Ministério Público, ambientalistas e produtores rurais são contra relatório da MP 867
Procuradores e promotores, ambientalistas e até as organizações dos produtores rurais são contra os "contrabandos legislativos" do relatório do deputado ruralista Sérgio Souza (MDB-PR) da Medida Provisória 867/2018, que altera pontos do novo Código Florestal (Lei 12651/2012).
Representantes dos três setores participaram de uma audiência pública, na manhã dessa terça-feira (21), na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, e foram unânimes na rejeição às mudanças propostas por Souza sem relação direta com o tema original da MP: o prazo para ingresso nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs).
O texto de Souza pode ser votado a qualquer momento, no plenário da Câmara. Ele tem de ser apreciado até o dia 3/6 ou a medida perderá validade. Até o fechamento desta reportagem, a informação que circulava na Câmara é de que o governo tentaria votar, hoje, as MPs 863 e 866, que tratam de mudanças no mercado de companhias aéreas, e amanhã a MP 870, da reforma ministerial.
O texto original da MP 867, enviado ao Congresso pelo governo de Michel Temer, apenas ampliava o prazo para ingresso nos PRAs até dezembro deste ano. Souza, no entanto, acatou 30 emendas sem relação direta com o assunto: os chamados “contrabandos legislativos” ou “jabutis”. O Supremo Tribunal Federal (STF) já vedou a manobra.
Entre as propostas acolhidas pelo relator, está a anistia para quem desmatou a Reserva Legal (RL) do imóvel rural até 1989, no Cerrado, e até o ano 2000, na Caatinga, Pampa e Pantanal. Segundo cálculos do Observatório do Código Florestal (OCF), a anistia pode chegar até a 5 milhões de campos de futebol de matas nativas que foram destruídas ilegalmente e que, se aprovado o parecer, não precisariam mais ser reflorestadas.
Souza também propõe acabar com o prazo para o ingresso nos PRAs. Esses programas foram criados pela Lei 12.651/2012 e preveem um conjunto de ações que todo produtor rural deve realizar para regularizar ambientalmente sua propriedade, como a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente. Os programas devem ser regulados e administrados pelos Estados.
Na audiência, também foi consenso, pelo menos entre sociedade civil e Ministério Público, que uma nova alteração na Lei 12.651 irá sinalizar para os produtores rurais que vale a pena apostar no descumprimento da lei e em novas anistias a desmatamentos ilegais, o que deverá produzir mais destruição da floresta e dos outros biomas no país. A aprovação do novo Código Florestal, em 2012, é considerada por pesquisadores um dos fatores responsáveis pela retomada do ritmo do desflorestamento na Amazônia.
Na audiência, o assessor de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus, defendeu a extensão de prazo para o ingresso no PRA, em especial dos agricultores familiares e pequenos agricultores, mas posicionou-se contra os “contrabandos legislativos” incluídos no parecer. “Aquelas questões que estão fora do âmbito do PRA, atendendo outros assuntos relacionados ao Código, têm de ser tratados nos seus projetos específicos. Há 20 projetos [sobre o assunto] tramitando e por que não fazer emendas nesses projetos?”, questionou.
Justus disse que a lei atual pode ser aprimorada, mas defendeu sua implementação imediata e concordou com a tese de que os “jabutis” poderão implicar novas ações judiciais contra a legislação, o que poderá prejudicar os agricultores. “Isso poderá macular posteriormente a discussão de constitucionalidade de alguns dispositivos e isso trazer prejuízos”, concluiu.
A manifestação da CNA faz coro àquelas de outras organizações e articulações do setor agropecuário e de silvicultura nas últimas semanas, como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e a Coalização Brasil, Clima e Florestas.
“As alterações do Código Florestal sinalizam que a lei pode ser sempre modificada para conceder novos benefícios àqueles que descumpriram as regras de proteção ambiental. Isso vai provocar novas contestações judiciais e postergará a implementação da lei”, reforçou o advogado do ISA Maurício Guetta, na audiência. Ele classificou os “jabutis” do parecer de Souza como uma “excrescência jurídica” e lembrou que um dos fatores que levou o STF a ratificar, em 2018, a quase totalidade da lei atual foram os debates públicos sobre o assunto, o que o rito de tramitação de uma MP – no máximo 120 dias – não permite.
“Se a cada dia acordarmos e nos depararmos com a manchete de que se pretende alterar a legislação ambiental, retroceder na proteção ambiental, o resultado será o enfraquecimento da adesão à implementação [da lei]. É o inverso do que todos aqui pretendem”, salientou Cristina Godoy, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
Também participaram da audiência representantes do Greenpeace, OAB e Instituto Pensar Agro.
Tramitação de MPs em clima de guerra
A tramitação da MP 867 está ameaçada, junto com outras 10 MPs cujos prazos vencem nas próximas semanas, em função do clima de guerra entre o Congresso e o governo de Jair Bolsonaro. Na semana passada, os líderes partidários na Câmara não conseguiram chegar a um consenso sobre a pauta de votações e nenhuma medida foi votada. O governo corre contra o relógio, mas a tensão entre parlamento e Planalto aumentou depois que Bolsonaro circulou pessoalmente um texto que sugere que o país seria “ingovernável” e que seria necessária uma “ruptura institucional”. Como se não bastasse, o presidente está reforçando o convite para as manifestações de rua, no próximo dia 26.
“Está muito difícil dessa medida provisória ser votada a tempo, em função de tudo o que vocês estão acompanhando aqui na casa. E da forma como foi aprovado o relatório talvez o melhor para o Brasil e para o setor produtivo seja que ele não seja votado”, defendeu o deputado Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista. “As organizações que representam o setor produtivo podem ter de assumir a responsabilidade, diante do setor produtivo, dessa MP não ser votada. Não poderão imputar aos ambientalistas o fato da MP não ter sido votada ou de não poderem ampliar os prazos [do PRA]. Fica patente que tem patrocinou as alterações na MP terão de assumir a responsabilidade dela não ser aprovada”, defendeu Tatto.
O que é a Reserva Legal (RL)?
É a área do imóvel rural que tem de ser preservada para assegurar o uso econômico sustentável, conservar os processos ecológicos, a fauna e flora nativas. Varia de 20% a 80% do imóvel, dependendo do bioma. Na Mata Atlântica, Pampa, Pantanal, Cerrado e nos "campos gerais" na Amazônia Legal: 20%; Cerrado na Amazônia Legal: 35%; floresta na Amazônia Legal: 80%.
Fuente: Instituto Humanitas Unisinos