Compra de terras agrícolas no Brasil por gigante americana gera polêmica
"Os documentos fornecem uma imagem de como um dos maiores grupos financeiros dos EUA participaram do que alguns nos países em desenvolvimento condenam como grilagem".
Como uma gigante americana do setor de investimentos que gerencia as economias de milhões de funcionários de universidades e escolas públicas e outras instituições, a Tiaa-Cref se orgulha de defender valores socialmente responsáveis e até mesmo celebra seu papel na elaboração dos princípios das Nações Unidas para a compra de terras agrícolas que promovem a transparência, a sustentabilidade ambiental e o respeito ao direito à terra. Mas documentos mostram que as incursões da Tiaa-Cref na fronteira agrícola brasileira podem ter ido em outra direção.
A gigante financeira americana e seus parceiros brasileiros têm aplicado centenas de milhões de dólares em negócios em terras agrícolas no cerrado, às margens da floresta amazônica, onde áreas arborizadas estão sendo destruídas para abrir caminho para a expansão agrícola, alimentando as preocupações ambientais.
O grupo financeiro americano e seus parceiros acumularam novas áreas de exploração de terras agrícolas, apesar de uma medida do governo do Brasil em 2010 para proibir efetivamente tais negócios em grande escala por estrangeiros.
Embora a medida tenha frustrado as ambições de outros investidores estrangeiros, a Tiaa-Cref prosseguiu em uma parte do Brasil repleta de conflitos de terra, expondo a empresa e seus parceiros a alegações de que eles adquiriram fazendas a partir de um especulador de terras acusado de empregar homens armados para roubar terras de agricultores pobres à força.
Os documentos fornecem uma imagem de como um dos maiores grupos financeiros dos EUA participaram do que alguns nos países em desenvolvimento condenam como grilagem. Respondendo em 2010 ao crescente interesse internacional nas terras do país, o Brasil limitou significativamente a aquisição de grandes áreas de terras agrícolas por estrangeiros.
Os investidores, por vezes, veem tais ofertas como forma de diversificar suas carteiras. Mas alguns funcionários do governo e ativistas alegam que o que acontece é a retirada de agricultores pobres, a transferência do controle dos recursos de produção de alimentos vitais para a elite global e a destruição de tradições agrícolas em troca de plantações industriais que produzem alimentos para exportação.
- Eu tinha ouvido falar de fundos estrangeiros que tentam contornar a legislação brasileira, mas algo nessa escala é surpreendente — disse Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária e conselheiro para membros do Congresso, referindo-se aos documentos sobre os negócios da Tiaa-Creef em áreas agrícolas do Brasil.
Alguns dos resultados estão em um novo relatório de pesquisadores da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, e da Grain, uma organização com sede em Espanha que rastreia compras globais de terra. Dados da Tiaa-Creef mostram que suas explorações de terras agrícolas no Brasil subiram para 633.391 acres no início de 2015, acima dos 257.877 acres em 2012, momento em que começou a elevar seus negócios por meio de uma joint-venture formada com a Cosan, a gigante brasileira de açúcar e biocombustíveis.
Stewart Lewack, porta-voz da Tiaa-Cref, concordou em rever vários aspectos da estruturação complexa dessas ofertas, mas se recusou a discutir as aquisições de terras agrícolas. Ele arranjou novas conversas com executivos da Cosan, que é controlada por Rubens Ometto, um bilionário cuja família está na indústria do açúcar desde a década de 1930.
“A Cosan tem 70 anos de história gerenciando terras agrícolas n Brasil e está comprometida com altos padrões de investimento responsável por meio das entidades que controla”, disse uma porta-voz da Cosan por meio de nota.
As duas empresas começaram a comprar terras agrícolas no Brasil em 2008, após formar uma joint-venture chamada Radar Propriedades Agrícolas, dividida em 81% para a Tiaa-Cref e 19% para a Cosan. Enquanto a Cosan diz às autoridades brasileiras que controla o grupo por meio de seus assentos no conselho de administração, a Tiaa-Cref lista a Radar entre suas “afiliadas de propriedade majoritária”.
Em 2010, cresceu o cerco do Brasil à aquisição de terras agrícolas por estrangeiros, que se desenrolou em um momento de crescente nacionalismo em relação aos recursos naturais do país, destacado por seus esforços para reivindicar um maior controle sobre a indústria de energia.
Na agricultura, a mudança envolvia limitar a venda de terras agrícolas a estrangeiros para cerca de 12 mil acres, impedindo-os de possuir mais de 25% da terra de qualquer município e colocando limites sobre as subsidiárias brasileiras de grupos estrangeiros.
- Esses movimentos acionaram os freios sobre o investimento estrangeiro em terras brasileiras — disse Kory Melby, um americano que aconselha os investidores na agricultura brasileira.
Mas em vez de reduzir sua presença, a Tiaa-Cref intensificou suas aquisições de terras agrícolas no Brasil, com foco, em grande parte, na fronteira dos estados de Maranhão e Piauí. Em 2012, a empresa iniciou um fundo global focado na compra de terras agrícolas em Brasil, Austrália e Estados Unidos, atraindo investimentos de fundos de pensões suecos e canadenses.
José Minaya, executivo da Tiaa-Cref que supervisiona as explorações de campos agrícolas do grupo, defende tais investimentos, dizendo que eles são uma forma de adquirir um “recurso finito” em um momento de crescente demanda global de alimentos.
“O Brasil oferece-nos a diversificação por cultivo e pelo clima”, disse Minaya a investidores em um vídeo sobre a compra de terras agrícolas no maior país da América Latina.
Devido aos limites de 2010 ao investimento estrangeiro, a Tiaa-Cref e seus parceiros brasileiros criaram uma joint-venture para comprar terras agrícolas. O grupo americano detém uma participação de 49%, com a Cosan ficando com 51%, de acordo com dados enviados aos reguladores brasileiros.
Enquanto a nova empresa aparece no papel como uma companhia separada, na prática, parece ser em grande parte indistinguível da anterior. Eles compartilham muitos dos mesmos funcionários e executivos que trabalham fora dos escritórios na Av. Juscelino Kubitschek, em São Paulo, de acordo com pessoas familiarizadas com as operações.
Além disso, há o financiamento para as aquisições de terras agrícolas provenientes sobretudo de subsidiárias da Tiaa-Cref, com um tipo de empréstimo que pode ser convertido em ações, de acordo com dados enviados aos reguladores. Os pesquisadores da Grain argumentam que essa estrutura corporativa torna possível para a Tiaa-Cref esconder o controle que exerce sobre as fazendas adquiridas.
“Eles podem dizer o que quiserem sobre o controle, mas a questão é que” essas estruturas “só foram criadas para servir o propósito de canalizar fundos da Tiaa-Cref em terra brasileira”, disse Devlin Kuyek, pesquisador sênior da Grain.
Em comunicado, a Cosan contesta essa visão: “Em todas as suas aquisições”, a joint-venture “segue estritamente a legislação em vigor”.
Ativistas não acusam a Tiaa-Cref e a Cosan de desmatar as áreas arborizadas. Em vez disso, dizem que as empresas compraram terras que já haviam sido tornadas clareiras por especuladores que podem ter usado táticas cruéis. O relatório da Grain mostra como a Tiaa-Cref e a Cosan parecem ter comprado fazendas controladas por Euclides de Carli, descrito como uma figura sombria por legisladores, pesquisadores e agricultores brasileiros e um dos mais poderosos grileiros dos estados de Maranhão e Piauí.
No caso de Carli, estudiosos brasileiros dizem que ele fez dezenas de famílias saírem de suas fazendas, usando táticas como a destruição de colheitas e queimando a casa de um líder comunitário. Um legislador de destaque no Maranhão também acusou Carli de orquestrar o assassinato de um trabalhador rural devido a disputa de terras.
Carli, que tem sido o foco de investigações oficiais por suas compras de terras, não respondeu aos pedidos de entrevista. Em nota, a Cosan reconheceu que sua joint-venture com a Tiaa-Cref comprou terras controladas por Carli, mas insistiu que uma revisão exaustiva nos níveis federal, estadual e municipal não encontrou “qualquer ação penal em nome do senhor Euclides de Carli”.
“A avaliação conduzida”, disse a Cosan, “precisa observar documentos oficiais e informações que fundamentam a segurança da aquisição”.
Mas promotores familiarizados com Carli expressaram surpresa que investidores proeminentes tenham prosseguido com o negócio quando uma simples pesquisa na internet revela uma longa lista de acusações contra Carli por apropriação de ilegal de terras.
- Euclides de Carli é um dos principais grileiros da fronteira agrícola do Brasil — disse Lindonjonson Gonçalves de Sousa, um promotor que investigou Carli e seus negócios com terras. — Não é segredo para ninguém que ele aparece com destaque nos conflitos da região de terra.
- Foto Reprodução.
Fonte: Extra Globo