Engajamento publico em ciencia e tecnologia: o caso da nanotecnologia
A Nanotecnologia pode ser apresentada em duas formas. Na primeira delas, esta tecnologia se caracteriza através de dois aspectos principais. O primeiro deles se refere ao prefixo nano, que é indicador de medida. Nanotecnologia se refere somente a escala e não a objetos, como por exemplo a biotecnologia, onde o prefixo bios significa vida. O segundo aspecto é que nanotecnologia se refere a uma série de técnicas utilizadas para manipular a matéria na escala de átomos e moléculas que para serem enxergadas requerem microscópios especiais
A Nanotecnologia pode ser apresentada em duas formas. Na primeira delas, esta tecnologia se caracteriza através de dois aspectos principais. O primeiro deles se refere ao prefixo nano, que é indicador de medida. Um nano significa a bilionésima parte de um metro, ou seja, 10-9 metros. Portanto, nanotecnologia se refere somente a escala e não a objetos, como por exemplo a biotecnologia, onde o prefixo bios significa vida.
O segundo aspecto é que nanotecnologia se refere a uma série de técnicas utilizadas para manipular a matéria na escala de átomos e moléculas que para serem enxergadas requerem microscópios especiais (STM e SPM).
Para que os leitores possam exercitar as respectivas imaginações podemos indicar que um único fio de cabelo humano tem a dimensão de 80.000 nm (nanômetros) de espessura, enquanto que 1 nm contem 10 átomos de hidrogênio colocados lado a lado. A conhecidíssima molécula de DNA tem o tamanho de aproximadamente 2,5 nm de largura, enquanto que um glóbulo vermelho tem 5.000 nm de diâmetro.
A segunda forma de apresentarmos a nanotecnologia se refere a considerar primeiro a nanociência como o estudo dos princípios fundamentais de moléculas e estruturas com uma dimensão entre 1 a 100 nm (nanômetros). A nanotecnologia seria então a aplicação destas moléculas e nanoestruturas em dispositivos nanométricos.
As partículas nano embora sendo do mesmo elemento químico se comportam de forma distinta - em relação as partículas maiores - em termos de cores , propriedades termodinâmicas , condutividade elétrica, etc . Portanto, o tamanho da partícula é de suma importância porque muda a natureza das interações das forças entre as moléculas do material e assim, muda os impactos que estesprocessos ou produtos nanotecnológicos tem junto ao meio ambiente, a saúde humana e a sociedade como um todo.
Mas como se criam as nanotestruturas com objetivos industriais? O leitor deve fixar a compreensão de que duas são as técnicas para se criarem nanoestruturas, com variados níveis de qualidade, velocidade e custos. Elas são conhecidas como “Botton-up” (baixo para cima) e “Top-down” (cima para baixo). É preciso realçar que nos anos recentes a tendência de convergência entre estas técnicas esta em curso.
No que toca a técnica “Botton-up” ela proporciona a construção de estruturas átomo por átomo ou molécula por molécula mediante três alternativas a saber:
a- síntese química (chemical Synthesis) , em geral utilizada para produzir matérias primas, nas quais são utilizadas moléculas ou partículas nano;
b- auto-organização ( self assembly). Nesta técnica, os átomos ou moléculas organizam-se de forma autônoma por meio de interações físicas ou químicas construindo assim nanoestruturas ordenadas. Diversos sais em formas de cristais são obtidos por esta técnica;
c- organização determinada (positional assembly). Neste caso, átomos e moléculas são deliberadamente manipulados e colocados em determinada ordem, um por um.
Em relação a técnica “Top-down” (cima para baixo) esta tem por objetivo reproduzir algo, porem em menor escala que o original e com maior capacidade de processamento de informações, como em um chip por exemplo. Isto é feito mediante dois caminhos: engenharia de precisão ou litografia. A indústria de semicondutores realizando isto nos últimos 30 anos.
A idéia de que a matéria é composta por átomos já tem cerca de 2400 anos, quando o filósofo grego Demócrito defendia esta tese. Mas somente no final da década de 50 do século passado é que temos um fato que marca o inicio da Nanotecnologia em nossos tempos. O físico Norte Americano Richard Phillips Feynman (11/5/1918 -15/2/1988) faz uma conferencia no dia 29 Dezembro de 1959 ,as 15h, em uma reunião da Sociedade Americana de Física realizada no Instituto de Tecnologia da Califórnia - Caltech- , denominada “There's Plenty of Room at the Bottom “ (Há muito espaço lá em baixo) A primeira publicação desta conferencia se deu em fevereiro de 1960 no Caltech's Engineering and Science aqui, O texto completo encontra-se disponível neste site aqui .
Nesta palestra Feynman afirmava que "Os princípios da física não falam contra a possibilidade de se manipular as coisas átomo por átomo". Apontou também para o que seria, a seu ver, a principal barreira para a manipulação na escala nanométrica: a impossibilidade de vê-la.
A IBM , 23 anos após a palestra de Feynman , em 10 de Agosto de 1982, consegue a patente do denominado Microscópio de Varredura de Tunelamento Eletrônico (Scanning Tunneling Microscope - STM) que permite a visualização de imagens em tamanho nano. A partir deste microscópio outro foi desenvolvido , levando o nome de Microscópio de Microssondas Eletrônonicas de Varredura (Scanning Probe Microcospes - SPM), que permite visualizar e manipular átomos e moléculas
O termo Nanotecnologia foi primeiro utilizado pelo Prof. Norio Taneguchi, da Universidade de Ciência de Tókio. Ele usou este termo para descrever a fabricação precisa de novos materiais com tolerâncias nanométricas.
Nos anos 80 este termo adquire nova conotação devido a publicação do livro (1986) de K.Eric Dexler intitutado “Engines of Criation - The New Era of Nanotecnology”. Em 1992, com a publicação da tese de doutorado deste mesmo autor, defendida no Massachusetts Institute of Technology - MIT - e cujo título é “Nanosystems: Molecular Machinery, Manufacturing and Computation” a nanotecnologia ganha novo impulso na comunidade científica.
A bibliografia em nanotecnologia já é bastante intensa e heterogênea. Para uma síntese do debate podemos utilizar o trabalho de Wood (2003, cap. 4) Em grandes blocos o debate pode ser referenciado em termos dos que acreditam ser a nanotecnologia portadora de radical descontinuidade, enquanto os opositores a esta idéia advogam que a nanotecnologia apresenta somente uma continuidade evolucionária de outras tecnologias. Entre estes dois extremos também temos vários autores.
Entre os defensores da radical descontinuidade podemos citar K.Eric Dexler, Jamie Dinkelacker, The Foresight Institute,Bill Joy, Glenn Harlan Reynolds, Damien Broderick, Mark Suchman. A este conjunto de autores poderíamos denomina-los de “nano-otimistas”.
No campo oposto temos os evolucionaristas, cujos expoentes entre outros estão George Mwhitesides, Richard E. Smalley, Philip Ball, Denis laveridge, Gary Stix. Este podem ser denominados de “nanopessimistas”. Entre os dois grupos acima comentados estão as instituições promotoras da nanotecnologia e os comentadores tecnologia.
As entidades promotoras encontram-se localizadas em diversos governos e em indústrias, como por exemplo o Departamento de Comércio e Indústria da Inglaterra, Direção de Tecnologias Industriais da Comissão Européia, National Nanotechnology Initiative e National Science Foundation, ambos do governo Norte Americano.
Entre os comentadores de tecnologia podemos indicar o mais importante deles que é a ONG Canadense denominada ETCGroup. Debra R. Rolinson do laboratório de pesquisa naval/USA e Vick Colvin da Rice University/USA completam esta pequena lista de comentadores.
Deste rol de autores e instituições indicados vamos detalhar um pouco mais as contribuições do Prof. Mark Suchman e do ETCGroup. Estas idéias encontram-se expostas de maneira ampla em Martins (2005, p.255-263) e Grupo TEC (2005)
Para Mark. Suchman (2002,p.95-99) existem dois tipos de nanotecnologia. As que proporcionam descontinuidades tecnológicas discretas (nanates) e as que têm um caráter desruptivo, revolucionário (nanites). No primeiro caso a sociedade tem experiência anterior em lidar com este desenvolvimento tecnológico. No segundo caso não existe experiência prévia por parte da sociedade.
Por nanates, o primeiro caso, devemos entender as tecnologias que manipulam estruturas em nanoescala de substâncias em macroescala. Ou dito de outra forma, substâncias em macroescalas que são manipuladas por tecnologias que interferem nas suas nanoestruturas. Então essas são as nanates e que segundo o referido autor estão referenciadas aos nanomateriais. Exemplos: polímeros resistentes usados em cintos de segurança, em pneus, membranas ultrafinas para filtros, e as nanates encontram-se ligadas às engenharias químicas e de materiais.
Por nanites devemos entender tecnologias que constróem mecanismo em nanoescala para serem usados em ambiente de macroescala. Nanites está referenciada à nanomáquinas. Exemplos de nanites: são sistemas de vigilância em miniatura, equipamentos para exploração de minas também em pequena dimensão. Nanites encontra-se ligado a engenharia mecânica e a robótica.
Segundo este autor, pode-se afirmar que de maneira geral as nanates não colocam desafios sem precedentes para a nossa sociedade. No particular poderá ocorrer que algum novo material possa colocar alguma mudança sem precedente. Como exemplo pode ser citada a possibilidade que algum novo material a ser utilizado em balas de revólveres, usados em pequenas armas e que seja capaz de penetrar por exemplo, em um tanque de guerra, então ai seria realmente um material que teria grande impacto. Ou células fotovoltaicas que teriam que venha acabar com a necessidade de petróleo como fonte de energia. Nestes casos as mudanças seriam sem precedentes.
Agora vamos às implicações sociais da nanites. Segundo o Mark C. Suchman, nanites irá confrontar a sociedade com questões políticas profundas, sem precedentes. Ao permitir que os humanos manipulem o mundo numa dimensão sem precedente. As nanomáquinas abrem uma nova fronteira em que não há regulamentação para tornar segura e produtiva esta atividade. Nanites apresentam qualidades e propriedades distintas que irão gerar novas questões de responsabilidade e controle. Estas estarão ligadas à três itens. - O primeiro deles é a invisibilidade. Embora seja diretamente ligada à nanotecnologia, a invisibilidade estará ligada a primeira construção complexa e engenheirada de forma intencional, tornando-se, portanto um cúmplice dos propósitos humanos para uma série de atividades para as quais foram produzidas. - O segundo item é a locomoção. Embora seja menos inerente à nanotecnologia do que a invisibilidade, terá um efeito intenso nas questões das barreiras, a locomoção de partículas, já que as nanopartículas poderão ultrapassar cercas, muros, pele humana, células, etc.. - E a terceira coisa é a auto-replicação. Isto não é uma propriedade inerente a nanomáquinas. A criação de nanites auto-replicáveis será a prova mais difícil revolução da nanotecnologia.
“A auto-replicação é importante do ponto de vista econômico para a produção em massa de nanomáquinas. Portanto, esta propriedade de se auto-replicar acaba por se tornar significativa. Por outro lado, são colocadas profundas dúvidas sobre a capacidade de previsão e controle por parte dos humanos sobre as nanomáquinas, que poderão se multiplicar sem controle, sem terem como serem desligadas. A invisibilidade, a locomoção e a auto-replicação poderão ser potencializadas se nanites possuírem a capacidade de operar de forma autônoma e se auto-modificarem”(Martins, 2005, p.259).
As controvérsias relativas a nanotecnologia podem ser captadas nos diversos trabalhos do ETCGroup, em especial no seu mais recente trabalho (2005)
“Nanotecnologia: Os Riscos da Tecnologia do Futuro” , onde uma síntese dos diversos problemas são apresentados, a começar pelo impacto desta tecnologia nas economias dos países do hemisfério sul, na vida das pessoas, na segurança ,na saúde humana, no meio ambiente nos direitos humanos, nas políticas sociais, na agricultura, nos alimentos. Este trabalho apresenta quem tem o controle desta tecnologia e a quanto chega os investimentos nesta tecnologia (US$8,6 bilhões).
Em suas recomendações o ETCGROUP nos afirma que “Ao permitir que produtos da nanotecnologia cheguem ao mercado na ausência de debate público e sem regulamentação, os governos, o agronegócio e as instituições científicas já comprometeram o potencial das tecnologias em escala nanométrica de serem utilizadas de forma benéfica. O fato de não haver, atualmente, em qualquer parte do mundo, normas de regulamentação para avaliar novos produtos em escala nanométrica na cadeia alimentar representa uma inaceitável e culposa negligencia. (....) Devem ser tomadas medidas para restaurar a confiança nos sistemas alimentares e para se ter certeza de que as tecnologias em escala nanométrica, se introduzidas, sejam feitas sobre rigorosos padrões de saúde e segurança.” (Grupo ETC, 2005, P.157-158)
Referências Bibliográficas
Comissão Européia. Nanotecnologias. Inovações para o Mundo de amanhã. Direção Geral de Investigação, Bruxelas, 2004.
Grupo ETC. Nanotecnologia. Os riscos da tecnologia do futuro. L&PM Editores . Porto Alegre, 2005.
Martins, Paulo R. (coord) Nanotectnologia, Sociedade e Meio Ambiente I Seminário Internacional. Associação Editorial Humanitas, São Paulo, 2005.
Martins, Paulo R. (coord) Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente - II Seminario Internacional. São Paulo , Xama V.M. Editora, 2006
The Royal Society. Nanoscience and Nanotechnologies: opportunities and incertanties. The Royal Society Publications. London, 2004.
Suchman, M.C. Social Science and Nanotechnology. In Nanotechnology: Revolutionary Opportunities & Societal Implications. EC-NSF 3rd Join Workshop on Nanotechnology. Lecce, Italy, 31 January - 1 February, 2002.
Wood, Stephen et all. The Social and Economic challenges of Nanotechnology.ESRC, London , 2003.
Enviador por rb.gro.tsm@laregs