Destruição do Cerrado em 2019 foi mais rápida que na Amazônia e avançou sobre áreas protegidas
Os índices de desmatamento no Cerrado alcançam grandes áreas do bioma e atingem majoritariamente unidades de conservação, terras indígenas, quilombolas e assentamentos. É o que aponta a primeira edição do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, lançado no dia 26 de maio pela iniciativa MapBiomas, juntando, pela primeira vez em um único documento, todos os alertas de desmatamento do país.
Publicada por De Olho Nos Ruralistas:
Segundo o relatório, Amazônia e Cerrado concentraram juntos 96,7% de toda área desmatada em 2019. Sozinho, o Cerrado apresentou 13% do total de alertas de desmatamento no último ano e quase um terço da área total desmatada (33,5%). Ao todo, o bioma, que abriga as savanas mais biodiversas do mundo, perdeu 408,6 mil hectares: uma área equivalente a 3,4 municípios do tamanho do Rio de Janeiro.
Quase dez mil imóveis estavam cadastrados no CAR
Um dos dados mais preocupantes sobre o desmatamento no Cerrado é a velocidade com que a derrubada de vegetação nativa ocorreu na região em 2019. Esse processo foi mais rápido no Cerrado do que em qualquer outro bioma do país: uma média de 1.119,6 hectares desmatados por dia e vinte alertas diários. Esse indicador é calculado a partir da razão entre a área desmatada e o número de dias decorridos entre as imagens de antes e depois do desmatamento e, segundo o relatório, pode ser ainda maior.
Os três estados com maior velocidade média de desmatamento em 2019 foram Tocantins, Piauí (1,19 hectares/alerta/dia) e Bahia (1,06 hectares/alerta/dia), todos compreendidos na região do Matopiba, considerada a última fronteira agropecuária no Cerrado.
Essa velocidade do desmatamento é sempre subestimada, informa o relatório do MapBiomas, pois nem sempre é possível obter uma boa imagem do dia exato do início ou do fim do desmatamento, especialmente nos períodos e locais com alta cobertura de nuvens.
O município baiano de Jaborandi registrou a maior velocidade média de desmatamento para um único alerta. Entre 8 e 27 de maio de 2019, foram desmatados, em média, 60 hectares por dia. Esse alerta diz respeito a uma fazenda registrada no Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (Cefir-Bahia), mas não no sistema federal do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Essa falha de informação pode indicar que a área teve autorização para desmatamento, mas o documento não foi localizado. Ao todo, 9.489 alertas de desmatamento no Cerrado ocorreram em imóveis rurais constantes no CAR.
Outro município do oeste baiano aparece em sexto lugar no ranking geral dos municípios com mais alertas de desmatamento. Em 2019, Formosa do Rio Preto registrou 77 alertas, compreendendo uma área de 21.801 hectares.
Criminosos avançam sobre Ilha do Bananal
Outra tendência preocupante é o desmatamento dentro de áreas protegidas. Das 1.453 unidades de conservação (UCs) do país, 226 registraram ao menos um alerta de desmatamento em 2019. Ao todo, a derrubada de vegetação nativa em áreas protegidas representou 11% do total nacional e 12% de toda área desmatada no país no último ano. Uma dessas UCs é a maior ilha fluvial do mundo, a do Bananal.
O maior número de ocorrências desse tipo ficou na Amazônia, onde 13,0% da área desmatada está total ou parcialmente sobreposta a UCs. Na sequência veio o Cerrado, com 10,8%. As unidades de conservação do Cerrado com maior área desmatada foram a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Preto, na Bahia, com 13.449 hectares, e a APA Ilha do Bananal/Cantão, no Tocantins, na zona de transição entre Cerrado e Amazônia, com 9.756 hectares, onde, no ano passado, foram localizados indícios da presença de indígenas isolados.
O desmatamento acelerado atingiu também áreas historicamente ocupadas por comunidades tradicionais. Entre os quilombolas, o maior desmatamento registrado no país foi na comunidade de Barra do Aroeira, em Lagoa do Tocantins (TO), onde 602 hectares de vegetação nativa foram derrubados em 2019.
De Olho nos Ruralistas detalha, em reportagem específica, os impactos do desmatamento sobre os quilombolas: “Quilombo mais desmatado em 2019 disputa território com políticos do PSL e do PR“.
O problema se repete em terras indígenas: das 573 TIs demarcadas no Brasil, 213 registraram ao menos um evento de desmatamento em 2019. Isso representa 5,9% do total de alertas do país e 3,6% da área total desmatada. “É uma situação alarmante, pois as áreas indígenas são historicamente as mais protegidas”, disse Tasso, durante o evento de lançamento do relatório, realizado virtualmente em razão da pandemia do novo coronavírus.
Para se ter uma ideia, compara o pesquisador, entre 1988 e 2015 foi registrado menos de 0,5% de desmatamento nesses territórios. “E hoje vemos esse crescimento”.
Capital da pecuária liderou alertas na Amazônia
Segundo Tasso Azevedo, em grande parte isso se deve à expansão do agronegócio. Ele diz que no Cerrado se observa menos a expulsão de população tradicionais de seus territórios, como ocorre na Amazônia:
— Essas comunidades enfrentam outro grave problema, que é a pressão da agropecuária sobre o meio ambiente. Para expansão dos plantios, principalmente de soja, são usados agroquímicos, geralmente pulverizados em grandes áreas, e isso traz consequências para as comunidades tradicionais, que podem ter fontes de água e solo contaminados.
Além do Cerrado, outros biomas registraram índices de desmatamento preocupantes. Em todo o território nacional foram identificados e validados 56.867 alertas de desmatamento. Em área, 3.339 hectares de vegetação nativa derrubados por dia. Ou um Parque do Ibirapuera por hora.
Em média, foram detectados no ano passado 156 novos eventos de desmatamento por dia, com uma velocidade média de 0,28 hectare diários em cada evento. Dos 5.570 municípios do país, 1.734 tiveram pelo menos um alerta de desmatamento em 2019, o que representa 31% do total.
Um grupo de apenas cinquenta municípios responde por 44% dos alertas e 50% da área desmatada no Brasil. O ranking é liderado por Altamira (PA), que teve a maior área desmatada detectada em 2019, somando 54 mil hectares. São Félix do Xingu, também no Pará, foi o município com o maior número de alertas: 1.716. Quase cinco por dia.
Os estados que apresentaram a maior quantidade de eventos de desmatamento foram Pará (18,5 mil), Acre (9,3 mil), Amazonas (7 mil), Rondônia (5,3 mil) e Mato Grosso (4,7 mil). Em relação à área desmatada, os estados que concentraram os piores indicadores foram Pará (299 mil hectares), Mato Grosso (202 mil hectares) e Amazonas (126 mil hectares). Os três estados responderam por pelo menos metade de toda área desmatada detectada no Brasil em 2019.
Esses desmatamentos estavam autorizados? Não: a quase totalidade dos alertas em 2019 (99% deles) não possuíam autorização para supressão de vegetação nativa, o que sugere ilegalidade.
Fuente: Instituto Humanitas Unisinos