ONG Repórter Brasil lança estudo sobre impactos da cana em 2008

Idioma Portugués
País Brasil

Pesquisadores percorreram oito Estados brasileiros para registrar os impactos do monocultivo canavieiro. Relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis – Cana 2008" denuncia conflitos trabalhistas, ambientais, sociais e fundiários.

Na safra em que o otimismo generalizado no setor sucroalcooleiro foi substituído pelo receio quanto ao futuro, quem "pagou o pato" foram os empregados rurais, cujas condições de trabalho e de remuneração, já distantes do ideal, precarizaram-se ainda mais. Essa é uma das avaliações apresentadas pelo relatório "O Brasil dos Agrocombustíveis – Cana 2008 – Impactos das lavouras sobre a terra, o meio e a sociedade", do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da ONG Repórter Brasil.

Para fazer o estudo, pesquisadores do CMA percorreram oito Estados: Acre, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo. Em todas as regiões, identificaram in loco os impactos causados pela expansão canavieira, além de entrevistar trabalhadores, empresários, administradores públicos, pesquisadores e moradores. A área de cana no país aumentou 14,2% em 2008, para 7,01 milhões de hectares.

Do ponto de vista do trabalho, os empregados em atividades canavieiras, em especial os cortadores, viveram um ano difícil. Ao passo que a cesta básica no Estado de São Paulo subiu 16,1% em 2008, usinas reajustaram salários em torno de 7%, de acordo com a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp). A perda do poder de compra levou muitos trabalhadores a promoverem greves, que se generalizaram na porta das usinas da região de Ribeirão Preto (SP), um dos maiores pólos canavieiros do país, ao longo do segundo semestre de 2008.

A piora das condições de renda agravou ainda mais o quadro de superexploração do trabalho existente no setor sucroalcooleiro, cuja face mais visível é o aumento de produtividade registrada pelo trabalhador do corte da cana. Desde 2000, a produtividade do cortador cresceu 11,9% no Estado de São Paulo, enquanto o preço da tonelada paga a ele aumentou menos, 9,8%, no mesmo período.

Em 2008, o setor sucroalcooleiro também continuou liderando o ranking do número de libertados do trabalho escravo no Brasil: foram 2.553 (49%) libertados entre o total de 5.244 trabalhadores, ante 1.026 (20%) libertados na pecuária e 720 (14%) em outras lavouras, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A última atualização da "lista suja" de empregadores flagrados com trabalho escravo, divulgada em dezembro pelo Ministério do Trabalho e Emprego, traz o nome de menos sete fazendas de cana ou companhias sucroalcooleiras, localizadas nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Ceará.

Do ponto de vista ambiental, o relatório aponta impactos diretos e indiretos causados pela expansão canavieira. Entre 2007 e 2008, a área de cana destinada ao setor sucroalcooleiro avançou, trazendo ameaças para áreas de Cerrado, de Mata Atlântica, da Amazônia e até da Caatinga. Estudos do Ministério do Meio Ambiente e de diversos centros de pesquisa denunciam os riscos trazidos pela cana à biodiversidade, aos recursos hídricos e à qualidade do ar em diversos Estados brasileiros, o que minimiza as vantagens trazidas pela queima do etanol em relação à gasolina em veículos automotores.

Em 2008, o setor sucroalcooleiro foi o campeão de multas mais elevadas – acima de R$ 15 mil – em São Paulo, motivadas por emissão de poluentes em desacordo com a legislação. No Mato Grosso do Sul, o Pantanal se vê ameaçado nos últimos anos pela expansão dos canaviais, que também afeta diretamente os povos indígenas encurralados da região.

A pesquisa também registra casos de exploração de trabalhadores no Nordeste. Em Alagoas, uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho (MPT) esteve em 15 grandes usinas do Estado e constatou irregularidades que atingiram mais de 20 mil trabalhadores em 14 delas. Local de históricos conflitos entre usineiros e movimentos sociais, Pernambuco também foi cenário de crimes ambientais cometidos por usinas de açúcar e álcool.

Em grande parte responsável pela dizimação da Mata Atlântica nordestina, a cana ganhou fôlego com incentivos estaduais e novos empreendimentos. As usinas, porém, raramente cumprem a legislação ambiental de áreas de proteção permanente e reservas legais. Ao longo do ano, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multou todas as 24 usinas em Pernambuco com base nesses crimes.

Áreas da Amazônia também foram visitadas para a confecção do relatório. O zoneamento ecológico e econômico da cana, prometido pelo governo federal como forma de evitar o avanço da monocultura em substituição às florestas, não foi concluído em 2008. A despeito de ainda não representar uma cultura muito difundida na região, o caso da Fazenda e Usina Pagrisa deixou um legado simbólico. Em junho de 2007, mais de mil pessoas foram encontradas em condições análogas à escravidão na propriedade em Ulianópolis (PA), na maior libertação de trabalhadores já realizada pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

O relatório do CMA sobre os impactos da cana-de-açúcar no Brasil é mais um da série "O Brasil dos Agrocombustíveis", que já possui análises sobre soja, mamona, dendê, algodão, milho e pinhão-manso. Ao longo de 2009, novos relatórios de impacto serão produzidos sobre essas culturas, com o objetivo de avaliar a evolução das práticas trabalhistas e ambientais nas lavouras de culturas utilizadas para a produção de agrocombustíveis no Brasil.

Acerca de CMA

A íntegra do relatório está disponível no link

Contato com a imprensa
Marcel Gomes (coordenador da pesquisa)
Fones: (11) 2506 6570 (ramal 2) e (11) 8127 2235

Outros relatórios do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis

Fuente: MMC Brasil

Temas: Agrocombustibles

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