Mulheres indígenas, raiz e tronco da luta pelo território
Aconteceu em Brasília seu 1º Encontro Nacional, que juntou forças à Marcha das Margaridas. Elas lutam por direitos e enfrentam machismo e ataques bolsonaristas. Das margens do país, desejam ocupar o centro do debate político.
A reportagem é de Inês Castilho, publicada por OutrasPalavras, 14-08-2019.
Vem das mulheres das florestas e das matas um outro imaginário político para o país. Outras imagens, outras prosas se fazem ouvir no centro do poder, vindo ampliar os feminismos brasileiros.
Com o lema Territórios: Nosso Corpo e Nosso Espírito, cerca de 2000 mulheres indígenas, de 21 estados e mais de 100 etnias, viajaram desde as quatro direções do país para reunir-se, em Brasília, no 1º Encontro Nacional e 1ª Marcha das Mulheres Indígenas. Lá, uniram suas vozes às de quase 100 mil mulheres vindas dos campos e quilombos na 6a Marcha das Margaridas.
Esta é a sexta vez que as “margaridas” marcham – a primeira ao lado das indígenas. Assim como as herdeiras de Marielle, elas nasceram das sementes espalhadas em 12 de agosto de 1983 pelo corpo de Margarida Maria Alves, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB), assassinada a mando de latifundiários.
“O motivo de marchar juntas é porque a gente sabe que o inimigo é o mesmo; a luta precisa ser conjunta porque, caso contrário, vamos ser soterradas por esse inimigo, que é muito bem orquestrado. Tanto que hoje, quando a gente pensa… O mesmo fazendeiro que mata os povos indígenas em Minas Gerais é o mesmo dono de fazenda no Mato Grosso do Sul. A gente percebe as artimanhas do poder e que a gente precisa estar mais conectadas do que nunca; porque eles podem ter o poder da caneta, mas não sabem fazer uma luta nas ruas e nem em retomadas de terra como nós sabemos”, diz Célia Xakriabá, primeira indígena a cursar um doutorado na UFMG e uma das organizadoras da Marcha.
“Em tempo de doença, seremos revolução”
Vivem no Brasil cerca de 445 mil mulheres indígenas, de 305 etnias, segundo dados do IBGE de 2010.
Contudo, a sociedade “desconhece a nossa presença”, observa Célia Xakriabá. “A nossa identidade, essa nossa conexão com a ancestralidade, e essa nossa capacidade de multiplicar a nossa presença é o que nos faz diferentes. Duas mil mulheres indígenas parecem poucas para uma marcha, de forma geral, dentro do movimento. Mas não somos apenas duas mil. Somos mais de 10 mil. Porque nós nos multiplicamos com as nossas forças ancestrais ― dizer isso é afirmar que a minha luta fortalece a da outra e de todas que virão.”
A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas demanda direito ao território, a políticas governamentais, saúde reprodutiva, educação, segurança e sustentabilidade ― além de tratar da violência de gênero, machismo e homofobia. A guerreira Brasilice Tembé, de 78 anos, viajou 24 horas com uma comitiva do Maranhão. Quer o combate ao desmatamento e à mineração ilegal.
Na manhã de segunda, 12, um grupo ocupou o prédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em defesa do sistema de saúde indígena e contra a proposta de municipalização da saúde. Em manifesto divulgado após a ocupação, elas afirmam seu repúdio “aos propósitos do Governo Bolsonaro de desmontar todas as instituições e políticas sociais que nos dizem respeito, e neste momento, especialmente, a Política Nacional de Atendimento à Saúde Indígena”.
“Repudiamos as tentativas de mercantilização dos nossos conhecimentos e saberes tradicionais. Somos contra toda e qualquer ameaça e negociação de todas as formas de vida.”
De mulher para mulher
À tarde, acompanhada pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF), uma comissão alertou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia para a urgência da demarcação e proteção das terras indígenas, garantidas pela Constituição Federal, e posicionaram-se contra o Marco Temporal, interpretação jurídica que será julgada pela corte e ameaça todas as demarcações de terras feitas antes da constituição de 1988.
Na terça, 13, participaram no plenário do Congresso Nacional da Sessão Solene de abertura da Marcha das Margaridas.
“Desde que Bolsonaro disse que não haveria mais nenhum centímetro de terra demarcada para os povos indígenas nós saímos em marcha porque, com essa afirmação, ele declarou guerra não só com os povos indígenas mas com as mulheres indígenas”, sustentou Sonia Guajajara, coordenadora da Associação dos Povos Indígenas (Apib), organizadora do evento.
As denúncias de invasão de territórios indígenas têm sido recorrentes desde o início de 2019. Só em janeiro, pelo menos seis territórios sofreram invasões e ameaças de invasões de madeireiros no Maranhão, Mato Grosso, Pará e Rondônia. Em julho, os Waiãpi acusaram a invasão de suas Terras Indígenas no oeste do Amapá e o assassinato do cacique Emyra Waiãpi por garimpeiros. Os Yanomami denunciam ameaças de morte e invasão de 20 mil garimpeiros em seu território.
“Continuaremos na luta sem medo, pois a força dos nossos ancestrais está conosco, é por eles e pelas futuras gerações que continuamos na linha de frente, na defesa dos nossos direitos”, afirmou Sônia Guajajara durante a marcha.
“Nós, mulheres indígenas, somos jardim, somos raiz, somos tronco dessa luta”, disse Cris Pankararu na sessão solene.
“Nossa expectativa é de que as mulheres busquem muito mais do que uma única resposta: valorizem suas narrativas, suas histórias, suas memórias, para que isso sirva de alimento”, diz Célia.
A mãe de todas as lutas
Muito tempo e trabalho foram empenhados pelas mulheres indígenas à sua organização, marcada pelos anos de luta das Munduruku contra a construção de hidrelétricas do Tapajós.
Em plenária no 15o Acampamento Terra Livre dos Povos Indígenas, a 25 de abril em Brasília, elas deliberaram que a pauta prioritária é em defesa da “mãe de todas as lutas”, o Território: nosso corpo, nosso espírito.
Escreve então Djuena Tikuna:
“O movimento indígena, com a sabedoria de suas lideranças e de seu povo guerreiro, segue suas mobilizações em Brasília. Calando o urro desse governo, mostramos nossa força, o canto dos encantados”
Mulheres indígenas de todo o país começaram a partir daí a mobilizar-se e a captar recursos, numa Vakinha com que é possível colaborar até o dia 20 de agosto.
Das margens do país, elas desejam ocupar também o centro da cena e do debate político.
“São os valores indígenas, como a escuta e a diplomacia, que conduzem meu trabalho como parlamentar”, diz Joêmia Wapichana, 1a indígena a se formar advogada e 1a deputada federal indígena eleita no país (Rede-RO), em 2018 – por duas vezes barrada na entrada do Congresso Nacional.
A abertura das manifestações das mulheres indígenas foi na sexta-feira, dia 9, quando elas deixaram suas aldeias e partiram para a capital, e continuam até hoje, 14.
Fuente: Instituto Humanitas Unisinos