‘Não podemos esquecer do direito humano ao trabalho dos pequenos agricultores’, afirma Marina Dermmam
Relatório Missão Justiça Climática - Eldorado do Sul e Nova Santa Rita aponta necessidade de políticas efetivas
Por Fabiana Reinholz
Do Brasil de Fato
Em 2023 o Rio Grande do Sul foi atingido por eventos climáticos extremos, ocasionado por ciclones extratropicais e chuvas intensas. Um destes episódios aconteceu em novembro do ano passado, que afetaram direta ou indiretamente 700 mil pessoas e diversas comunidades. Entre elas, assentamentos da Reforma Agrária de Eldorado do Sul e Nova Santa Rita, que no dia 17 de dezembro receberam a visita de uma missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CDNH).
Na ocasião dos fortes temporais, os municípios visitados foram declarados em situação de emergência. Conforme explica a presidenta do Conselho, Marina Dermmam, essas visitas nas cooperativas de produção agroecológicas estão inseridas no projeto do CNDH de realizar missões sobre justiça climática, com intuito de elaborar um diagnóstico nacional sobre os impactos das emergências climáticas na realização de direitos humanos.
“A missão realizada no Rio Grande do Sul teve como foco os impactos na garantia do direito à alimentação adequada. Por conta dos eventos climáticos extremos naquela região, houve uma perda significativa na produção do arroz orgânico e das hortas que abastecem as feiras na região metropolitana. Estamos falando não apenas de um impacto econômico aos produtores, mas também de abalo psicológico dos agricultores que veem seu trabalho destruído com as enxurradas. Além disso, há um evidente impacto na alimentação da população com o desabastecimento e encarecimento de produtos da cesta básica”, afirma Marina.
O relatório da Missão Justiça Climática – Eldorado do Sul e Nova Santa Rita, divulgado pelo CNDH, pontua que o Painel Intergovernamental do Clima (IPCC), em seus relatórios de expressão global reconhece o efeito das alterações climáticas sobre a produção de alimentos, do mesmo modo, a FAO-ONU aponta o impacto destas na produção de alimentos.
“O sistema alimentar majoritário, que se beneficia com o maior percentagem dos subsídios públicos, contribui com aproximadamente 1/3 dos gases de efeito estufa, em grande parte responsáveis pelas alterações climáticas. O incentivo à produção de alimentos de base agroecológica é também urgente como medida a ser adotada para o manejo e enfrentamento das alterações climáticas”, descreve.
Assentados perderam lavouras de arroz, hortas e animais
Na ocasião da visita da missão o coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, Celso Alves da Silva, falou sobre a situação no assentamento Integração Gaúcha de Eldorado do Sul, um dos assentamentos mais atingidos pelas enchentes.
De acordo com ele a enchente de novembro atingiu um patamar que até então não tinha sido registrado no município, assim como no assentamento, que tem mais de 34 anos.
Segundo Celso, a enchente chegou nas casas, chegou nas criações, pegou a produção. “Estão aqui o Marildo Mulinari, o Otavino e a Miriam, assentados aqui junto com mais 69 famílias, e a gente está diante de uma lavoura, essa é uma das lavouras que têm o arroz agroecológico, mas não pegou só as lavouras de arroz, pegou também as produções de hortaliças, as criações… Pegou de cheio a subsistência das famílias”, contou.
De acordo com o relatório, através do caso da produção de arroz agroecológico e hortaliças dos assentados do MST, constata-se que o Direito Humano à Alimentação Adequada é impactado pelas mudanças climáticas. “Faz isso ao inviabilizar a produção de alimentos de qualidade, diversos e ambientalmente sustentáveis. Por isso, comprova-se a necessidade de políticas públicas, de diferentes esferas da organização pública, que apoiem a produção familiar e agroecológica de alimentos, similares ao caso exibido.”
“O clima deve ser considerado um direito humano”
Para a presidenta do CNDH, o clima deve ser considerado um direito humano. Conforme observa o que a humanidade tem enfrentado é resultado do uso insustentável dos recursos da natureza, ou seja, são as ações humanas que estão provocando alterações no nosso clima. “Conforme a ONU, todas as pessoas, de todos os lugares do mundo, tem direito de comer, respirar e beber sem envenenar os seus corpos e as mudanças climáticas interferem na garantia desses direitos”, expõe.
Marina acrescenta que para além da garantia de uma alimentação adequada, que foi diretamente impactada pelos fenômenos climáticos extremos nos assentamentos visitados pela equipe da missão do CNDH, não se pode esquecer do direito humano ao trabalho dos pequenos agricultores, que tiveram perdas financeiras significativas, incluindo de seus maquinários, o que inviabiliza futuros plantios.
“A sociedade precisa ter consciência que precisamos enfrentar urgentemente esse cenário. A comunidade científica tem nos alertado que estamos próximos do ponto de não retorno. O Poder Público deve se focar na elaboração de políticas efetivas e urgentes, o que passa pela destinação de maiores recursos do que estão sendo destinados para esses eventos atualmente”, conclui.
O relatório pode ser conferido neste link.
Edição: Katia Marko/ BdF