Paraguai destrói plantações ilegais de milho transgênico e enfrenta pressões da oligarquia rural
Em meados de agosto último o Serviço Nacional de Qualidade e Sanidade Vegetal e de Sementes (Senave) do governo paraguaio iniciou uma série de ações de fiscalização e destruição de lavouras ilegais de milho transgênico no país.
A primeira ação se deu numa propriedade no estado de Alto Paraná, onde foram destruídos 44 hectares de milho transgênico de propriedade de um agricultor “brasiguaio”, a 90 km da capital Ciudad del Este. O milho, que estava em ponto de colheita, foi totalmente triturado por um rolo-faca, de modo a inviabilizar seu uso como semente. A variedade Bt+RR (tolerante a herbicida e também tóxico a lagartas) havia sido contrabandeada do Brasil.
As ações continuaram ao longo da semana, resultando na destruição de mais de 100 hectares de milho ilegal.
A reação veio a galope. Logo foram publicadas reportagens com manifestos indignados de representantes do agronegócio paraguaio, criticando as ações e chamando de retrógrado o presidente do órgão, Miguel Lovera.
No auge dos protestos, por iniciativa do senador liberal Alfredo Jaeggli, o Senado paraguaio aprovou uma declaração ao Poder Executivo instando-o “a paralisar as intervenções do Senave com relação ao milho transgênico até que se atualize a normativa atual, conforme o desenvolvimento científico do produto” (em outras palavras, “até que o governo libere definitivamente o milho transgênico”).
Do outro lado, organizações camponesas também se manifestaram, prestando apoio ao Senave, argumentando quanto aos riscos do consumo do produto e em defesa da semente nativa. Pediram ainda que se declare “emergência fitossanitária” pelo descumprimento da legislação que proíbe expressamente o milho transgênico.
Em 28 de agosto, em seguida à manifestação do Senado, Lovera foi a público declarar que o órgão prosseguiria com a fiscalização e a destruição do milho ilegal. A declaração foi feita numa coletiva de imprensa logo depois de Lovera ter-se reunido com o presidente Fernando Lugo. Segundo Lovera, o presidente apoia o trabalho realizado pelo Senave e recomendou que ele “siga cumprindo a lei”, como fez até o momento.
A legislação paraguaia permite o cultivo de algumas variedades de soja transgênica, mas não de milho. Recentemente, entretanto, o Ministério da Agricultura do país publicou uma resolução declarando ser de interesse estratégico a experimentação com sementes de milho transgênico em território paraguaio, o que aconteceria sob a supervisão do Instituto Paraguaio de Tecnologia Agrária.
Esta semana, a Aliança pela Biodiversidade na América Latina e a Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos enviaram uma carta aberta ao ministro da agricultura paraguaio, Enzo Cardozo, expressando profunda preocupação com relação à decisão, uma vez que existe vasta informação científica demonstrando que, após a introdução destas variedades no campo, torna-se impossível deter a contaminação genética das variedades convencionais, crioulas e tradicionais de milho, uma vez que trata-se de uma espécie de polinização aberta.
Nós brasileiros conhecemos bem esta história da “criação do fato consumado” e podemos imaginar as pressões que o governo do Paraguai está sofrendo no sentido de atropelar as avaliações de biossegurança e autorizar “na marra” as variedades transgênicas de milho.
Foi assim que se deu no Brasil a aprovação da soja transgênica tolerante ao herbicida glifosato: depois de cinco anos de disseminação de cultivo ilegal no sul do país sob as vistas grossas do governo FHC, o Presidente Lula cedeu às pressões do agronegócio e autorizou a soja a despeito da ausência de estudos de impacto ambiental. Sob alegações de que “o cultivo da soja transgênica no Brasil já era uma realidade e que não era mais possível voltar atrás” e que “num país que passa fome não se poderia destruir quase oito milhões de toneladas de soja contaminada” a soja transgênica foi excepcionalmente autorizada através de medidas provisórias por duas safras seguidas, até ser definitivamente liberada pela Lei de Biossegurança (11.105/05), dispensando-se a necessária avaliação de riscos à saúde e ao meio ambiente.
Veremos como irá caminhar esta disputa no Paraguai. Esperamos que o Presidente Lugo consiga manter a firmeza que o Presidente Lula não conseguiu.
Com informações de:
- Senave destruye 44 hectáreas de maíz transgénico en Naranjal - Ultima Hora - Paraguai, 12/08/2010.
- Campesinos rechazan la producción del maíz transgénico y apoyan al Senave - Red Rural, 09/09/2010.
- Senave continuará con eliminación del maíz transgénico - Viva Paraguay, 28/08/2010.
- Más fuego en el debate sobre transgénicos en Paraguay - El Proyecto Esperanza, agosto de 2010.
- Maíz transgénico: Carta abierta a Enzo Cardozo, Ministro de Agricultura de Paraguay - Biodiversidad en América Latina y El Caribe, 14/09/2010.
Fuente: AS-PTA