Haiti: movimentos camponeses se pronunciam sobre a conjuntura do país
O Kat Je Kontre, articulação dos movimentos camponeses que compõe a Via Campesina Haiti, se pronuncia pela primeira vez após o terremoto de 12 de janeiro de 2010.
Na ocasião de sua V Assembléia Geral, o KAT JE KONTRE analisa que ‘a situação do país, que já era precária antes de 12 de janeiro, se tornou insustentável depois do terremoto que abalou nossa nação, evidenciando a debilidade do Estado que não é capaz de reagir perante a condição em que o país se encontra’.
Os movimentos camponeses haitianos denunciam a inércia do Governo Renè Prèval e do Primeiro-Ministro Jean-Max Bellerive e temem que a ocasião da catástrofe seja utilizada como desculpa para alterações constitucionais que permitam a um pequeno grupo se perpetuar no poder, ao conceder-lhe poderes ditatoriais.
Para o KAT JE KONTRE, a reconstrução do país deve ser encarada como uma oportunidade de descentralização do poder e dos serviços públicos que se encontravam concentrados na capital Porto Príncipe.
Afirma ainda que é preciso maior participação popular nesse processo e que ‘a produção nacional, em especial a produção agrícola e a reforma agrária, deve ser uma prioridade no plano de reconstrução.’
Por fim, conclama todos os setores da sociedade haitiana ‘se engajar na luta para libertar o país da ocupação e barrar o plano de morte do governo Prevàl-Bellerive’
Confira abaixo a integra da declaração, numa tradução do kreyól feita pela Brigada Dessalines da Via Campesina Brasil.
Departamento Santral, Região Papay – 07 de Abril de 2010
Posição ‘KAT JE KONTRE’ sobre a conjuntura do país na ocasião de sua V Assembléia Geral
Nós, as quatro organizações camponesas que compomos a coordenação do KAT JE KONTRE – MPP (Mouvman Peyizan Papay), TK (Tét Kole Ti Peyizan Ayisyen), KROS (Kòdinasyon Rejyonal Òganizasyon Sidès), MPNKP (Mouvman Peyizan Nasyonal Kongrè Papay) - avaliamos que a situação do país, que já era precária antes de 12 de janeiro, se tornou insustentável depois do terremoto que abalou nossa nação, evidenciando a debilidade do Estado que não é capaz de reagir perante a condição em que o país se encontra após cerca de três meses da catástrofe que matou mais de 300 mil irmãos e irmãs nossos, um acontecimento que nos golpeou fortemente. Este fenômeno natural que produziu uma catástrofe social encontrou a conivência do Governo Prèval, enquanto a Igreja pedia aos fiéis que se ajoelhassem perante a Ira Divina que recaia sobre eles, fazendo com que o povo, perplexo, ficasse sem ação.
Nós estamos sob uma dupla ocupação, temerosos de nossa segurança, com a miséria cada vez maior e o povo abandonado por sua própria conta e risco, dormindo ao relento enquanto a temporada de ciclones se avizinha, uma situação que só vai aumentar a dor do povo. Obrigar o retorno às aulas, com o intuito de passar a impressão que tudo está funcionando bem, só reforça o tradicional costume de deixar as coisas como estão. O êxodo urbano forçado após o terremoto agravou a situação dos camponeses que já estavam largados à sua sorte. O Governo, tomado pela corrupção e desespero, não tinha – e continua não tendo – nenhum plano para retirar o povo e controlar a situação, algo que ele não conseguiu fazer até o dia de hoje.
Quando nós consideramos que:
- Toda combinação que possa nascer entre o Governo e parlamentares para continuar mais tempo no poder desrespeita o que a Constituição determina;
- Toda tentativa para votar uma lei de urgência permite ao Governo Prèval-Bellerive e aos parlamentares continuar desperdiçando as verbas emergenciais, que deveriam estar à serviço dos interesses da nação;
- Todo o Governo e a comunidade internacional propagandeam a realização de eleições sem a participação do povo, através de um Conselho Eleitoral que passa por cima da Lei Maior de nosso país.
Quando observamos o presidente Prèval falar de reconstrução, transformando-a na sua meta principal, nós não sabemos de que reconstrução ele está falando. É a reconstrução da ‘república de Porto
Príncipe’ somente?
Após toda essa análise e conclusões, nós perguntamos: O Estado se responsabilizará diante da miséria do povo nas ruas mendigando com as duas mãos para poder dormir debaixo de uma barraca?
Por isso, nós afirmamos com todas as nossas forças:
- Alterações na Constituição não podem se transformar numa oportunidade para estabelecer poderes ditatoriais a fim de que um pequeno grupo possa continuar dominando o país;
- A ajuda humanitária não prioriza o campo, e dessa forma reforça a concentração de poder na mão de uma meia dúzia de políticos que não possuem mais a confiança do povo;
- A eleição não é possível nem com esse Governo nem com o Conselho Eleitoral do Prèval, por isso nós exigimos a destituição do Conselho Eleitoral do Prèval, sem alarde e sem reclamação;
- A reconstrução do país não pode ser feita nos escritórios de Porto Príncipe, que é o símbolo da concentração e centralização do poder do Estado e dos serviços públicos;
- A reconstrução não pode ser realizada sem se repensar um outro modelo de educação para o Haiti;
- A maioria da população capaz de lutar não pode continuar de fora das decisões que lhes dizem respeito;
- A produção nacional, em especial a produção agrícola e a reforma agrária, deve ser uma prioridade no plano de reconstrução.
Nós convocamos todos os setores, mulheres e homens, camponeses e operários, intelectuais, estudantes, jovens, todos e todas, a se engajar na luta para libertar o país da ocupação e barrar o plano de morte do governo Prevàl-Bellerive.
Viva um outro Haiti!
Viva a luta do povo unido!
Chavannes Jean Baptiste – MPNKP
Rosnel Jean Baptiste – TK
Sobner Bernard – KROS
Philefrant St-Nare - MPP
Fuente: Enlace Indígena