Fusão Bayer-Monsanto: A incrível máquina de destruir patentes
Na Alemanha, em meio ao processo de fusão com Monsanto, Bayer enfrenta manifestações e questionamentos públicos. Com criatividade, ativistas apresentam denúncias de impactos das políticas de transgênicos e de controle de sementes.
A última reunião de acionistas da empresa alemã Bayer, realizada em Bonn, em 28 de abril de 2017, foi marcada por protestos e denúncias, incluindo críticas em relação à aquisição da empresa estadunidense Monsanto. Do lado de fora do Centro de Conferências Mundial de Bonn, onde foi realizado o encontro, ambientalistas, pequenos agricultores e integrantes de movimentos sociais procuraram chamar a atenção para os impactos da consolidação de um modelo de negócios baseado no uso intensivo de agrotóxicos e na privatização da vida, com criação e patenteamento de novas variedades transgências e cobrança de copyrights por uso de sementes.
Em uma manifestação descontraída e bem-humorada, repleta de gente com roupas e cartazes coloridos, agricultores da região oeste da Alemanha apresentaram uma máquina velha, meio enferrujada, que, entre lufadas de vapor e fumaça, esquentava batatas orgânicas, servidas para os demais presentes. A engenhoca fez sucesso não só por aquecer o entorno em um dia frio, mas também por ter seu fogo alimentado com placas simbolizando patentes de tomates, brócolis, laranjas, bananas e outras variedades, além de documentos representando a fusão entre as duas empresas.
A farmacêutica e agroquímica Bayer, ao anunciar o pagamento de 128 dólares por ação em uma transação de US$ 66 bilhões, assumiu o controle da Monsanto, a maior produtora de sementes industriais do planeta. A negociação agrava a concentração no mercado mundial de agroquímicos e de sementes e faz frente a outra fusão ocorrida anteriormente, a da estatal chinesa ChemChina com a suíça Syngenta, especializada na venda de venenos para agronegócio. A primeira adquiriu a segunda em um negócio estimado em US$ 43 bilhões. Para comparação, o Produto Interno Bruto (PIB) do Paraguai foi de cerca de US$ 27 bilhões em 2015, ano do último levantamento divulgado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas. O PIB é uma estimativa da soma de todos os bens e serviços produzidos por um país durante determinado período; trata-se de uma unidade de medida grosseira e simplificadora que não representa a real riqueza de um país, mas pode servir como referência para compreensão da dimensão das negociações na nova ordem mundial que se desenha.
Impactos da Monsanto no Paraguai:
Como parte das atividades organizadas para debater a fusão entre as duas empresas, foi realizado um encontro na Universidade de Colônia, cidade vizinha à Bonn. Entre os participantes internacionais, esteve o engenheiro agrônomo Miguel Lovera, ex-presidente do Serviço Nacional de Qualidade e Sanidade Vegetal e de Sementes (SENAVE) do Paraguai. Lovera, que viajou a convi te da Fundação Rosa Luxemburgo, foi o responsável durante o governo do presidente Fernando Lugo por regular a atuação das multinacionais do setor agroquímico em seu país. Ele apresentou denúncias sobre os impactos do que chamou “Modelo Monsanto” e defendeu que a Bayer, ao adquirir a empresa, também assume um passivo considerável relacionados aos danos sociais e ambientais provocados. Ele lista contaminação de rios e lençóis freáticos, desmatamento, concentração fundiária e produção de alimentos tóxicos como resultados diretos e indiretos da proliferação de monocultivo, transgênicos e venenos no seu país.
A Bayer reclama que as denúncias sobre impactos de agroquímicos são inconsequentes e organizou uma campanha pedindo “fatos em vez de preconceitos” (em alemão, Fakten statt Vorurteile). Em frente à assembleia de acionistas, a empresa chegou a pendurar uma faixa a respeito e escalou para uma aparição rápida um funcionário fantasiado de ursinho com uma camiseta com a mensagem. A estratégia de marketing destoou do ambiente corporativo do encontro; a maioria dos acionistas trajava terno e gravata e exibia um semblante carregado, sisudo, contrastando na entrada com os manifestantes coloridos, alguns fantasiados de milhos e batatas orgânicas gigantes, outros vestidos de apicultores e seus cartazes chamando atenção para os pesticidas assassinos de abelhas da empresa.
“Os fatos são muito concretos e os impactos, reais. A Monsanto agiu sem escrúpulos e, pressionando pela desregulamentação total, contribuiu para fragilizar o Estado de Direito não só no Paraguai, mas em todos os países da região”, defende Lovera, que lembra que a empresa passou a falar em “República Unida da Soja” para se referir às áreas de plantio com suas sementes localizadas na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, ignorando fronteiras e governos locais. Ele destaca que o modelo baseado em sementes geneticamente modificadas e uso intensivo de agrotóxicos agravou a concentração fundiária, favorecendo o avanço de monocultivos para exportação em áreas antes destinadas à produção de alimentos.
Lovera relaciona a reconfiguração do campo e a substituição da agricultura familiar por latifúndios com cultivos mecanizados praticamente sem trabalhadores às levas migratórias e lembra que mesmo as pequenas propriedades remanescentes sofrem com os efeitos da aplicação pesada de Roundup, herbicida à base de glifosato que em seu país é chamado de mata-tudo, tal o seu potencial destrutivo. O resultado é uma crise que afeta até mesmo a segurança alimentar de seu país, aponta Lovera. “Nem mesmo na Guerra do Chaco o Paraguai precisou importar alimentos e isso é o que está acontecendo agora”.
Ele falou inclusive de tentativas de interferência da empresa quando esteve à frente do principal órgão de fiscalização fitosanitária e de sementes de seu país, e defendeu que a Bayer, ao insistir em manter o negócio, deveria se preocupar em compensar todos os impactos causados e desativar as agrotecnologias em uso atuais. Ele escreveu um artigo sobre os impactos da Monsanto no Paraguai ( disponível em alemão) e, por trazer elementos concretos e fatos detalhados, foi convidado, durante sua passagem pela Alemanha, a fazer uma apresentação para parlamentares em audiência no Bundestag, o Parlamento Federal, e a conceder entrevistas para alguns dos principais jornais, rádios e TVs locais. Para a Deutsche Welle, a emissora pública alemã para audiência internacional, concedeu entrevistas em espanhol e inglês.
Dentro da assembleia de acionistas:
As denúncias de impactos dos produtos e políticas da Bayer e Monsanto não ocorreram somente no espaço externo da assembleia. Para tentar proteger e isolar seus acionistas do contato com a temível “máquina de destruir patentes”, com os cartazes coloridos e as fantasias criativas, a empresa chegou a acionar a Justiça defendendo que o protesto não deveria ser autorizado na área próxima ao encontro. Não obteve sucesso, o protesto foi realizado e, mesmo dentro da reunião, aconteceram manifestações e questionamentos.
Na assembleia, cada acionista tem direito de fazer perguntas à mesa diretora e há espaço para críticas. Entre dúvidas corporativas e questões sobre políticas internas, Werner Baumann, o atual presidente da Bayer, teve que ouvir de tempos em tempos, confrontações diretas, incluindo a de como, frente a tudo que estava sendo denunciado, conseguia dormir. “Com pílulas da Bayer, claro”, defendeu um dos acionistas, logo após falar em detalhes sobre a morte de abelhas.
Entre os questionamentos sobre impactos diretos de Bayer e Monsanto na América Latina estão os de Verena Glass, coordenadora da Fundação Rosa Luxemburgo, que apresentou dados da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, e Christian Russau, da Associação Acionistas Críticos, que questionou o uso no Brasil de agrotóxicos proibidos na Europa, e exibiu uma camisa e fez referências à articulação paraguaia Ñamoseke Monsanto (em Guarani, “fora Monsanto”; acesse os discursos dos dois na íntegra em alemão). Às duas perguntas, a diretoria deu respostas evasivas e minimizou a situação.
Além dos questionamentos no microfone, houve manifestações fora do protocolo também. Nem o esquema de segurança similar ao de aeroportos para controlar o acesso, nem os seguranças com intercomunicadores e olhar atento a qualquer movimentação fora do padrão, impediram que algumas pessoas se arriscassem a exibir mensagens e chamar a atenção. Acabaram expulsas do espaço.
Não é só pelos impactos no Paraguai e nos países vizinhos que a Bayer pode ter dores de cabeça em função da aquisição da Monsanto. Dez dias antes da assembleia de acionistas, em 18 de abril, foi anunciado o veredito do Tribunal Internacional da Monsanto, iniciativa internacional da sociedade civil com o objetivo declarado de “responsabilizar a empresa por violações dos direitos humanos, por crimes contra a humanidade e por ecocídio”.
Fonte: Fundación Rosa Luxemburgo