EUA no caminho da liberação das sementes tolerantes ao 2,4-D
O Departamento de Agricultura do governo dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) publicou em 03 de janeiro a versão preliminar do Relatório de Impacto Ambiental sobre as variedades transgênicas de milho e soja tolerantes à aplicação do perigoso herbicida 2,4-D, dando sinal verde para a comercialização e o plantio das sementes. A divulgação do Relatório abre uma consulta púbica de 45 dias.
O USDA propõe em seu documento que as sementes não sejam reguladas pelo Plant Pest Act, que dá ao APHIS (Serviço de Inspeção Sanitária Animal e Vegetal, em inglês) autoridade sobre organismos que possam colocar em risco a agricultura do país – proposta que tem sido combatida ao longo dos últimos dois anos por mais de 150 grupos de agricultores, consumidores, organizações de saúde pública, grupos ambientalistas, empresas e mais de 400 mil indivíduos.
Segundo a estimativa do próprio USDA apresentada em seu Relatório de Impacto, a liberação das novas sementes aumentará em duas a seis vezes o uso do 2,4-D. Outras projeções apontam um aumento muito maior – como é o caso da estimativa feita pelo renomado cientista agrícola Charles Benbrook, que calcula que o plantio em larga escala do milho Enlist, da Dow, poderá elevar o consumo do 2,4-D em 25 vezes em cinco anos.
Não obstante reconhecer que a liberação das novas variedades aumentará o consumo do herbicida, o USDA argumenta que as sementes em si não apresentam riscos para outras plantas (sic) e que portanto não demandam uma avaliação mais aprofundada por parte do órgão – a mesma (e absurda) linha de argumentação que tem sido usada no Brasil pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança no processo de avaliação das sementes tolerantes a herbicidas.
As sementes tolerantes ao 2,4-D têm sido apresentadas como uma solução para o enfrentamento do problema da resistência de diversas espécies de mato ao herbicida glifosato (o Roundup, da Monsanto), que tem reduzido a eficiência do sistema de produção Roudup Ready (RR) e causado grandes prejuízos aos produtores nos EUA e também no Brasil. O desenvolvimento da resistência no mato e o consequente aumento no uso do veneno é um efeito que foi previsto e alertado pelos críticos da tecnologia desde que a liberação das sementes transgênicas começou a ser considerada – diga-se de passagem, é bastante óbvio que o uso continuado, por sucessivas safras, de um mesmo mata-mato provocaria o desenvolvimento de resistência ao produto, levando os agricultores a aumentar as doses e o número de aplicações na tentativa de compensar a perda de eficácia do veneno.
No lugar de enfrentar de fato o problema (o que não se poderia mesmo esperar das grandes empresas de sementes & agrotóxicos que buscam ampliar o mercado de seus produtos), a falsa solução proposta levará à repetição do fenômeno, e dando um grande passo atrás, pois trata-se agora de venenos ainda mais tóxicos que o glifosato. O 2,4-D, um dos componentes do Agente Laranja, usado na Guerra do Vietnã para desfolhar florestas, tem sido relacionado a casos de câncer, mal de Parkinson, baixa contagem de esperma e nascimento de crianças com malformações.
O milho Enlist é uma das oito variedades transgênicas tolerantes à aplicação de herbicidas aguardando aprovação do USDA. Há ainda 5 variedades de soja, uma de algodão e outra de uma espécie gramínea (Agrostis stolonifera). Duas dessas variedades (milho e soja) foram geneticamente modificadas para resistir à aplicação do herbicida dicamba, um agrotóxico que, assim como o 2,4-D, é conhecido por se dispersar facilmente pelo ar e prejudicar lavouras, pomares e jardins vizinhos.
O 2,4-D é o responsável pelo maior número de casos de danos a lavouras de soja, algodão, frutas e hortaliças e outras culturas do que qualquer outro herbicida nos EUA, justamente em função da sua alta deriva (dispersão pelo ar).
Agora a Agência de Proteção Ambiental do governo dos EUA (EPA, em inglês) irá realizar sua própria avaliação de risco para então decidir sobre a aprovação dos novos usos propostos pela Dow para o herbicida 2,4-D.
A revista BioScience publicou um relatório intitulado “ Navigating a Critical Juncture for Sustainable Weed Management”, alertando sobre a insustentabilidade do manejo do mato através de lavouras transgênicas tolerantes à aplicação de herbicidas [David A. Mortensen, J. Franklin Egan, Bruce D. Maxwell, Matthew R. Ryan, Richard G. Smith. Navigating a Critical Juncture for Sustainable Weed Management. BioScience, Vol. 62, No. 1 (January 2012), pp. 75-84.
Sobre o mesmo tema, leia também matéria (em inglês) publicada em novembro de 2013 pela Universidade do Estado de Mihigan [2,4-D and Dicamba-Resistant Crops and their Implications for Susceptible Non-Target Crops].
Com informações de:
USDA gives green light for 2,4-D-tolerant corn and soybeans – Pesticide Action Network, 03/01/2014.
Fuente: AS-PTA