Em meio à denúncias, Syngenta ameaça deixar o Brasil
Terceira maior do mundo no setor da biotecnologia, empresa de origem suíça está contrariada com multa, ainda não paga, de um milhão de reais expedida pelo Ibama. Ambientalistas não acreditam na ameaça e apontam chantagem
RIO DE JANEIRO - Maior empresa de defensivos agrícolas do Brasil e terceira maior do mundo no lucrativo mercado da biotecnologia alimentar, a transnacional de origem suíça Syngenta Seeds enfrenta dias de publicidade negativa. A recente descoberta de que a empresa foi responsável durante quatro anos pela venda de uma variedade ilegal de milho transgênico nos Estados Unidos veio se somar ao mau momento em terras brasileiras, onde a Syngenta foi multada em um milhão de reais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por ter realizado plantio e experimentos ilegais com transgênicos na zona de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.
Além da multa, que até agora não foi paga, a Syngenta é alvo de uma ação civil pública do Ibama no Ministério Público paranaense pedindo a destruição das culturas transgênicas na região em torno do parque. Para completar, a área de doze hectares que a empresa detinha no local foi ocupada no dia 14 de março por 100 famílias de trabalhadores rurais organizados pela Via Campesina. Quatro meses após a ocupação, cerca de 80 famílias ainda estão no acampamento, rebatizado “Terra Livre”, onde pretendem permanecer e construir um centro de agroecologia.
Toda essa situação parece desagradar à direção da Syngenta no Brasil. De um lado, ela agiu como se a multa impetrada pelo Ibama jamais houvesse existido: nem pagou nem recorreu. De outro, afirmou à imprensa que a empresa estava “reavaliando seus investimentos no país”, onde fatura U$ 800 milhões por ano (cerca de 10% do faturamento global de US$ 8,1 bilhões anunciado em 2005). Diretor-geral da Syngenta Seeds no Brasil, o argentino Pedro Rugeroni afirmou que a empresa pode não realizar totalmente o investimento de US$ 12 milhões previsto para o país em 2006. Para o ano que vem, a ameaça é de retirada total: “O investimento para o ano que vem certamente vai tender a zero”, disse.
A Syngenta estima que já perdeu US$ 1,5 milhão com a ocupação protagonizada pela Via Campesina. Em entrevista ao jornal O Estado de SP, Rugeroni deixou claro que ação dos trabalhadores rurais no Paraná é o maior motivo de irritação da empresa: “Temos uma perda potencial de quatro ou cinco anos, equivalente a US$ 50 milhões, por conta do material que estava armazenado nas câmaras frias do centro de pesquisa”, disse, referindo-se aos quase quinze mil germoplasmas (sementes geneticamente modificadas ou em vias de modificação) que eram armazenados na área hoje ocupada.
As organizações da sociedade civil que militam no setor de biossegurança não levam a sério as ameaças que a Syngenta faz de deixar o Brasil: “Isso mais parece uma jogada da Syngenta para ver ser consegue assustar o Ibama e o governo federal. Querem condicionar os investimentos previstos a um ambiente mais favorável à empresa. Acho que é blefe e que dificilmente irão embora”, afirma Gabriel Fernandes, que atua na Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa (AS-PTA) e é um dos dirigentes da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. Fernandes baseia sua convicção num exemplo vindo da Argentina, onde a empresa Monsanto também ameaçou deixar o país: “Até hoje a Monsanto não conseguiu vencer a batalha pela cobrança de royalties na Argentina e, ainda assim, suas ameaças de ir embora não foram cumpridas”.
Também dirigente da Campanha, a advogada Maria Rita Reis, da organização paranaense Terra de Direitos, é outra que não acredita na promessa de adeus feita pela Syngenta: “A Syngenta não vai deixar o Brasil. Não vai, por causa de uma ocupação da Via Campesina, largar um país onde tem grande lucro e faz um investimento mínimo se comparado aos seus ganhos internacionais”, disse, antes de fazer uma provocação: “Além disso, a direção da empresa no Brasil sabe que a Syngenta não pode voltar pra casa, afinal os transgênicos foram proibidos na Suíça”.
“EMPRESA USA PRODUTORES”
Maria Rita conta que, para marcar o encerramento do 2º Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em junho, os agricultores que ocupam a área próxima ao Parque do Iguaçu antes ocupada pela Syngenta plantaram três mil mudas de espécies nativas: “Foi um gesto simbólico para convencer os governos federal e estadual sobre a importância de transformar aquela área num centro de agroecologia”, disse. As famílias acampadas, segundo a ambientalista, estão recebendo auxílio de técnicos voluntários para descontaminar o solo da presença de transgênicos: “Depois, vão produzir sementes crioulas”.
O descaso da Syngenta com a multa dada pelo Ibama, segundo os ambientalistas, é apenas aparente: “Apesar de ter feito de conta que a multa não era com ela, a Syngenta trabalha nos bastidores para reverter a situação. Sem querer ficar na linha de frente, a empresa está articulando outros produtores do entorno do Parque do Iguaçu para questionar a ação do Ibama e do Ministério Público. Os produtores estão sendo usados para fazer a defesa da Syngenta”, afirma Gabriel Fernandes.
A crise moral da Syngenta Seeds não se limita ao Brasil. Recentemente, descobriu-se que a empresa foi responsável por aquele que é considerado o maior caso de contaminação genética comprovada registrado no mundo até hoje. Durante quatro anos, a Syngenta comercializou nos Estados Unidos, de forma consciente e sistemática, uma variedade ilegal de milho transgênico produzida pela empresa _ o milho Bt10 _ como se fosse uma outra variedade autorizada para consumo animal, o milho Bt11. Combatido pelos ambientalistas, o milho Bt10 desenvolvido pela Syngenta não teve seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente avaliados pelos órgãos reguladores norte-americanos. Além disso, as sementes comercializadas ilegalmente contaminaram o milho exportado para vários países.
UNIÃO DE GIGANTES DO SETOR
Hoje em dia é difícil saber quem é o verdadeiro dono da Syngenta Seeds, empresa surgida a partir de uma série de fusões entre os gigantes do setor de biotecnologia e que tem 19 mil empregados espalhados por 90 países. A história da empresa, no entanto, começa nos séculos XVIII, com a fundação da empresa de fertilizantes e pesticidas suíça Geigy (1758), e XIX, com a fundação das também suíças Sandoz (1876) e Ciba (1884). Em 1970, foi criada a Ciba-Geigy, a partir da fusão das duas empresas.
No final da década seguinte teve início o processo de fusão da Sandoz com a Ciba-Geigy, que culminou com a fundação de uma nova empresa, a Novartis, em 1994, no auge da onda neoliberal. Finalmente, em 2000 a Novartis protagonizou uma nova fusão entre gigantes, dessa vez com a inglesa AstraZeneca, cujo resultado foi a criação da Syngenta. Atualmente, a Syngenta é a terceira maior empresa do setor de biotecnologia alimentar no mundo, ficando atrás somente de duas empresas com sede nos Estados Unidos: a Monsanto (famosa por introduzir ilegalmente no Brasil a soja transgênica Roundup Ready) e a Dupont.
Maurício Thuswohl - Carta Maior
Fonte: Agência Carta Maior