Desastre da Samarco: Economia da mineração e invisibilidade de atingidos pela tragédia
A primeira mesa de debate do seminário "O Desastre da Samarco: balanço de seis meses de impactos e ações", que aconteceu nos dias 5 e 6 de maio em Minas Gerais, reuniu três pesquisadores e uma moradora da comunidade de Paracatu de Cima, que sofreu graves danos devido à barragem.
Os três pesquisadores envolveram-se desde cedo com a tragédia e apresentam estudos ainda em andamento. Segundo o mediador e pesquisador da Fiocruz Minas Léo Heller, um fator comum aos três participantes é a noção de que “a ciência não é neutra”. “Todos trabalham com a ideia de que a ciência tem lado”, comentou. “No caso em questão, esta precisa estar do lado dos atingidos”.
O primeiro palestrante, o engenheiro da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez, apresentou um estudo realizado em conjunto com mais seis pesquisadores sobre aspectos econômicos e institucionais do setor minerário. Milanez demonstrou como o rompimento de barragens faz parte da própria estrutura do setor, com intrínseca relação entre a expansão da indústria e os desastres. O estudo constatou que, dois ou três anos após o pico de cada ciclo do setor, aumentam os rompimentos de barragens. A tese de seu grupo é a de que, passadas as épocas de vacas gordas, as mineradoras passam por pressões para reduzir os custos, cortando então seus gastos operacionais.
Milanez trouxe também dados sobre os lucros da Samarco, mostrando que, desde 2009, 100% de todo o lucro líquido da companhia foi repassado a acionistas. Para crescer, a empresa criava dívidas, adquirindo um passivo correspondente a 60% de seu patrimônio. O pagamento dessas dívidas, segundo o pesquisador, geraria a insegurança operacional que produz desastres como o da barragem de Fundão, uma vez que, ao invés de mexer no que é passado a acionistas, a mineradora diminuiria os parâmetros de segurança. “A empresa precisa pagar por esses empréstimos. Como elas os reduz? Onde mexeu para diminuir os custos? O que vemos é que há um aumento das taxas de acidente de trabalho exatamente quando eles são reduzidos”, disse.
Palestrante seguinte, a socióloga Andréa Zhouri, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fez exposição sobre as maneiras de classificação do desastre.
Zhouri explicou que diversas categorias estão em disputa no caso de Mariana: quem é atingido e quem não, por exemplo, ou se o que aconteceu foi um acidente, um desastre ou um crime. Segundo ela, cada uma destas classificações determinará quais serão as atitudes do Estado e da companhia responsável pelo desastre. “Há uma luta classificatória e simbólica em andamento”, apontou, usando como exemplo o fato de, após o rompimento, o Estado e as empresas envolvidas classificarem o ocorrido de ‘conflito socioambiental’. “Isto demonstra uma tentativa de naturalização do ocorrido”, destacou.
Zhouri afirmou também que o desastre continua a acontecer com seus desdobramentos, mantendo-se como uma “crise social crônica” (leia aqui) . Isto se manifesta, por exemplo, no conceito de atingido, que define quem deverá ou não ser indenizado. A socióloga criticou o tratamento imediato dado às vítimas, que foram submetidos a negociações sem amparo psicológico anterior. “Pessoas traumatizadas tiveram que se sentar de repente, sem condições psicológicas nem tempo de preparo político. Muitas pessoas nem sqeur sabiam que o que eram comissões e tiveram que se organizar muito rapidamente, com tecnologias políticas completamente alheias à cultura política local. Isto também configura uma violência”, criticou.
Depois de Zhouri foi a vez de Rafaela Dornelas, do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais (Organon) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), fazer uma apresentação resumindo relatório preliminar do grupo de estudo sobre impactos socioambientais imediatos do desastre (leia aqui). Dornelas falou sobre a situação de atingidos que tiveram suas vidas mudadas, como por exemplo uma comunidade que vivia da agricultura e da pesca de subsistência, e agora trabalha para a Samarco. “Viver da pesca e como empregado são coisas muito diferentes. Com a perda e contaminação das lavouras, a vida das pessoas muda por completo. Todos hoje têm dúvidas sobre o que está ou não está contaminado”, afirmou.
Última participante da primeira mesa, Maria do Carmo, moradora de Paracatu, fez relato emocionado sobre como viveu o dia 5 de novembro, quando teve sua casa atingida, e como tem vivido desde então. Maria contou sobre como, embora tenha perdido sua lavoura e seus animais, não foi considerada atingida em um primeiro momento. Após muita luta, tendo que mostrar fotos que provassem sua criação de animais e sua horta, a agricultora finalmente começou a receber um auxílio por descolamento físico e uma ajuda de custo. “Eu tinha tudo, da alface ao alho. Tinha leite de cabra, e conseguia por frutas, legumes, leite, ovo caipira e carne na mesa. Tudo com qualidade, nada com agrotóxico. Eu tinha o meu conforto”, afirmou. “Tive que provar para ter esse benefício, que não considero benefício, pois eu tinha minha renda de subsistência. Mas tem mais gente que foi mais atingida do que eu e não conta”, declarou.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos