O Brasil continua tratando estupidamente os povos indígenas

Idioma Portugués
País Brasil

Pequeno resumo da luta indígena a partir da autodermacação em 2005. O relato integral dos acontecimentos que envolvem estes povos no Espírito Santo certamente daria um livro de muitas páginas. Mas espero que este pequeno texto cumpra o objetivo de contribuir possibilitando minimante o entendimento dos últimos acontecimentos

“Os sinais não deixam dúvida: há vida estúpida na terra”

Contextualizando

Depois de muitas tentativas inúteis pelo diálogo, depois de tanto abuso de poder por parte da empresa Aracruz Celulose e Estado, povos Tupinikim e Guaraní no Espírito Santo decidiram finalmente pela auto-demarcação de suas terras tomadas pela empresa.

Juntamente com algumas outras comunidades impactadas (ES, MG, BA) e seus aliados, os Guarani e Tupinikim discutiram formas de reconversão das áreas invadidas pelo eucalipto para outros usos, tais como o reflorestamento diversificado e a produção de alimentos, num encontro chamado por eles de “Replantar a Nossa Esperança”. Trocaram experiências de resistência ao "deserto verde".

“NOSSA TERRA, NOSSA LIBERDADE”, assim estes povos anunciam publicamente sua decisão, em fevereiro de 2005:

“No dia 19 de fevereiro de 2005 realizamos uma Assembléia Geral dos Povos Tupinikim e Guarani na aldeia de Comboios.(...) depois de muitos debates nas nossas comunidades, chegamos à conclusão que o Acordo com a Aracruz não conseguiu resolver nossos problemas, ao contrário, tem nos causado ainda mais dificuldades, gerando dependência econômica, divisão entre as aldeias e enfraquecendo nossa cultura. A morte da nossa cultura é a morte simbólica do nosso povo. Temos uma responsabilidade muito grande como caciques e lideranças. Sabemos que não podemos continuar existindo como povo indígena se não tivermos liberdade e autonomia e se nossas terras não forem demarcadas, para que nossos filhos e netos possam ter um futuro seguro. 500 anos atrás cortaram as árvores que representam os povos e culturas indígenas; hoje, com nossa luta, voltam a brotar com força as raízes indígenas no Espírito Santo. A luta pela terra, que é também a luta pela sobrevivência física e cultural dos Tupinikim e Guarani, será, daqui para frente, nosso principal objetivo e não descansaremos até conseguirmos recuperar integralmente nossas terras.” (Nota Pública dos Índios Tupinikim e Guarani), fev/2005)

Na madrugada do dia 17 de maio de 2005, os Tupinikim e Guarani dão início do processo de auto-demarcação dos 11 mil hectares apropriados pela empresa Aracruz Celulose. Ocupação indígena no ES põe em xeque monocultura de celulose. Eles contam com o apoio integral dos camponeses, inclusive quilombolas entidades locais, nacionais e internacionais, na luta pela retomada das terras apropriadas dos índios por mais de quatro décadas pela Aracruz. Foi uma re-autodemarcação pois na primeira autodemarcação em 1989, Íris Resende (PMDB) -, reconhece que as terras são indígenas, mas mesmo assim repassa estas terras, inegociáveis, à Aracruz Celulose.
“Apesar destes estudos, o ex-ministro da Justiça, através das Portarias 193, 194 e 195 de 6 de março de 1998, decidiu, de forma inconstitucional, pela redução da área indígena a ser demarcada de 18.070 para apenas 7.061 hectares. Em seguida, realizamos a auto-demarcação das nossas terras mas, após 8 dias, fomos reprimidos na nossa ação através de uma verdadeira operação de guerra da polícia federal, que fechou o acesso às aldeias, e nos levou para Brasília onde, sem o direito a assessoria e isolados das nossas comunidades, fomos obrigados a assinar um acordo com a empresa Aracruz Celulose, sob a ameaça de perder todas as terras.” (Carta Aberta enviada ao ministro da Justiça, 17/maio/2005)

Funai afirma que o estudo feito por seus técnicos em 1997, a pedido do então ministro da Justiça, Iris Rezende (PMDB/GO), sobre os limites das Terras Indígenas, é legítimo, atualizado e nada pode anulá-lo.

Lideranças Tupinikim e Guarani na autodemarcação

Para a Aracruz, o acordo rompido, pelos índios era muito benéfico já que com ele a empresa, além de explorar intensamente as terras indígenas, podia afirmar para o mundo que tem boa convivência com os Tupinikim e Guarani e que não há nada que coloque em xeque sua boa imagem de 'empresa cumpridora de suas responsabilidades social e ambiental'. Mas, a luta indígena no Espírito Santo ganha repercussão internacional e desconstrói essa falsa imagem.

Os índios esperam do ministro que ele revogue as portarias assinadas pelo ex-ministro Íris Rezende (PMDB/GO), em 1998, permitindo à Aracruz o uso das terras indígenas.
A área autodemarcada é onde antes existiam as aldeias Tupinikim Olho D'água e Araribá, localizadas entre os rios Sahy e Guaxandiba, no norte do Estado. No local foi construído um opu - lugar dos cultos religiosos dos índios - onde no entorno foram levantadas as casas das famílias que viveriam nas novas aldeias. A intenção foi levar para o local todas as famílias que ali viviam antes da chegada da multinacional no Espírito Santo. As novas aldeias ocupadas por famílias Tupinikim e Guarani, estavam comandadas inicialmente por todos os caciques. A área onde as duas aldeias foram reconstruídas tem 2,5 hectares. A idéia dos índios foi reflorestar toda a área destruída pelo uso intenso de eucalipto, unificando a área para que o povo indígena esteja, finalmente, protegido em suas terras.

Diversas outras formas de lutas foram encaminhadas enquanto as novas aldeias eram reconstruídas. Os índios ocuparam as instalações da Fábrica da Aracruz Celulose para forçar a Funai em Brasília e o ministério da Justiça encaminharem a portaria de posse definitiva de suas terras. Os indígenas que participaram da ocupação não causaram nenhum dano às instalações da empresa. Todas as formas de luta possuem até então características de pacificidade por parte dos índios.

Esta ocupação trouxe ao Espírito Santo o Presidente da FUNAI, Mércio Pereira Gomes, e o assessor especial do Ministério da Justiça, Marcelo Behar. Presente também o Diretor do Departamento de Assuntos Fundiários (DAF) da FUNAI, Arthur Nobre Mendes. A audiência terminou assim:

“Município de Aracruz, 07/10/2005 - Ata de reunião:

Reunidos as lideranças dos povos Tupinikim e Guarani em ato público com autoridades estaduais e federais para discutir e deliberar sobre suas terras, ficou acordado por todos que:

1. Será formada uma comissão de caciques para ir a Brasília em quinze dias com a finalidade de discutir junto ao corpo jurídico do Governo Federal (Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, Procuradoria da FUNAI e AGU) e ao Ministério Público Federal as medidas necessárias para a edição de nova portaria declaratória de Terra Indígena;
2. A Comissão acompanhará as medidas que deverão ser adotadas para que a nova portaria tenha efeito jurídico;
3. O Governo Federal se compromete a empenhar seus esforços para realizar todos as medidas necessárias para a elaboração da nova portaria com a maior celeridade possível.”

Atrasos começaram a acontecer nos prazos acordados. Mas tudo parecia caminhar dentro do esperado até que neste sábado, dia 20 de janeiro de 2006, por volta da 8hs da manhã, quando famílias que moram nas novas aldeias se preparavam com suas crianças para um dia de atividade comunitária, foram surpreendidos pela tropa de choque da polícia federal.

TROPA DE CHOQUE E POLICIA FEDERAL INVADEM DE SURPRESA ALDEIAS INDÍGENAS DE ARACRUZ

Repetindo os anos 70, na manhã de hoje (dia 20/01/2006), em uma ação violenta e unilateral, os tratores da Aracruz Celulose destruíram duas aldeias indígenas Tupinikim e Guarani no Espírito Santo. Com o apoio do Comando de Operações Táticas (COT), vindo diretamente de Brasília, da polícia federal do Governo Lula,e aliada ao batalhão de choque da polícia estadual de Paulo Hartung, a Aracruz Celulose jogou por terra tudo o que havia nas aldeias indígenas de Córrego D’Ouro e Olho D´Água. As duas aldeias foram totalmente destruídas!Foi uma ação autoritária e unilateral, pois nem a Comissão de Caciques, nem a administração regional da FUNAI, nem o Ministério Público, nenhum dos parlamentares, ninguém estava ciente da trama policial da Aracruz Celulose. O que deixa a todos perplexos é que havia uma longa negociação em pauta, envolvendo todos os atores do conflito, Estado, empresa, índios, sociedade civil, agendada desde o final do ano passado, a respeito de uma nova portaria do Ministério da Justiça, confirmando os estudos antropológicos da FUNAI, reconhecendo a área como território indígena! Atropelando todo o diálogo no âmbito do Estado e da sociedade civil, a absurda liminar de reintegração de posse foi dada pelo juiz federal Rogério Moreira Alves, da vara de Linhares, e data do dia 07/12/05.Em uma operação de guerra, disparando tiros por terra e desde os helicópteros, lançando bombas de efeito moral , as máquinas da Aracruz Celulose destruíram casas indígenas, devastaram suas roças e plantios de alimentos, jogaram no chão suas cabanas de ritos. Caciques e lideranças indígenas que conseguiram chegar ao local e que resistiam, foram agredidos pelos policiais, alguns, com ferimentos foram para o hospital de Aracruz (Seu João Mateus da Aldeia de Comboios e Valdeir, de Pau Brasil, entre outros). Lideranças indígenas ainda se encontram detidas pela Polícia Federal, incomunicáveis (Paulo, liderança de Caieiras Velha e Nil, de Pau Brasil). A assessora parlamentar Vanessa Vilarinho, que conseguiu estar presente no local desde a manhã, teve seu carro destruído pelos policiais.Há barreiras impedindo o acesso ao local Ainda pela manhã, dois funcionários da FUNAI já haviam sido detidos e deixados incomunicáveis, na “casa de hóspedes” da Aracruz Celulose.Por enquanto são as informações que temos. O clima está ainda muito tenso e um conjunto de parceiros da Rede Deserto Verde já se deslocou para as aldeias, porém ainda não fizeram contato. Aguardamos mais informações. Olho d’água e Córrego do Ouro vão ressurgir, sempre! (nota da Rede Contra o Deserto Verde: 20 Jan 2006 16:38:49)

Ação violenta em Aracruz: Polícia Federal prende, algema e espanca índios desarmados[1]

Ao contrário do que divulgara em nota oficial, a Polícia Federal deu autêntico espetáculo de truculência e violência em sua ação contra os índios de Aracruz, norte do Estado, na manhã e na tarde desta sexta-feira (20) Além de disparar balas de borracha, ferindo mais de dez índios, os agentes federais agrediram, algemaram e mantiveram presos vários deles. Paulo foi um deles. Sofreu chutes e socos e foi mantido imobilizado durante várias horas.

Alguns dos índios feridos foram identificados: Vilmar de Oliveira, presidente da Associação Tupinikin-Guarani: Vilson de Oliveira, o cacique Jaguareté; Valdecir, cacique da aldeia Irajá; Maurício,com três tiros de borracha nas pernas.
A esposa de Jaguareté, grávida de sete meses, teve uma arma de fogo apontada para sua cabeça e, temendo ser ferida ou espancada, implorou ao policial que não a maltratasse, apontando para o filho que gestava. Quem também sofreu violência foi a funcionária da Funai de nome Fátima, conhecida como Fatinha. Ela foi detida pelos policiais por ter se negado a acompanhá-los na repressão aos índios. Ficou presa numa das propriedades da Aracruz Celulose e só foi liberada porque começou a passar mal.

A violência policial só foi aliviada depois da chegada ao local da deputada federal Iriny Lopes (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara dos Deputados. A parlamentar fez vários contatos, inclusive com a Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo. Do superintendente ela ouviu a declaração de que os agentes federais aqui lotados se recusaram a participar da operação.
Iriny também falou com o procurador federal André Pimentel, que disse estar tentando, por meio judicial, tirar os mais de cem policiais federais que estão em Aracruz.
Também estiveram no local os deputados estaduais Carlos Casteglione (PT) e Brice Bragato (PSOL). Eles se mostraram indignados com a violência praticada contra os índios.

Derrubada a liminar da Aracruz

No início da noite desta Sexta, o desembargador Paulo Freitas Barata, do Tribunal Regional Federal, no Rio de Janeiro, suspendeu a liminar obtida pela Aracruz que deu origem à violência contra os índios. Mas a Polícia Federal não abandonou o local, como deveria, e continuou ameaçando os índios com suas armas, inclusive fazendo vôos rasantes de helicóptero com armas apontadas para os índios. (Flávia Bernardes, enviada especial da www.seculodiario.com.br)

No local, momentos Finais

As máquinas que foram usadas para derrubar as cabanas e casas indígenas são colhedeiras da Aracruz Celulose. A empresa tem uma hospedagem na praia em Barra do Riacho, a sua “Casa de Hóspedes”, onde hospedou os militares antes e depois do ato e manteve incomunicáveis os índios detidos. Depois que as tropas se retiraram do local as comunidades tentaram se reunir para decidir o que fazer. O sangue fervia e ficou difícil pensar. Saíram todos para dentro dos eucaliptais de onde esperavam decidir uma reação ao ocorrido. As idéias variavam: ocupação da fábrica, obstrução da produção, interrupção das rodovias ou queima do plantio de eucaliptos. Estávamos todos, índios e apoios entidades civis, parlamentares etc, numa destas ruas da monocultura, próxima a aldeia Pau Brasil quando um helicóptero militar começou a sobrevoar sobre nossas cabeças. Saímos todos bem rápido para a rodovia que por alguns momentos foi interditada pelo movimento e nos dirigimos até a fábrica com possibilidades de ocupação da mesma. Após decidirem os encaminhamentos junto aos presentes: parlamentares, advogados, Funai, entidades da Rede Contra o Deserto Verde, Procuradoria, Pastotral Indigenista etc, os índios decidiram voltar para as aldeias pois grande parte das decisões só poderão ser encaminhadas segunda feira.

Enquanto isso, hoje mesmo (sábado, dia 21 de janeiro de 2006) iniciam a reconstrução das aldeias destruídas pelos militares. A liminar está cassada e uma série de ilegalidades compõe esta liminar e sua execução, o que nos faz entender que o processo das terras continua tal como estava sendo encaminhado. Neste momento renovando forças, é momento de reconstrução das aldeias destruídas.

[1] Veja esta matéria no Seculo Diario

Marilda Teles Maracci - AGB-ES e membro da Rede Contra o Deserto Verde

Fonte: Seculo Diario

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