Milho tolerante ao herbicida 2,4-D a caminho da aprovação nos EUA
O 2,4-D é um antigo e potente herbicida (mata-mato), famoso por ter feito parte da composição do Agente Laranja, usado pelo exército norte-americano para desfolhar florestas na Guerra do Vietnã e responsável pelo nascimento de bebês com sérias malformações, bem como pelo desenvolvimento de câncer e outras doenças em milhares de civis vietnamitas e veteranos de guerra americanos.
E o “Enlist”, um novo milho transgênico desenvolvido pela Dow Chemical e tolerante à aplicação do veneno, já alcançou a fase final do processo de aprovação pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês).
O produto é anunciado como a solução para as “super ervas daninhas”, espécies de mato que não mais se curvam ao glifosato no sistema Roundup Ready. Para quem não se lembra, as sementes transgênicas RR, que representam a maior parte dos transgênicos plantados no mundo*, são tolerantes à aplicação do herbicida Roundup (a base de glifosato): o herbicida é pulverizado diretamente sobre as lavouras, eliminando todas as espécies de mato e deixando intactas apenas as plantas transgênicas.
Desde sempre os críticos a essa tecnologia alertaram que em muito pouco tempo as plantas espontâneas desenvolveriam resistência ao veneno – é o que acontece sempre que um mesmo produto é usado na mesma área, safra após safra. Com efeito, o problema das super invasoras já é notório nos EUA (e cada vez mais também no Brasil). Num primeiro momento, os agricultores tentam compensar a perda de eficácia do herbicida aumentando o número de aplicações e as dosagens. Logo depois , passam a utilizar os coquetéis de venenos para complementar o controle do mato, recorrendo a produtos mais antigos e mais tóxicos. O 2,4-D é um deles.
Recapitulando, então: visando diminuir o uso de agrotóxicos na agricultura (sic), desenvolvem-se plantas transgênicas tolerantes à aplicação de herbicida. Em pouco tempo, aumenta-se drasticamente o uso desse herbicida, que logo não surte mais o efeito esperado. Começa-se então a combinar esse veneno com outros mais potentes. Enfim, para solucionar de vez o problema, desenvolvem-se novas plantas transgênicas tolerantes aos venenos mais potentes. O que acontecerá depois? As plantas invasoras desenvolverão, obviamente, resistência aos novos – ou melhor, antigos – venenos, cujo uso naturalmente aumentará. O sistema de controle do mato precisará ser novamente turbinado e essa história não tem fim. Ou pior: poderá dar fim à própria agricultura!
É bom notar que o milho tolerante ao 2,4-D é apenas o primeiro de uma lista de similares. A Dow está também desenvolvendo algodão e soja tolerantes ao 2,4-D (a soja já está em teste no Brasil). Logo atrás, a Monsanto está desenvolvendo soja, algodão e milho tolerantes ao Dicamba, outro velho herbicida da mesma família do 2,4-D. A Syngenta e a DuPont estão também desenvolvendo lavouras tolerantes a outros herbicidas. Nos EUA, dos 20 novos transgênicos que aguardam autorização para plantio comercial, 13 foram desenvolvidos para resistir a um ou mais herbicidas.
Mas até nos EUA existe resistência. Mais de dois mil consumidores, ambientalistas e produtores de frutas e hortaliças, reunidos numa coalização chamada Save Our Crops (Salve Nossas Lavouras), estão se opondo à liberação do milho Enlist.
Uma das maiores preocupações por eles apresentada está relacionada à alta volatilidade do 2,4-D, que facilmente se dispersa pelo ar através do vento, podendo provocar danos a quilômetros de distância. O problema é tão sério que o uso do veneno é rigidamente restrito em algumas áreas e em determinadas épocas em alguns estados dos EUA. Afirmando não serem contra as inovações tecnológicas, os produtores de frutas e hortaliças preveem que a utilização maciça do herbicida em milhões de hectares de milho vá provocar grandes prejuízos.
Segundo matéria publicada pela Reuters, oficiais da Dow se dizem cientes do problema da volatilidade e dispersão do 2,4-D e alegam que desenvolveram uma nova versão do herbicida que, se utilizada “adequadamente”, reduzirá a deriva em cerca de 90%. Os oponentes, entretanto, argumentam que o novo herbicida da Dow será tão caro que muitos agricultores aplicarão genéricos mais baratos no milho tolerante ao 2,4-D. Segundo a Reuters, “a Dow reconhece isto, mas diz que trabalhará para atrair os agricultores para sua marca.”
Na hipótese de o Enlist ser mesmo autorizado, os agricultores demandam que alguma forma de fundo de indenização seja estabelecida para pagar as perdas das propriedades prejudicadas – ideia obviamente refutada pela Dow.
O USDA recebeu mais de 5 mil comentários na consulta pública sobre a aprovação do milho Enlist, e a Coalizão Save Our Crops recolheu mais de 267.500 assinaturas para uma petição solicitando que o governo dos EUA negue o pedido da Dow.
* Segundo dados divulgados por organização financiada pela própria indústria de transgênicos, as plantas tolerantes a herbicidas representam 59% dos transgênicos plantados no mundo. As plantas inseticidas somam 15%, e as 26% restantes combinam uma ou mais versões das duas características anteriores.
Com informações de: - Dow Corn, Resistant to a Weed Killer, Runs Into Opposition – The New York Times, 25/04/2012. - Analysis - Dow's new corn - "time bomb" or farmers' dream? – Reuters, 24/04/2012 (disponível em português na página do Instituto Carbono Brasil).
Fuente: AS-PTA