Petrolula muy hermano
"Não cederemos à pressão do Presidente do Brasil". A explícita recusa de interferência - inédita na história das relações entre os dois países - foi pronunciada esta semana pela ministra de meio ambiente do Equador, Ana Albán
O leitor talvez fique perplexo, pois a imprensa brasileira omitiu até agora os fatos.
Duas províncias amazônicas do Equador, Orellana e Sucumbíos, estão há semanas em estado de emergência, intervenção do governo central e suspensão dos direitos constitucionais, declarada pelo Presidente Alfredo Palacio. Greve total dos trabalhadores locais, bancos e aeroportos fechados, exército nas ruas, índios em estado de guerra, centenas de feridos e alguns mortos. Parece guerra, mas com quem? Com três empresas petroleiras estrangeiras: a brasileira Petrobras, a canadense Encana e a norteamericana Occidental. Uma mistura explosiva de reivindicações sociais, ambientais e econômicas levou até o bloqueio total da produção.
O conflito com a Petrobras é especialmente sério. A empresa iniciou, ilegalmente, a construção de uma estrada petroleira dentro do Parque Yasuni, patrimônio mundial da UNESCO por sua biodiversidade. No governo do deposto Presidente Lúcio Gutierrez, a empresa brasileira havia distribuído algumas caminhonetes de luxo para funcionários públicos, além de 200 mil dólares para alguns caciques locais: com isso, e sem sequer um EIA-RIMA, entendeu ter adquirido o direito de abrir a estrada e explorar o chamado "Bloco 31". Eram os tempos em que os interesses brasileiros não eram questionados em Quito. Gutierrez, não por acaso, se refugiou em abril passado na embaixada brasileira, da qual foi resgatado e levado em avião da FAB para Brasília.
O novo presidente, embora também precise dos recursos do BNDES e de outros investimentos brasileiros, tentou mostrar à opinião pública uma retomada de dignidade nas relações internacionais. Dizem os bem informados que tenta, no mínimo, aumentar o preço para as multinacionais. Atividades ilegais, como aquela da Petrobras, foram suspensas, por determinação dos ministérios de Meio Ambiente e da Justiça.
Eis que - de forma sigilosa - em 27 de julho o Presidente Lula resolve pressionar por escrito seu colega Palacio, conforme vazado esta semana pela imprensa daquele país: "desejo manifestar minha preocupação pela recente decisão do Governo de suspender as atividades da Petrobras". Logo em seguida, o Presidente envia duas vezes o embaixador brasileiro Florêncio para visitar diretamente o órgão governamental licenciador. Ou seja, o representante diplomático brasileiro se desloca fisicamente para pressionar os funcionários responsáveis por cumprir a lei do país. Finalmente, esta semana foi a vez do ministro das Relações Exteriores Amorim fazer uma viagem relâmpago até Quito, para reforçar a solicitação do Presidente.
Trata-se de iniciativas que surpreendem por várias razões. Se o Presidente da República tivesse realizado pressões desse tipo no Brasil, teria cometido um crime de responsabilidade, previsto pela Constituição no caso em que o Presidente "atente para o cumprimento das leis ou decisões judiciais". De qualquer forma, do ponto de vista político, como pode um Presidente usar seu prestígio e peso pessoal para que outro país permita atividades ilegais de empresas brasileiras? E ainda utilizar embaixadores como se fossem lobistas, ou despachantes, de uma empresa estatal? Finalmente, como pode o Presidente Lula - frente a trabalhadores em greve e comunidades indígenas de um país latinoamericano que se levantam para defender seus direitos frente a multinacionais estrangeiras - usar sua influência pessoal, e aquela do Brasil, contra tais vozes?
Nosso presidente parece atuar, no caso do Equador, como os EUA atuavam nos anos 60 em boa parte da América Latina. Trata o país como um quintal, se enfurece se as autoridades não se prostram frente ao capital brasileiro, manda buscar presidentes fugitivos, adverte os novos, interfere abertamente por meio de sua embaixada, mostra despreocupação com a legalidade alheia. Com uma diferença em relação aos EUA daquela época: o poder de anunciante da Petrobras faz com que nem sequer se fale disso na grande imprensa brasileira.
Fuente: Amazonia.org.br