Inédito: FAO publica documento que reúne todas evidências contra consumo de ultraprocessados
A Agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura publicou nesta sexta-feira (2) um documento inédito que reúne todas as evidências científicas contrárias a produtos comestíveis ultraprocessados. É a primeira vez que a FAO, como é conhecida na sigla em inglês, publica um documento com foco exclusivo na teoria cunhada pelo grupo do professor Carlos Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP.
O documento, organizado pelo próprio Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, compila de maneira inédita a associação entre doenças crônicas e o consumo de biscoitos, salgadinhos e refrigerantes, bem como os problemas nutricionais desses produtos, tidos como inerentemente desbalanceados.
Essa compilação de evidências é importante pelo fato de a classificação NOVA, como é conhecida, ser alvo de constantes críticas dos fabricantes de ultraprocessados. Eles alegam que a teoria de Monteiro não encontra respaldo científico e dizem que a produção de evidências é frágil ou isolada. Colocados em conjunto pela primeira vez, porém, dezenas de artigos associam esses produtos a um risco aumentado de mortalidade e doenças cardiovasculares. Como recorda o documento, há também associações com câncer, obesidade e problemas gastrointestinais.
“Alimentos ultraprocessados, qualidade da dieta e saúde usando a classificação NOVA” foi publicado na semana em que o brasileiro José Graziano encerra um período de oito anos no comando da FAO. Historicamente preocupada com a produção agrícola, a agência fez uma transição durante a direção geral de Graziano para observar sistemas alimentares como um todo e se adaptar ao problema crescente da obesidade.
No Twitter, Graziano celebrou a publicação. “O documento mostra evidência consistente de como o consumo de alimentos ultraprocessados causa obesidade e doenças crônicas não transmissíveis. Também mostra que o consumo de ultraprocessados está no centro dos desafios do nosso sistema alimentar. Se não fizermos os alimentos frescos e saudáveis mais acessíveis, disponíveis e baratos, nossos sistemas alimentares nunca serão sustentáveis.”
A projeção da agência é de que, se nada for feito, até 2030 o mundo passará dos atuais 1,3 bilhão para 3,28 bilhões de pessoas com sobrepeso ou obesidade. Do outro lado, ainda temos 800 milhões de pessoas passando fome.
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Um dos responsáveis pelas políticas de segurança alimentar e nutricional adotadas pelo Brasil na década passada, ele passou a defender abertamente uma agenda de medidas regulatórias que sofre forte oposição de corporações como Nestlé, Danone, Coca-Cola e Unilever. Entre outras coisas, Graziano demonstrou simpatia por alertas nos rótulos para informar sobre o excesso de sal, açúcar e gorduras, como feito no Chile, e de impostos especiais sobre refrigerantes, como os adotados no México.
Agora, ao final de seu período na agência, encampa uma das teorias que mais irritam os fabricantes de produtos comestíveis. A classificação NOVA, cunhada há dez anos, defende a separação dos alimentos segundo a natureza, a extensão e o propósito do processamento.
É assim:
– alimentos in natura são alimentos frescos. Aquilo que a gente sempre comeu: frutas, verduras, legumes, grãos. Junto com eles estão alimentos minimamente processados.
– ingredientes culinários processados são aquilo que adicionamos aos alimentos in natura para preparações: sal, açúcar, óleos.
– alimentos processados são alimentos frescos submetidos a algum processo de transformação usando ingredientes culinários. Por exemplo, alimentos enlatados, conservas, carnes processadas.
– ultraprocessados são formulações feitas a partir de uma combinação de ingredientes ou de fragmentos de alimentos outrora frescos e somados a uma série de aditivos. No popular, comida-porcaria: biscoitos, salgadinhos, macarrões instantâneos, refrigerantes.
No Brasil, a diretriz oficial, que é o Guia Alimentar para a População Brasileira, recomenda limitar a ingestão de processados e evitar ultraprocessados.
Como havíamos antecipado em janeiro, esse seria um ano quente para os fabricantes de produtos comestíveis. Cresce no mundo todo a pressão para que os Estados adotem medidas que estimulem o consumo de alimentos frescos e desincentivem a ingestão de ultraprocessados.
“O sistema alimentar industrializado global está quebrado”, afirmou Carlos Monteiro, em material divulgado à imprensa. “O crescimento muito rápido na fabricação e no consumo de alimentos ultraprocessados não saudáveis ao redor mundo e o crescimento paralelo da obesidade e do diabetes, ambos agora pandêmicos, ilustram isso.”
O estudo publicado pela FAO, com 48 páginas, reúne as evidências científicas que associam ultraprocessados a doenças e a uma “natureza” nutricional desbalanceada. Olhando apenas para os últimos meses, foram vários os artigos que começaram a responder às questões levantadas dez anos atrás por Monteiro.
No mais debatido deles, pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos controlaram a dieta de 20 pessoas ao longo de quatro semanas. Nas duas primeiras, com uma dieta à base de ultraprocessados, essas pessoas ganharam peso. Nas duas seguintes, sem ultraprocessados e com alimentos in natura, perderam peso.
“A conclusão é clara. Governos em todos os níveis agora precisam entrar em acordo e estabelecer medidas, incluindo políticas fiscais, que apoiem e protejam o consumo de refeições frescas preparadas”, defendeu Carlos Monteiro. “Ao mesmo tempo, medidas regulatórias devem fazer ultraprocessados, que são uma ameaça à saúde pública tão grande quanto o tabaco, menos atrativos, acessíveis e disponíveis.”
Fuente: Outras Palavras