos a oportunidade de reafirmar o nosso compromisso com a defesa da democracia e deste governo dos ataques fascistas.  

No entanto, em relação às entregas do programa Terra da Gente e ao resultado concreto para o assentamento de famílias, está muito aquém das nossas expectativas e, sobretudo, das nossas necessidades.  

Acreditamos neste governo e o defendemos do fascismo. No entanto, não tem como sairmos satisfeitos com os anúncios. É uma conta simples. Olha, 145 mil famílias acampadas. Destas, 65 mil há mais de 15 anos na espera da reforma agrária. E um anúncio para beneficiar 12 mil. Dessas 12 mil, pouco menos de 5 mil sendo do MST, né? E não estamos falando de 2025. Estamos falando de mais de dois anos de governo, juntando tudo. Isso aponta uma morosidade.  

Nós não vamos ter 145 mil famílias assentadas se não tiver efetivamente recurso para a reforma agrária. No ano de 2025 o que nós temos de orçamento para aquisição de terras são R$ 400 milhões. Esse montante está muito longe de conseguir assentar as famílias que estão acampadas. Então os anúncios são importantes, mas não resolvem o problema e não atendem as expectativas e as necessidades reais, seja do MST, seja do público geral da reforma agrária no nosso país. 

— O governo Lula 3 está no terceiro ano do seu mandato. E a possibilidade de o país eleger em 2026 um representante da direita não é desprezível. Vocês consideram que falta um sentimento de urgência para as políticas de reforma agrária antes do fim do mandato? Existe expectativa de aumento de orçamento para a área em 2026? 

— A direita nunca perdeu as esperanças de retomar o comando do nosso país. Não tenho dúvida que o tema da reforma agrária e da terra ganha uma centralidade nesta disputa. Essa direita é majoritariamente a representação do agronegócio: detentores de grandes extensões de terra ou a serviço desse modelo.  

Acreditamos que o governo federal precisa de fato assumir a bandeira da reforma agrária como uma prioridade. E para isso, não basta discurso. Tem que destinar recursos. O plano do “Terra da Gente” de arrecadar terras públicas e de grandes devedores é importante, mas é um plano de médio e longo prazo, não vai ser resolvido no imediato. Essas terras não estão desocupadas, vão ter disputas na justiça. Então é necessário que se garanta e se destine recursos.  

E aí é decisão política também. O que é mais importante? Pagarmos juros ou destinarmos terras para aqueles que podem produzir alimento? É preciso entender que a realização da reforma agrária é uma política estruturante do nosso país.  

— Nesta segunda (11) começou a jornada de luta das mulheres do MST, com o lema “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o Capital”. Pode explicar a escolha do eixo e contar um pouco do que vem por aí? 

— A luta das mulheres sem-terra é contra o capital porque a sociedade está sendo violentada pelo agronegócio. À medida que nossos mananciais de água são mercantilizados, envenenados com uso de agrotóxico, que nossas florestas estão sendo destruídas para a expansão da soja, do milho e da pecuária, este modelo violenta diretamente o conjunto da sociedade.  

Nesta jornada vamos fazer formações nos territórios e ações de luta nas capitais. Vamos denunciar o agronegócio nos seus diversos braços: na mineração, no hidronegócio, enfim, nas diversas formas em que o capital no campo tem se materializado e cometido crimes ambientais.  

Inclusive muita gente pode pensar: “Como é que depois de um ato de entrega do presidente Lula, o MST faz luta?”. Porque essa é a forma que os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade têm não só para denunciar, como para reivindicar. O agronegócio faz suas reivindicações através de lobbies. No Senado, na Câmara. E conseguem levar. Achando pouco o volume de R$ 400 bilhões do Plano Safra destinado ao agronegócio no ano passado, estão sinalizando que em 2025 precisam, querem e certamente terão um Plano Safra com mais de R$ 600 bilhões.  

É um modelo que se diz autossuficiente, mas não vive sem os recursos do Estado. E reivindicando mais de R$ 600 bilhões. Quer dizer, um aumento significativo em detrimento de um Plano Safra com pouco mais de R$ 70 bilhões no ano passado para a agricultura familiar e reforma agrária. 

Então, é isso que nós queremos denunciar nessa jornada e convocar a sociedade. Essa não pode ser uma luta dos sem-terra, não pode ser uma luta das mulheres sem-terra. É o conjunto da sociedade que precisa dizer qual é o modelo que de fato serve e que traz benefícios para a população.  

— O março de luta das mulheres tradicionalmente é a abertura de outra jornada importante para o movimento, o “abril vermelho”. O que o MST planeja? 

— O abril vermelho é fruto de um processo de violência contra o MST: o Massacre de Eldorado do Carajás no Pará em 1996. De lá para cá, o abril tem essa simbologia. Inclusive com a lei que o presidente à época, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), instituiu, tornando o 17 de abril o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.  

Nesse abril vamos continuar com a reivindicação da reforma agrária, denunciar o agronegócio e todos os instrumentos que estão a seu serviço, inclusive o Congresso Nacional. 

As mulheres sem-terra abrem as jornadas em março, mas abril segue nessa pegada de reivindicação. Inclusive cobrando do governo a destinação de um orçamento que dê conta do tamanho da necessidade e da importância que a reforma agrária e a agricultura familiar têm para o nosso país.  

Nós esperamos que não tenhamos que aguardar mais dois anos para ter um anúncio de mais 12 mil famílias assentadas. Se a gente for nesse ritmo, com as famílias novas que vão acampando, vamos passar mais de 10 anos para atender o passivo que temos hoje.  

— Deve aumentar o número de famílias acampadas no Brasil a partir de abril? 

— Sem sombra de dúvida. E não é uma decisão do MST. Na verdade, as famílias vão para os acampamentos porque muitas vezes não conseguem as respostas, as condições necessárias para viver na cidade. Então a reforma agrária também se apresenta como, de fato, uma alternativa para as famílias que têm na terra o seu instrumento de trabalho e foram largadas.

Nós precisamos dialogar com a sociedade e a gente precisa compreender que a reforma agrária não é uma política para resolver de forma precária a situação, a demanda, a reivindicação dos sem-terra. A reforma agrária, assim como Zé Gomes [José Gomes da Silva, agrônomo que lutou pela reforma agrária] já anunciava em sua trajetória política, é efetivamente uma política que pode contribuir para o desenvolvimento do nosso país e resolver problemas estruturais. 

A reforma agrária acontecendo, ela gera emprego, trabalho, renda, ocupa as pessoas, produz alimento e leva mais alimento na mesa de quem está na cidade, alimento mais barato, saudável, mas ela consegue também dinamizar o município, porque quem recebe, quem consegue a renda lá no campo, lá no município do interior, não vai aplicar isso na bolsa, não vai aplicar lá fora, muito pelo contrário, esse recurso volta para o município, isso dinamiza a economia, então o comércio ganha e outros setores ganham também. 

Sem sombra de dúvida, a reforma agrária é talvez hoje uma das principais políticas que podem resolver problemas estruturais que afetam não apenas os sem-terras, mas o conjunto da sociedade, que está para além da questão ambiental, que é crucial, porque tem a ver com a possibilidade ou não de existência humana, animal, vegetal, na face da Terra daqui a algum tempo.

- Edição por Martina Medina.

Fonte: Brasil de Fato

Temas: Acaparamiento de tierras, Agricultura campesina y prácticas tradicionales, Movimientos campesinos, Tierra, territorio y bienes comunes

Comentarios