Idec: Brasil importa frutas com agrotóxicos ilegais
Dados constam de última pesquisa do governo; pesquisadora Ana Paula Bortoletto diz que Brasil trabalha com amostras insuficientes para tamanho do problema.
Da Espanha vem a uva. Com agrotóxicos proibidos, no Brasil, para a produção dessa fruta – em todas as amostras analisadas pelo governo brasileiro. Da Itália, o kiwi: quatro entre as cinco amostras apontam utilização de agrotóxicos não permitidos. Do Uruguai, a maçã. Igualmente envenenada, com quantidade de pesticidas acima do limite tolerável. Todos os dados constam de um levantamento divulgado em junho pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que passou despercebido da imprensa.
“Os alimentos que a gente está importando para consumir no Brasil também estão contaminados, e com alimentos impróprios para a cultura”, aponta Ana Paula Bortoletto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Ela analisou os dados do Ministério da Agricultura em entrevista ao De Olho nos Ruralistas (veia aqui), um observatório sobre agronegócio no Brasil.
E não que não tenhamos problemas com os próprios alimentos. A porcentagem de frutas produzidas no Brasil com quantidade excessiva de venenos, ou com pesticidas proibidos, é altíssima. “Em todas as frutas havia problema”, diz ela. “Não existe nenhum caso onde esteja tudo certo. O problema é generalizado”.
Os piores casos foram os da pera e do pimentão. Apenas 17% das amostras de pera estavam com limite de agrotóxicos no limite correto – ou com agrotóxicos permitidos. Em outras palavras: 83% estavam ilegais. Oferecem riscos para o consumidor. Morango? Somente 42% das amostras estavam dentro das regras.
AMOSTRAS INSUFICIENTES:
E há um problema adicional: o número de amostras é muito pequeno. “Pelo tamanho do Brasil e número de produtos que temos no mercado, não podemos dizer que estamos monitorando”, analisa a pesquisadora. “Esses dados são só uma pincelada”.
Na Europa, explica ela, a análise é muito mais detalhada; o controle, muito maior. “O monitoramento da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não inclui o glifosato, que é simplesmente o agrotóxico mais utilizado no Brasil – e não é monitorado. Por quê?”
Ana Paula conta que a estrutura de laboratório no Mapa (que monitora a produção agrícola) e na Anvisa (que faz análise em relação aos pontos de venda) é insuficiente. “A gente precisaria de muito mais investimento do Estado para conseguir, de fato, segurança para o consumidor”.
Os dados do Ministério da Agricultura expõem a situação por Unidade da Federação. Comer alface no Rio, por exemplo, constitui um risco: o nível de conformidade é de apenas 25%. A cada quatro pés de alface, um deve estar ainda mais envenenado do que a lei permite. “E não tem um Estado em situação melhor”, diz a pesquisadora. De 24 amostras de pera pelo Brasil, em quatro Estados, somente três, no Rio Grande do Sul, estavam conforme a lei.
AGRONEGÓCIO, O BENEFICIADO:
Ana Paula lembra que os agrotóxicos têm vários impactos na saúde: infecção respiratória, alergia na pele, consequências no sistema digestivo, câncer. “Existe o risco. E, ao existir, deveríamos adotar o princípio da precaução, e não expor a população”.
E os problemas se sobrepõem. Como suspender o uso de um agrotóxico, por exemplo? “Infelizmente, ao ser autorizado, um agrotóxico dificilmente vai perder essa licença”, lamenta a especialista. “No Brasil a gente tem um processo de autorização muito permissivo e muito favorável ao agronegócio. Para reverter demora muito tempo, é um processo muito lento e burocrático”.
A meta do Idec é que os alimentos ofertados na rede pública sejam orgânicos. Para isso é preciso que o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAR) estejam funcionando com plena capacidade e investimento. “Se os dois programas sofrerem cortes ou alguma mudança que prejudique essa implementação a gente corre sério risco de retroagir onde a gente precisa avançar muito mais”, diz a pesquisadora.
BOMBA-RELÓGIO:
Ao ser perguntada sobre a eventual existência de uma bomba-relógio, que atingiria uma geração de pessoas com câncer e outros problemas decorrentes do uso indiscriminado de agrotóxicos, Ana Paula foi enfática: “A gente já está nessa geração e o cenário não é positivo para mudanças”.
Ela diz que as alternativas existem, mas estão focalizadas. “Se a gente não tiver uma articulação nacional e um investimento com certeza o setor do agronegócio vai ampliar sua força e a gente não vai conseguir melhorar a alimentação brasileira”.
A pesquisadora também critica a imprensa, que divulga de modo acrítico o modelo do agronegócio: “Os jornalistas precisam ter outros pontos de vista que não os do senso comum. Não depende só deles, mas da pauta que a emissora defende”.
Ela conta que, em 2014, publicou um texto no Outras Palavras – repercutido na CartaCapital, entre outros veículos – que colocava uma dúvida: se a cerveja produzida no Brasil tem cereais não maltados e tem milho, então tem transgênicos também (leia aqui). “Teve uma reação do setor. Imagine se tivesse saído na Globo”.
CERVEJA COM VENENO:
Mas se a cerveja tem transgênico, não tem agrotóxicos também? Pergunta feita por este apresentador: “A cerveja que a gente bebe está envenenada”?
Resposta: “Eu diria que grandes chances que sim. Principalmente a cerveja de maior escala, consumida no Brasil, tem ingredientes produzidos com cereais. Eles não falam qual o tipo, mas provavelmente é o milho, mais barato. E o milho transgênico tem agrotóxicos”.
Só que esses produtos não são analisados pela Anvisa ou pelo Mapa. Apenas os alimentos in natura.
Fonte: MST - Brasil