Parlamentares trocam experiências para fortalecer ações contra agrotóxicos
Reunião no Fórum Social das resistências de Porto Alegre aproximou mandatos de diferentes partidos, municípios e estados em busca de fórmulas que assegurem a aprovação de projetos de lei para proibir ou reduzir o uso de veneno no cultivo de alimentos.
Em outubro, Florianópolis ganhou o título de primeira cidade brasileira "livre de agrotóxicos" depois que uma lei aprovada por unanimidade na Câmara Municipal baniu o uso de veneno em cultivos na região insular de Floripa. Proposta pelo vereador Marcos José de Abreu, o Marquito, (Psol), foi a iniciativa de maior impacto apresentada em um encontro no qual deputados e vereadores de diferentes estados e municípios brasileiros discitiram as estratégias parlamentares para formular e aprovar projetos de lei que proíbam ou reduzam o uso de agrotóxicos nos alimentos.
A mesa sobre direitos humanos e agroecologia foi uma das primeiras atividades do 2º Fórum Social das Resistências, que acontece até o próximo domingo (26) em Porto Alegre - ocorreu antes mesmo da marcha de abertura, que teve início uma hora após o fim do encontro. O debate reuniu cerca de 40 pessoas nesta terça-feira à tarde no Plenarinho da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e foi marcado pela interatividade entre os palestrantes e o público.
"Procuramos trazer uma visão multipartidária sobre experiências legislativas que deram certo e outras que foram frustradas para enriquecer as ações de combate aos agrotóxicos, tendo em vista o direito de consumir alimentos saudáveis e garantir qualidade da água e do ar", explica o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), uma das entidades organizadoras do encontro.
Na mesa, expuseram suas estratégias três parlamentares: um do Psol e dois do PT. Os deputados Marcelino Galo (PT-BA), Goura (PDT-PR) e o vereador Paulo Porto (PCdoB, Cascavel), não puderam comparecer, mas enviaram depoimentos em vídeo, relatando algumas de suas experiências. Também manifestaram-se Isabel Silva, vice-presidente da regional Sul da ABA, que destacou a importância da entidade a fim de fortalecer as organizações e a necessidade de uma participação maior da mulher nos debates, e, ainda, falaram Kitanji, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana, o vereador Adão Pretto Filho, do PT de Viamão, entre outros representantes de entidades agroecológicas.
No centro do debate estão a proibição de uso de venenos com origem duvidosa, a proibição da pulverização aérea e o distanciamento mínimo entre plantações que utilizam venenos e escolas, residências e culturas ecológicas, além das políticas de incentivo para criação de feiras agroecológicas.
Marquito foi o destaque da tarde. Além da lei que torna Floripa zona livre de agrotóxicos – que ainda está em regulamentação e passará a valer em outubro de 2020, conforme disse em entrevista exclsiva à Carta Maior – o vereador aprovou também a Lei da Compostagem. Essa norma obriga todos os estabelecimentos comerciais do município a separarem os resíduos orgânicos para compostagem já a partir de 5 de junho – eles representam 43% de todos os resíduos sólidos gerados na cidade, daí a importância de desestimular seu envio direto aos aterros sanitários. A norma vale até 2030.
Estratégias de guerrilha
O vereador de Porto Alegre Marcelo Sgarbossa (PT), fez questão de elogiar as conquistas do seu colega catarinense, salientando que na capital gaúcha "as coisas não funcionam bem assim". Segundo seu relato, ideias de viés ecológico sofrem resistência para aprovação na Câmara Municipal.
"Aqui nós estamos perdendo a guerra. (Para aprovar), não basta ter a ideia. Precisa saber o tempo certo de apresentar o projeto, a necessidade de ampliar o debate ou, se for o caso, ser bem discreto e escolher com quem falar", explica.
O vereador dá como exemplo o projeto de lei que introduziu alimentos orgânicos na merenda escolar da rede municipal, iniciativa que protocolou na véspera de uma eleição. Outro, foi a proibição de canudos plásticos. "Fui ao gabinete da vereadora Monica Leal (PP) e mostrei o vídeo da tartaruga marinha com um canudo no nariz, ela ficou apavorada e confirmou apoio a nossa causa. Tomou a frente da discussão e eu fiquei quieto porque se eu falasse, os vereadores de oposição rejeitariam a minha iniciativa".
O deputado Edegar Pretto (PT-RS), que estava em seu último dia como presidente interino da Assembleia Legislativa gaúcha, destacou que as disputas em torno da temática ecológica no Rio Grande do Sul estão sendo tratadas de forma desigual: enquanto o agronegócio acompanha o debate com lupa, a população de um modo geral não tem prestado muito atenção, mesmo nos assuntos de seu interesse direto.
"Eu tenho um projeto para proibir a pulverização aérea e, por isso, sou acusado e ofendido de todas as formas. Enquanto meia dúzia de latifundiários gaúchos se acha no direito de jogar veneno da maneira que quiser, não vejo uma mobilização a favor, a não ser ações pontuais de uma ou outra pessoa", adverte.
O problema, na visão de Sgarbossa, é que nem sempre o apoio da população ajuda. "Lotar as galerias para pressionar os parlamentares ainda é importante, mas deixou de ser decisivo. Quando o vereador ou deputado que é contra o projeto vê que o público não é do seu eleitorado, faz discurso inflamado para criar polarização e inflamar as redes sociais", diz, brincando que pensa em mudar o nome de seu mandato para "lógicas parlamentares, táticas de guerrilha".
Entrevista
Vereador Marquito: "Amplificamos os debates até garantir a unanimidade"
Quando começa a vigorar a Zona Livre de Agrotóxico?
Começa a valer no dia 8 de outubro deste ano para a parte insular da cidade, ou seja, apenas a ilha, que soma 97,3% da área de Florianópolis. Portanto, só não vale para os bairros situados no continente.
Como conseguiu aprovar por unanimidade?
Começamos nossa legislatura facilitando acesso ao nosso gabinete para pessoas que nunca tinham entrado na Câmara e ocupamos todos os espaços da casa com audiências públicas, Grande Expediente, seminários sobre o tema. Reunimos uma força popular boa para ampliar os debates em torno da agroecologia e dos prejuízos dos agrotóxicos. Usamos como exemplo a mortandade de abelhas, que gera um impacto muito grande na população, especialmente porque são importantes indicadores de poluição do meio ambiente. Claro, alguns projetos mais estratégicos, elaboramos e protocolamos discretamente, para não chamar a atenção.
E não houve reações das entidades ligadas ao agronegócio?
Nós passamos de gabinete em gabinete para conversarmos com todos os vereadores. Amplificamos os debates até conseguirmos convencer os partidos conservadores a apoiar nossas proposições. Quando aprovamos, alguns senadores do MDB, do PP chegaram a reclamar dos seus correligionários por terem permitido que a zona livre fosse aprovada. A Federação Catarinense de Agricultura divulgou uma nota afirmando que aquela lei era inconstitucional, tinha cunho ideológico e serviria apenas para contaminar outros municípios que têm a agricultura como atividade fundamental.
Fuente: Carta Maior