Brasil: transgênicos, desafios em busca do equilíbrio de posições

Por NEAD
Idioma Portugués
País Brasil

No dia 27 de fevereiro, o Senado aprovou a MP 327, que trata da redução da extensão das zonas de amortecimento – as áreas de contenção entre plantações de transgênicos e Unidades de Conservação

Duas emendas, no entanto, foram embutidas na proposta original: uma reduz para maioria absoluta o quorum exigido para a liberação comercial de organismos geneticamente modificados (OGMs) na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – ou seja, 14 votos, quando, pela regra em vigor, são necessários 18; a outra autoriza o uso do algodão transgênico plantado ilegalmente na safra de 2006.

Já no próximo dia 20 de março, a CTNBio vai realizar uma audiência pública em Brasília sobre a liberação de sete variedades de milho geneticamente modificado. Esses acontecimentos recentes, que têm acirrado os embates na Comissão entre os membros favoráveis e contrários à liberação dos transgênicos no país, abrem espaço para uma reflexão mais ampla sobre biossegurança.

Magda Zanoni, pesquisadora do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), é a representante do Ministério do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na CTNBio. Para ela, a aprovação da MP 327 descaracteriza a Lei de Biossegurança, aprovada em 2005. “O princípio de precaução não está sendo observado”, afirma.

A Lei e o princípio de precaução

A Lei de Biossegurança de março de 2005 estabeleceu normas para a liberação de novas variedades transgênicas no Brasil, tendo como diretrizes “o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio de precaução para a proteção do meio ambiente”. A mesma lei criou o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e estabeleceu a retomada de funcionamento da CTNBio.

O princípio da precaução contido na Lei prevê que, quando houver dúvida sobre o potencial prejudicial de uma determinada ação sobre o ambiente, deve-se evitar a ação. O algodão plantado ilegalmente em 2006, e cuja comercialização é autorizada pela MP 327, tem sementes de origem desconhecida. Sua destruição, inclusive, foi recomendada por um parecer unânime da CTNBio no ano passado. O caso da redução do quorum necessário para a comercialização de OGMs também indica a não-observância do princípio da precaução. “À medida que a Comissão leva em conta um número maior de visões e opiniões, ela dá mais valor ao princípio de precaução, e o contrário acontece se esse for reduzido”, opina Maria Rita Reis, advogada da organização não-gorvernamental Terra de Direitos.

A CTNBio

De acordo com Magda Zanoni, na CTNBio são organizadas instruções normativas em função dos diferentes procedimentos necessários à liberação. Numa primeira etapa, ela atribui o certificado de qualidade de biossegurança aos laboratórios em função do respeito às normas estabelecidas. A CTNBio também fiscaliza as Comissões Internas de Biossegurança (CIBios), que devem ser constituídas em todas as entidades que utilizarem técnicas e métodos de engenharia genética. Após o recebimento e confirmação das atividades de determinada instituição, a CTNBio vai autorizar a etapa da liberação planejada no meio ambiente. “Essa liberação compreende os ensaios que a unidade de pesquisa demanda para implementar a trasngenia numa parcela específica e apreciar como a semente transgênica se desenvolve. Normalmente, são utilizados parâmetros de nível agronômico, de produtividade”, explica.

Para a pesquisadora, a etapa da liberação planejada, que é anterior à liberação comercial, é muito curta e não fornece os dados suficientes a um diagnóstico seguro. “Essa fase acontece no tempo de uma ou duas colheitas da cultura em questão. Além disso, muitas vezes uma semente aprovada em experimento no Rio Grande do Sul, por exemplo, é transportada para ser plantada em larga escala no Tocantins, mas as condições ambientais não são as mesmas nas duas regiões, então, como podemos mensurar?”

A proposta do grupo “minoritário” que compõe a CTNBio, formado por representantes de três Ministérios e representantes da sociedade civil, é que seja feito um monitoramento ambiental mais amplo durante a etapa da liberação planejada. Segundo Magda Zanoni, essas discussões estão no início, mas há a indicação de um acordo entre os membros da Comissão em relação a esse protocolo. “A questão que se coloca é qual é a responsabilidade dos cientistas frente às suas descobertas, e os impactos que elas trazem a curto, médio e longo prazo para as sociedades e meio ambiente. Outro aspecto que deve ser levado em conta nas exigências para a aplicação do princípio de precaução é a questão do tempo. O tempo ambiental, da natureza, não obedece regras mercadológicas”, diz.

A próxima reunião da CTNBio acontece no dia 22 de março. Na pauta, está a liberação comercial de seis espécies transgênicas de milho, três de algodão e uma de arroz.

Saiba mais sobre a MP 327

A medida provisória veta o cultivo de transgênicos em terras indígenas e na maioria dos tipos de unidades de conservação (UCs). Permite, no entanto, nas áreas de proteção ambiental (APAs), um desses tipos de unidade de conservação, e na zona de amortecimento (faixa de proteção, cuja largura varia) das outras UCs.

De acordo com a MP, ficará a cargo do Poder Executivo estabelecer os limites para o plantio desses vegetais nas áreas que circundam essas unidades, até que seja fixada sua zona de amortecimento e aprovado seu plano de manejo, que define as atividades permitidas ali.

O Decreto 5.950, que regulamenta a medida provisória, estabelece provisoriamente a distância mínima de 500 metros para a soja modificada e de 800 metros para o algodão modificado, em relação à unidade de conservação. No caso do algodão, a distância exigida passa para 5 quilômetros caso haja variedade silvestre da planta na unidade próxima. O decreto foi publicado em novembro, quando o governo enviou a MP ao Congresso.

Após a aprovação no Senado, a MP segue agora para a sanção presidencial, onde pode ser aprovada ou vetada.

Fuente: NEAD

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