Carta aos Ministros: justificativas para a adoção da expressão “contém OVMs”

Car@s Amig@s: segue abaixo a íntegra da carta que entidades da sociedade civil enviaram na última sexta-feira aos ministros que compõem o Conselho Nacional de Biossegurança. No documento as organizações contestam os argumentos usados pelo agronegócio para impedir o avanço do Protocolo de Biossegurança e pedem que o governo brasileiro assuma posições em defesa do princípio da precaução e da conservação da biodiversidade.

O 3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena de Biossegurança (MOP 3) começa no próximo dia 13, em Curitiba.

Srs. Ministros,
Com a aproximação da realização do Terceiro Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena (COP-MOP 3), aproxima-se também o momento de o governo brasileiro definir quais posições irá defender nas negociações. As expectativas com relação a essas decisões são grandes não só pelos efeitos que elas proporcionarão, mas também porque o Brasil será o anfitrião do encontro e, principalmente, porque há pouco mais de seis meses, na COP-MOP 2, a delegação que representou o País em Montreal impediu o avanço das negociações por falta de posição.

Acredita-se que dificilmente o Brasil, nas condições citadas acima, seguirá com seu desgaste diplomático de se manter isolado alinhado apenas à Nova Zelândia e contrariar as demais 127 Partes do Protocolo que querem avançar nas definições de regras internacionais de biossegurança aplicadas ao movimento transfronteiriço e uso de organismos vivos modificados.

Argumentação contraditória: Internamente, diferentes entidades ligadas ao agronegócio vêm trabalhando no sentido de criar junto a seu público uma expectativa negativa em relação ao Protocolo. O principal argumento usado pelo setor é o de que o Brasil é o único grande exportador de commodities agrícolas que ratificou o Protocolo, ficando de fora Argentina e Estados Unidos, seus principais competidores. Também se diz que o setor será negativamente impactado caso o País defenda regras claras para a identificação de carregamentos de grãos com transgênicos.

A posição das entidades representativas dos grandes agricultores é, no mínimo, contraditória. Do ponto de vista comercial, tão importante quanto olhar para o concorrente ao lado, é saber o que diz o mercado consumidor. No caso brasileiro, da China e Coréia a países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita e o Irã, passando por 38 países europeus, todos os nossos principais compradores são parte do Protocolo, ou seja, acreditam que deve haver mecanismos de proteção que garantam a segurança do transporte, do uso e da manipulação de produtos transgênicos, que podem apresentar impactos adversos à saúde humana e ao uso sustentável da biodiversidade. Ademais, apesar de ser grande exportador, o Brasil também importa produtos agrícolas, inclusive milho e soja. Mesmo considerando as diferenças de volumes nestas operações, não poderemos querer trabalhar com um padrão de exigência em termos de informação para fora e outro para dentro. Além disso, diz o Protocolo que a relação entre Partes e não-Partes deve ser consistente com os objetivos do Protocolo, abrindo espaço para que os países importadores exijam informações tanto do Brasil como de nossos concorrentes não-Partes.

Os dados apresentados pelas entidades do agronegócio apontando incrementos significativos nos custos da cadeia produtiva caso se adote a posição “contém OVMs”, além de superestimados, não são claros e de forma geral misturam custos de identificação, segregação e rotulagem e os valores que se aplicariam às cadeias de soja e milho, que são bastante diferentes.

O Protocolo é claro ao tratar da identificação do conteúdo de OVMs nos produtos exportados dirigidos ao consumo humano, animal ou para processamento. Ele não fala em segregação nem em rastreabilidade dos produtos. Tudo indica que exista uma confusão entre as exigências de alguns países importadores de indicação das quantidades de OVMs contidos nas cargas exportadas e a indicação de quais OVMs estão contidos nestas cargas exigida pela fórmula do Protocolo “contém OVMs”. Ademais, a segregação só incide sobre as exportações não contendo OVMs e a cadeia do agronegócio já vem se adaptando a estas exigências, tanto aqui como nos EUA (no caso das exportações de milho para a UE).

No caso da produção de transgênicos, deve-se considerar que para a soja Roundup Ready, já há um sistema de rastreabilidade implementado no País que visa o recolhimento de royalties. Ou seja, o uso de sementes patenteadas traz consigo a lógica da rastreabilidade, seja para a venda da semente, seja para o controle do destino da produção. O caso da soja RR ilustra bem essa situação.

Custos para se adequar ao Protocolo: No caso da identificação que pede o Protocolo, segundo informações da certificadora Genescan, gasta-se 240 dólares para se amostrar e analisar um porão de 5.000 toneladas de um navio graneleiro pelo método PCR qualitativo. Se reduzirmos ao custo por tonelada, chegamos a 4,8 centavos de dólar. É claro que o número de análises dependerá do número de eventos que possam estar contidos na carga. No caso da soja, atualmente, apenas um evento pode ser encontrado, mas o milho argentino, por exemplo, pode conter 6 eventos.

O custo de retenção de um navio enquanto a análise é feita é calculado em 27,5 mil dólares por dia, em média. O tempo necessário para a análise PCR qualitativo é de 1,5 dia, ou seja, 41,25 mil dólares por navio. Os navios graneleiros carregam, em média, 25 mil toneladas e o custo deste atraso fica em 1,65 dólar por tonelada. No entanto, Genescan informa que o procedimento normal não é de reter os navios até a apresentação do resultado da análise e sim o seu envio posterior ao navio e ao porto de destino.

Se acrescentarmos o custo da análise ao preço da tonelada de soja (209 dólares por tonelada FOB), por exemplo, o acréscimo seria da ordem de 0,023%. Multiplicado pelo volume de soja embarcada no ano passado o custo total da análise do conteúdo em OVM seria de pouco mais de um milhão de dólares. Se considerarmos os outros fatores que incidem no “custo Brasil” este seria dos menos significativos. As perdas no transporte entre as zonas produtoras e os portos, estimado em 20% do volume deslocado, é infinitamente maior, 1.150.000.000,00 dólares ou 1.150 vezes o custo das análises.

Todas estas informações comprovam que os argumentos das organizações de produtores são absolutamente sem fundamento, deixando transparecer apenas um interesse não justificado na desregulamentação da legislação sobre identificação.

Remediar é muito mais caro: No entanto, em que pese o fato de que a posição brasileira deve considerar os aspectos econômicos relacionados à implementação de qualquer acordo internacional, há que se salientar ainda que o Protocolo de Cartagena é um acordo internacional destinado a estabelecer regras sobre biossegurança.

As organizações da indústria e do agronegócio deveriam preocupar-se com os custos que a insuficiência de informações sobre biossegurança podem ocasionar, como por exemplo, a retirada do mercado de alimentos de um evento de modificação genética não autorizado para consumo humano. Nos Estados Unidos foi necessário retirar os produtos fabricados a partir do milho Starlink, cuja aprovação era apenas para consumo animal. Uma matéria publicada em 2001 na revista Nature estimou em USD 1 bilhão o custo para a indústria de alimentos tirar de circulação o milho Starlink.

Assim, a informação precisa sobre o conteúdo de um carregamento, por um lado, permite a implementação de outros mecanismos do Protocolo e, por outro, impede que medidas de biossegurança e de responsabilização por danos sejam significativamente encarecidas, senão inviabilizadas. No caso do milho Starlink a empresa Aventis assumiu os prejuízos. O que dizer se este incidente resultasse de um carregamento que podia conter 6 ou 7 diferentes variedadaes de milho? Quem seria responsabilizado nesse caso?

Não podemos crer que o uso comercial de produtos resultantes da biotecnologia seja incompatível com a implementação de medidas de biossegurança. Estas só poderão ser tomadas pelos países caso a identificação dos produtos transportados seja clara e precisa.
Pela identificação clara e precisa: A expressão “pode conter OVM”, ainda que associada a informações genéricas sobre os OVMs liberados no país exportador é insuficiente, tendo em vista que cada pais possui especificidades ecológicas, econômicas e sociais que faz com que a produção de determinados OVMs seja permitida em alguns países e em outros não.

A informação que contempla as medidas de biossegurança que o próprio Protocolo exige é aquela que além de identificar precisamente os OVMs a serem transportados, contempla também informações sobre análise de risco e medidas de biossegurança a serem adotadas em seu transporte, uso e manipulação.

Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil acompanharão atentamente as negociações em Curitiba e esperam que o governo brasileiro colabore para que o Protocolo de Cartagena seja implementado.

Por isso, senhor ministro, as entidades que subscrevem esta carta contam com o senhor para que a posição brasileira seja pela adoção da expressão “contém OVMs”, que é coerente com a legislação brasileira e com o espírito do Protocolo de Cartagena.

Atenciosamente,
AAO Associação de Agricultura Orgânica
AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa
Greenpeace
IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
PJR Pastoral da Juventude Rural
Terra de Direitos

Comentarios