Cerrado, o front do agronegócio e dos conflitos de terra no Brasil
A expansão do agronegócio para o Cerrado não tem o desmatamento como única consequência. Os conflitos também aumentaram. É o que mostra o relatório Conflitos no Campo Brasil 2016, lançado no dia 17 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O documento traz uma análise específica do tema, intitulada ‘Os Cerrados e os Fronts do Agronegócio no Brasil’ e elaborada por pesquisadores do Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense.
Os conflitos em todos os estados abrangidos pelo Cerrado aumentaram mais do que a população dessas áreas. Esses territórios contêm 14,9% da população do país, mas registraram 24,1% do total dos conflitos. O relatório da CPT mostra que o número de conflitos é 67% maior do que a população do bioma:
– É interessante observar que, a partir de 2010, nos Cerrados, o número de localidades em conflito permanece acima da média, com exceção de 2015. Isto indica tendência de intensificação dos conflitos, que se agrava em 2016 com o preocupante registro de 250 conflitos, nos Cerrados.
Menina dos olhos do agronegócio:
O relatório destaca o aumento da produção agropecuária no cerrado, em especial a de soja. O sul do Brasil, até o início dos anos 2000, era responsável por 38,5% da produção nacional de soja. Entre 2012 e 2016, esse número caiu para 34,5%. Em contrapartida, a produção no Cerrado aumentou de 50,8% para 57,1% no mesmo período, como destaca a CPT.
Os pesquisadores contam que, de 12,9 milhões de hectares de terras plantadas a mais desde 2000, a região Sul contribuiu com 27,2% do total. Quase dois terços (65%) estavam nos “Cerrados”, definidos como a região Centro-Oeste mais o Matopiba, Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí. As outras regiões participaram com os demais 7,8%.
Levando em conta o volume de produção, o fenômeno continuou sendo observado pelo estudo da UFF: a região Sul contribuiu com 30,9% do aumento total da produção de soja, enquanto o Cerrado contribuiu com 64,2%. As demais regiões, 4,9%.
“A conquista do Oeste”
A marcha para o oeste ganha destaque no relatório. Os pesquisadores assinalam que o caráter moderno-colonial do capitalismo brasileiro remonta à Era Vargas, mas se afirmou com o projeto geopolítico simbolizado na construção de Brasília, “que pôs à disposição do capital estradas, comunicações e energia para avançar sobre o Planalto Central brasileiro, principalmente sobre os Cerrados e, a partir daí, sobre a Amazônia”.
O estudo nega que o aumento da produção esteja relacionado à tecnologia. O que ocorreu foi o aumento da área plantada. A ênfase atribuída à produtividade – presente no discurso do agronegócio – acaba por anular o segundo fator dessa equação, “a expansão e conquista de terras”.
A produção média das safras dobrou, no período 2012-2016, em relação ao período 2000-2004. “De modo geral, tal crescimento é atribuído aos avanços tecnológicos do agronegócio, que se materializariam no aumento da produtividade”, dizem os pesquisadores. De fato a produtividade entre um período e outro aumentou em 11,6%. “Mas a área plantada mostrou um avanço espetacular, de 77%”.
Camponeses expulsos:
E aumentou a expulsão no campo. O relatório da CPT mostra que, entre 2000 e 2010, em todos os biomas brasileiros, com exceção da Amazônia, onde houve um aumento de 420 mil pessoas, a população rural diminuiu. Uma diminuição de 350 mil pessoas na Caatinga, de menos 100 mil nos Cerrados e nos Pampas e menos 2 milhões de pessoas na Mata Atlântica.
O relatório pontua que, no Cerrado, a agricultura mecanizada do agronegócio causa a expulsão e a retração da atividade humana no campo. Pois não gera emprego. “É uma agricultura sem agricultores”, conforme a definição do economista argentino Miguel Teubal.
Os dados da CPT vão ao encontro de informações divulgadas pelo Atlas Agropecuário, do Imaflora e do GeoLab (Esalq-USP): a abrangência de latifúndios na região Centro-Oeste, que tem 75% do seu território formado por grandes propriedades. No Mato Grosso do Sul, que lidera a abrangência de terras privadas no Brasil (92%), 83% dessas terras são latifúndios.
A Comissão Pastoral da Terra destaca o quanto os conflitos afetam as populações tradicionais, sobretudo de povos indígenas e comunidades quilombolas, camponesas e extrativistas:
– Esse padrão de acumulação não produz somente grãos, mas também produz muitos sem-terra.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos