Brasil: segurança alimentar: governo favorece transgênicos
Entrevista com Rubens Nodari, gerente de recursos genéticos da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente
A ausência de uma política nacional de biossegurança leva o governo a agir de "forma conjuntural", na opinião do gerente de recursos genéticos da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Rubens Nodari. De acordo com ele, o governo não tem diretrizes nem princípios orientadores das ações de governo, dificultando "que se consiga avançar de forma soberana". Para o especialista, a liberação dos transgênicos atende a interesses econômicos de poucos e vai fazer com que toda a indústria de alimentos tradicionais daquela espécie entre em colapso: "Quem vai ganhar dinheiro é basicamente a empresa que vai licenciar a tecnologia, cobrar a patente e ainda vai vender o herbicida para o agricultor". Nodari afirma que houve um fortalecimento da bancada ruralista "nos últimos tempos" em função de duas grandes safras, "que aumentaram o poder do agronegócio e elegeram deputados". Com o dinheiro que ganha, o agronegócio "tenta sensibilizar" o governo, a sociedade e os órgãos de comunicação, que segundo o especialista, "estão comprados".
Brasil de Fato - Como o senhor avalia a medida da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que autorizou a comercialização de sementes transgênicas de algodão sem análise?
Rubens Nodari - Nós já conhecíamos essa face da CNTBio de ser pouco rigorosa nas questões de liberações comerciais. Houve o episódio da soja, que a liberação exigia estudos de impacto ambiental, e não foi feito. Tem o caso de uma vacina para aves liberada este ano, para a qual também não foram feitos estudos ambientais, embora o Ministério do Meio Ambiente tenha pedido. O episódio do algodão se soma a tantas outras medidas que explicitam o ponto de vista operacional e de concepção da CNTBio.
BF - Casos como do algodão e outros que o senhor citou mostram que não há uma política soberana em relação à biossegurança?
Nodari - Não há uma política nacional de biossegurança. O próprio governo age de uma forma conjuntural, tentando resolver um problema agora, outro depois. Não temos diretrizes, princípios, orientadores das ações de governo, uma política que indique os principais pressupostos, quais os instrumentos, onde queremos chegar. Como isso não está posto, acaba se refletindo sobre as nossas discussões e ação dentro do governo, que se torna lenta e divergente dentro do ministério. Por outro lado, o governo não tem apoiado financeiramente a realização de pesquisas por um grupo de cientistas independentes. Com isso, é difícil que se consiga avançar de uma forma soberana, de uma forma equilibrada com a questão da biossegurança.
BF - Os movimentos sociais e entidades ambientalistas acreditam que tem prevalecido uma "política do fato consumado".
Nodari - Se o caso do algodão seguir o caminho da soja, temos dois eventos inequívocos que suportam essa hipótese. Com a ausência de uma política, temos um espaço para o fato consumado que está ocorrendo.
BF - Os interesses econômicos estão prevalecendo sobre os interesses da sociedade?
Nodari - Sim, os interesses econômicos de poucos. Quem vai ganhar dinheiro é basicamente a empresa que vai licenciar a tecnologia, cobrar a patente e ainda vender o herbicida para o agricultor. As empresas querem abarcar o setor excedente e tornar isso um oligopólio, pois o setor ainda não está oligopolizado. É uma tentativa dessas indústrias. Pode existir diferenças pontuais de uma empresa para outra, mas no conjunto, têm interesses muito similares.
BF - Com a liberação da soja transgênica, quais são as conseqüências para a soberania alimentar e para a economia?
Nodari - Primeiro é uma ameaça porque a liberação dos transgênicos vai fazer com que toda a indústria de alimentos tradicionais daquela espécie entre em colapso. Isso aconteceu na Argentina e nos Estados Unidos. Hoje, se um produtor na Argentina quiser comprar uma semente de soja não transgênica, não vai encontrar. Segundo, o custo da produção vai aumentar. Terceiro, o controle dos transgênicos não é feito pela União, mas pelas empresas, e isso é uma ameaça. Um quarto ponto é que com essa "febre" os agricultores podem passar a se dedicar mais a essas commodities, e não àquilo que precisamos comer no dia-a-dia.
BF - E para o meio ambiente, quais seriam as conseqüências?
Nodari - No sistema convencional, os agricultores não conseguem eliminar todas as ervas daninhas e há muitos insetos que se alimentam dessas plantas, e não da soja. Na lavoura transgênica, a aplicação do herbicida mata todas as outras plantas não transgênicas. Se tiver um inseto ali, ele acaba não tendo o que comer e alimentando-se da própria soja. Aos poucos, pode se tornar uma nova praga, adaptada para se alimentar da soja. Além disso, há uma ameaça de contaminação. Não existe convivência de transgênico e não transgênico sem contaminação. Se a soja transgênica resistente ao herbicida Roudup é plantada a poucos metros de distância de lavouras convencionais é sufi ciente para que ocorram cruzamentos entre ambas, pois a taxa de cruzamento entre variedades de soja pode chegar a 3%. Nos Estados Unidos, está ocorrendo uma diminuição da produtividade da soja transgênica em 4% nos últimos anos. Existem efeitos no ambiente que demoram a aparecer.
BF - Como o senhor vê o desrespeito à legislação brasileira por parte da Monsanto ao introduzir soja no Brasil via contrabando?
Nodari - Não é só da Monsanto. Todas as empresas têm feito um lobby muito grande, não só para liberar os transgênicos.
BF - Para os movimentos, o governo está cedendo às pressões da bancada ruralista.
Nodari - A bancada ruralista se fortaleceu muito nos últimos tempos em função de duas grandes safras que aumentaram o poder do agronegócio e elegeram deputados. Além disso, com o dinheiro que essas empresas do agronegócio ganham, tornam-se mais robustas e tentam sensibilizar o governo, a sociedade, e os órgãos de comunicação, que estão visivelmente comprados. É uma campanha muito bem orquestrada. E hoje, por exemplo, as empresas criaram organizações não-governamentais que estão fazendo propaganda das empresas de biotecnologia. É uma operação bastante agressiva que ocorre em todos os níveis de governo, sociedade, produtores, no Congresso Nacional. Eles estão bem organizados e com muito dinheiro.
A entrevista com o gerente de recursos genéticos da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente foi feita antes da aprovação do Senado, dia 21 de dezembro, da medida provisória que regulariza o plantio e a comercialização da soja transgênica para a safra de 2005.
Fonte: Jornal BRASIL DE FATO