“Nós somos a maior lixeira química do mundo”, diz engenheira química sobre agrotóxicos
A afirmação é da professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Sonia Corina Hess, durante o III Seminário Internacional de Fortalecimento da Agroecologia.
“O Brasil vive uma epidemia de câncer, e os agrotóxicos estão entre as principais causas”. É o que afirma a pesquisadora Sonia Corina Hess, engenheira química e professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela foi uma das palestrantes no III Seminário Internacional de Fortalecimento da Agroecologia, que ocorreu no campus Rebouças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, entre os dias 07 a 10 de dezembro.
“Nós passamos muito sofrimento com a epidemia do Covid, mas a gente tem mais mortos pela epidemia do câncer. Mais de 692 mil mortos em 3 anos”. Segundo a pesquisadora, um dos motivos principais é a contaminação ambiental por conta dos agrotóxicos e de vários outros venenos presentes na água, no ar e nos alimentos.
Quase 40% dos venenos comercializados no Brasil já foram proibidos na União Europeia há muito tempo. “Nós somos a maior lixeira química do mundo. Tudo que é lixo que os outros não querem, mandam pra nós. Nós temos que buscar cidadania, e buscar nos defender desse problema”.
A nutricionista Andrea Bruginski, gestora do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no Paraná e que também palestrou durante o seminário, alertou sobre graves problemas provocados pelos agrotóxicos à saúde das crianças.
As maiores preocupações com relação à saúde e o uso de agrotóxicos é de que existe uma série de estudos comprovando o aumento do espectro autista, a falta de concentração, o câncer, doenças endócrinas e infertilidades. Uma série de problemas de saúde que muitas vezes não vão aparecer agora nessa fase de criança e adolescente, mas mais tarde”, afirma a nutricionista.
Senado aprova auto-fiscalização do uso de agronegócio
Nesta última segunda-feira (19), o relatório favorável ao PL do Veneno (PL 1459/22) foi aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. O PL tramita desde 2002 e busca flexibilizar ainda mais a aprovação e comercialização de agrotóxicos comprovadamente cancerígenos, além dos mais de 2 mil já liberados durante o governo Bolsonaro.
Além disso, troca o termo “agrotóxico” por “pesticida”, possibilita licenças temporárias quando não cumpridos prazos pelos órgãos competentes e suaviza a classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
A votação final pelo plenário do Senado acabou sendo adiada para o próximo ano, graças à mobilização de organizações populares e socioambientais.
Porém, aproveitando que as atenções estavam voltadas ao PL do Veneno, o Projeto de Lei 293/21, também de interesse dos ruralistas, foi aprovado na terça-feira (20). Ele permite a auto-fiscalização do agronegócio sobre o cumprimento de normas sanitárias, passando a responsabilidade de fiscalização do Estado para empresários do setor.
Tal medida, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT) é inconstitucional, já que delega poderes de polícia administrativa à iniciativa privada, violando assim a regra constitucional do concurso público.
Em nota técnica, divulgada na terça-feira, o MPT ressalta que “a delegação a particulares do poder de polícia administrativa pode desbordar para indesejável conflito de interesses entre o público, de resguardar o interesse geral da sociedade, e o privado, na eliminação de embaraços e custos na busca pelo aumento de resultados financeiros imediatos”.
Especialistas, parlamentares e produtores unidos pela agroecologia
O III Seminário Internacional de Fortalecimento da Agroecologia demarcou um debate aprofundado e diversificado, com o objetivo central de atualizar a situação do uso dos agrotóxicos e as consequências para a saúde humana e ambiental. A iniciativa dos Fóruns de Combate ao Uso dos Agrotóxicos no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, reuniu centenas de pessoas, entre pesquisadores, parlamentares e produtores agroecológicos.
O evento contou com apresentações de pesquisas e trabalhos acadêmicos, palestras, feira de produtos agroecológicos, espaço para troca de sementes crioulas, lançamento de documentário e livros, atividades culturais, além da participação de estudantes, pesquisadoras/pesquisadores, agricultoras/agricultores e representantes de movimentos sociais e de entidades públicas e privadas.
A abertura do evento se deu com a Conferência “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, com a pesquisadora Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP), seguida da Conferência “As consequências do Projeto do Agronegócio para a população – o desafio de produzir alimentos saudáveis e cuidar da natureza”, com João Pedro Stédile, da direção nacional do MST.
A atividade contou também com a participação de dezenas de militantes do MST, produtores agroecológicos e que compartilharam experiências, vivências e análises sobre a agroecologia dentro da Reforma Agrária Popular.
Ceres Hadich, integrante da Direção Estadual do MST Paraná, contou sobre o panorama das agroindústrias e produção agroecológica do movimento, destacando a caminhada de consolidação da agroecologia dentro do MST que acontece há mais de 20 anos.
A assentada Gabriela Severo de Souza compartilhou as experiências das famílias do Assentamento Filhos de Sepé em Viamão (RS), produtor de arroz agroecológico, que em 2020 teve que se defender da pulverização aérea de agrotóxicos desenfreada e incentivada pelo agronegócio na região. “A luta contra as imposições do agronegócio só é possível com a união do campo, da cidade e da sociedade como um todo”, ressalta Gabriela.
Já o professor Alfio Brandeburg, docente e pesquisador da UFPR, trouxe para o Seminário as experiências das 19 Jornadas de Agroecologia e destacou sua importância para a construção coletiva de um projeto de agroecologia, um projeto de vida.
Roberto Baggio, também integrante da direção do MST no Paraná, esteve presente na mesa de abertura do evento e convidou a todos os presentes a refletir e debater sobre o futuro e as novas tecnologias na agroecologia, o melhor caminho para ser produzir alimento de uma maneira que respeita todos os meios, desde quem trabalha na terra até quem consome na cidade.
Roberta Coimbra, assentada em Piratini, RS, trouxe a experiência da maior produção de arroz agroecológico da América Latina e reforçou a importância do debate sobre as políticas públicas que garantam o cultivo e acesso ao alimento saudável.
O encerramento do Seminário aconteceu com uma visita à vivência agroecológica do Assentamento José Lutzenberger, em Antonina, durante a 3ª Festa da Reforma Agrária Popular.