Mulheres Guarani Kaiowá gritam ao mundo: o agronegócio é corresponsável pela tragédia humanitária que vive nosso povo
“O Governo Bolsonaro, servo as empresas do agronegócio, nos condenou a morte”, denunciou Janete Guarani Kaiowá durante a 41ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das ONU.
A informação é publicada por Cimi, 28-06-2019.
“Como mãe, não posso ver meu filho com fome e do outro lado a cerca com soja e carne, dinheiro produzido com nosso sangue e que vai para o mundo inteiro”. O grito de Janete Guarani Kaiowá é formado pela voz de muitas. Com sua Mitã’i Elizandra nos braços, Janete denunciou na manhã de ontem (27), na ONU, em Genebra, Suíça, o extermínio do seu povo. São gritos que ressonam há séculos. Contudo, se intensificam sob um governo que legitimou a violência contra os povos indígenas. “O Governo Bolsonaro, servo as empresas do agronegócio, nos condenou a morte”.
O pronunciamento da indígena ocorreu durante a 41ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU). Em carta lida durante evento que debate direitos humanos de mulheres e a atuação de empresas, Janete Alegre, representante da Aty Guasu Kaiowá e Guarani, chamou a atenção para a situação dramática vivida pelo povo localizado no Mato Grosso do Sul.
“Enquanto as empresas produzem açúcar, soja e carne em nossas terras, meu povo sofre mais da metade dos assassinatos indígenas ocorridos no Brasil nos últimos 15 anos. São 500 mortes”.
O Mato Grosso do Sul (MS) é a unidade federativa onde as violências contra os povos indígenas são práticas permanentes. No estado, constam 74 terras tradicionais sem nenhuma providência para demarcação. O confinamento populacional em reservas constitui-se como eixo central das mobilizações criminosas do latifúndio e do agronegócio contra os povos indígenas no estado, aponta o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Como consequência, no MS, em 2017, ocorreram 17 mortes de indígenas resultados de agressões, em dados “preliminares” da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
“As reservas concentram 80% da população Kaiowá, possuem 100 anos e dezenas de grupo macrofamiliares que foram deslocados forçadamente para elas ao longo das últimas décadas”, destaca o Cimi Regional Mato Grosso do Sul. “Isto as fazem possuir índice de violência comparáveis a campos de refugiados”.
Com aproximadamente 13 mil habitantes, a Reserva Indígena de Dourados tem a maior concentração de população indígena do país. Para o Ministério Público Federal do MS, “a população é tratada com “indiferença hostil”, fundada, na maioria das vezes, em motivos discriminatórios. Tal descaso estatal reflete nos índices de violência”. Confinados, somente em junho de 2019 registrou-se 6 assassinatos de indígenas. A média na primeira quinzena do mês é de um homicídio a cada dois dias e meio. Em Mato Grosso do Sul, a taxa média homicídios por 100 mil habitantes foi de 26,1. Entre os indígenas de MS este número sobe para 55,9. Já os indígenas da Reserva de Dourados o número de homicídios sobe para 101,18 por cem mil habitantes.
Agronegócio e governo Bolsonaro
As recentes disputas para decidir quem delibera sobre a demarcação de terras indígenas evidencia o que Janete comunica a ONU: o principal alvo da ofensiva dos ruralistas são os direitos territoriais dos indígenas. De um lado soja e gado; do outro a fome que se reverte em política genocida. As Medidas Provisórias, a 870/19 e a 886/19 são manobras que desejam retirar a competência relativa às demarcações de terras indígenas do Ministério da Justiça e a transferir para o Ministério da Agricultura, historicamente contrários aos direitos dos povos originários.
Na última terça-feira (25), o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, apontou, também durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que “nenhuma terra indígena foi demarcada em 2019 e o presidente Bolsonaro tem declarado insistentemente que não assinará qualquer demarcação de terra indígena em seu governo”.
Diante o deslocamento forçado de seus territórios e a paralisação nas demarcações, os Guarani Kaiowá marcam resistência. “Não irão demarcar nosso território? Então seremos nós quem vamos fazer, com nossas mãos, mulheres, anciãs, todas, com o sangue do nosso povo”, assumiu Janete diante à comunidade internacional. “Estejam com nós, olhem por nós, porque não aguentamos mais”, suplicou a indígena.
Leia a carta na íntegra:
HUMAN RIGHTS COUNCIL
41st regular session of the Human Rights Council
24 June – 12 July 2019
Item 3: Clustered interactive dialogue with the Working Group
on discrimination against women and the Working Group on business and human rights
Intervención Oral: Janete F. Alegre
Aty Guasu Kaiowá.y Guarani
Mba’e chapa!
Señor Presidente,
Soy Janete, miembro de la Aty Guasu Guarani y Kaiowá y de la Kuñangue asamblea de las mujeres y vengo de Mato Grosso do Sul, Brasil.
Nosotras mujeres indígenas y nuestros hijos son los que más sufren, cuando nuestros derechos son violados por empresas. El agronegocio es corresponsable de la tragedia humanitaria que vive mi pueblo en Mato Grosso do Sul.
Mientras que las empresas producen azúcar, soja y carne en nuestras tierras, mi pueblo sofrió más de la mitad de los asesinatos de indígenas en Brasil en los últimos 15 años. ¡Son 500 muertes!
Por eso, afirmo delante de ustedes que las decisiones del Gobierno Bolsonaro, sirviente de las empresas del agronegocio, nos condenó a la muerte.
Nosotras sabemos nuestro papel en la resistencia de nuestro pueblo, generamos vida y decisión. Y decidimos que es ahora, no vamos esperar demarcar nuestras tierras.
Como madre, no puedo ver a mis hijos teniendo hambre y al otro lado de la cerca hay soja y carne, dinero producido con nuestra sangre y yendo a todo el mundo.
¿No va a demarcar nuestro territorio? Entonces somos nosotras quien vamos hacerlo, con nuestras propias manos, mujeres, ancianas, todos, con la sangre de nuestros pueblos.
Por fin, esperamos una decisión favorable de la Suprema Corte brasileña ante juicio contra nuestro territorio Guyraroka.
¡Estén con nosotros, miren por nosotros, porque no aguantamos más!
¡Marco temporal no!
Muchas gracias
Geneva
Junio 27, 2019.
Fuente: Instituto Unisinos Humanitas