Brasil: "seguiremos organizando o povo para a luta"

Idioma Portugués
País Brasil

Joba Alves, da coordenação nacional do MST, faz um balanço político das lutas do Movimento em 2009 e elenca os desafios para 2010. "Em 2009, fizemos grandes jornadas de lutas e mobilizações que recolocaram a Reforma Agrária na pauta do governo e da sociedade".

Apontamos que a democratização da terra era e é a saída para a crise e, como consequência, enfrentamos diversas ofensivas e tentativas de criminalização por parte do inimigo - cujas tentativas de desmoralização culminaram na instalação de uma CPMI contra a Reforma Agrária.

Joba Alves, da coordenação nacional do MST, faz um balanço político das lutas do Movimento em 2009 e elenca os desafios para 2010.

Confira a entrevista.

Quais foram os principais focos da luta do movimento este ano? Por quê?

Nossa atuação se deu centrada em trazer para a pauta do governo e da sociedade a Reforma Agrária, que estava sendo pouco debatida na agenda política e praticamente abandonada pelo governo como política pública.

O governo fez uma opção pelo agronegócio como modelo de desenvolvimento para o campo brasileiro e mantém a realização da Reforma Agrária como resolução de conflitos sociais isolados.

Fizemos lutas pelo assentamento das mais de 90 mil famílias acampadas. Além disso, reivindicamos a recomposição do orçamento da Reforma Agrária, que sofreu cortes pelo governo que alegou ser por conta da crise econômica.

Como parte da luta, exigimos a atualização dos índices de produtividade que há mais de 30 anos estão desatualizados. Isso impulsionou o acirramento com o latifúndio.

Também faz parte das nossas reivindicações uma melhor política de desenvolvimento para os assentamentos. Neste aspecto, as nossas lutas cumpriram um papel fundamental, tanto do ponto de vista da força que demonstrou no acampamento em agosto, quanto pela articulação junto à sociedade, imprescindível nas conquistas.

Mantivemos o enfrentamento às transnacionais da agricultura, que avançam no controle da produção, do território e dos recursos naturais, travestidas de agronegócio.

Na luta política, contribuímos em temas como o da crise financeira, fazendo um amplo debate com forças da classe trabalhadora para tirar um entendimento comum sobre a crise e seus efeitos, além de uma agenda comum de lutas dos setores populares do país, visando uma unidade entre os diversos movimentos sociais.

Defendemos também o controle popular e nacional sobre os recursos naturais (e a estratégica função que cumprem para a conquista da nossa soberania), que se expressou na campanha em defesa do petróleo, onde contribuímos na articulação de um caráter nacional.

Tivemos também uma importante atuação em defesa do ambiente e participamos de articulações com diversos setores contra mudanças devastadoras propostas pelo agronegócio no Código Florestal. Entendemos que a destruição da legislação ambiental causará uma maior degradação da natureza para beneficiar a expansão do agronegócio.

Qual o balanço do processo de Reforma Agrária neste ano? Houve algum avanço?

Tivemos vitórias políticas simbólicas, mas houve pouco avanço no campo econômico. Do ponto de vista das desapropriações, não há o que comemorar. Não houve um número significativo de famílias assentadas. Ao contrário, foi o pior ano em conquista de assentamentos - praticamente não houve nada.

As nossas conquistas se deram no campo político, como a conquista do compromisso do governo em atualizar os índices de produtividade - uma reivindicação histórica dos movimentos de luta pela Reforma Agrária no país.

A desapropriação da fazenda Nova Alegria, em Felisburgo, além de representar uma conquista por toda história e simbologia, traz um novo precedente importante para as desapropriações de terras no país com a utilização do critério da função social ambiental. Isso era coisa até então inédita no país e que pode possibilitar novas desapropriações.

Outra vitória no campo político foi a conquista da área da Syngenta no Paraná, que impôs uma derrota às transnacionais e que leva o nome do nosso companheiro Keno, que marca a história de resistência.

São simbólicas também as condenações sofridas pelo Estado brasileiro na OEA, que confere uma derrota moral não só aos latifundiários (que a depender da parte mais poderosa da Justiça brasileira se manterão impunes), mas ao conjunto das instituições brasileiras que criminalizam os movimentos sociais e agem com parcialidade.

Significa um reconhecimento internacional às perseguições impostas às lutas populares por setores do Estado brasileiro. Nesse mesmo sentido, a realização do acampamento nacional em Brasília representou uma grande demonstração de força política, de unidade e de forte apoio da sociedade à reforma agrária e ao MST.

E quais conquistas podemos destacar?

A nossa conquista principal foi trazer a Reforma Agrária para a pauta do centro do governo e da sociedade, numa correlação de forças tão adversa e, ao mesmo tempo, impor derrotas mesmo que no campo político e simbólico aos setores mais reacionários do país.

A nossa capacidade de dar respostas aos ataques do latifúndio, aliado a setores do Poder Judiciário, da mídia e da Polícia Militar no RS, SP, PE e Pará, onde não só a nossa base respondeu com as lutas de massa, como soube mobilizar amplos setores da sociedade que se posicionaram em defesa do MST e da Reforma Agrária.

O Acampamento Nacional deu uma demonstração de força política do MST e trouxe para a pauta da sociedade e do governo a Reforma Agrária e impôs respeito frente aos nossos inimigos e ao governo federal.

Precisamos valorizar também as diversas iniciativas de defesa do MST assumidas por inúmeros setores da sociedade frente aos processos de criminalização impostos por nossos inimigos, numa demonstração de solidariedade.

Precisamos saber interpretar e valorizar a conquista de Felisburgo e a vitória contra a Syngenta no Paraná, e a conseqüente importância para a luta pela Reforma Agrária.

Qual a avaliação da postura política e das ações do governo federal e do Incra em 2009?

O governo federal fez uma opção clara pelo agronegócio como modelo a ser aplicado no campo brasileiro e tem atuado com descaso em relação à Reforma Agrária, que está sendo tratada como política compensatória e só é aplicada em situação de conflito social, não como política de Estado para combater o latifúndio e a concentração da terra.

O governo federal segue a mesma política do seu antecessor, maquiando os números de famílias assentadas, incluindo nos dados regularização fundiária, reposição de lotes, projetos de colonização. São ações importantes, mas que não mexem com a estrutura de concentração fundiária.

O governo vem apostando também em políticas que favorecem a concentração de terra, como a política proposta pelo governo para a produção de etanol e biodiesel, que tem na visão deles o agronegócio como modelo. São opções como essas que tornam o país o maior concentrador de terras do mundo, como atestou recentemente o censo agropecuário.

Grande parte da bancada ruralista é base de apoio do governo federal, que cobra suas faturas pra apoiar o governo em processos de votações importantes no Congresso e na véspera de período eleitoral.

Assistimos, ao longo do ano, a episódios como o assassinato de Elton Brum no RS, o fechamento das escolas itinerantes, tentativas de criminalização no Pará e Pernambuco. Como o Judiciário se articulou nesse processo de recrudescimento da criminalização do MST em 2009?

Na verdade, grande parte do Judiciário brasileiro sempre esteve historicamente comprometida com o latifúndio. Sempre foi muito ágil em reprimir as ações dos movimentos sociais, em especial a luta pela terra, ao mesmo tempo em que sempre foi moroso e parcial com os crimes cometidos pelo latifúndio.

É só olharmos para os assassinatos cometidos contra trabalhadores no campo pelos fazendeiros: praticamente quase nada foi julgado. Além disso, mais de 15 mil famílias estão sendo impedidas de ser assentadas simplesmente por conta de ações de juízes que suspenderam as imissões de posse.

Há um elemento novo que é a manifestação pública, por meio de pronunciamentos políticos fora dos autos de membros do Poder Judiciário em defesa explícita do agronegócio e contra os movimentos sociais, em especial contra o MST. A maior expressão dessa novidade é o presidente do STF, Gilmar Mendes. Isso estimula outros juízes a seguirem o mesmo comportamento, bem como legitima a violência contra os movimentos sociais.

Existe uma articulação estreita entre o latifúndio, judiciário e a mídia: um manda, o outro executa e outro publiciza, dá destaque e cria escândalos. As atitudes do presidente do STF Gilmar Mendes são a expressão maior desta relação promíscua, comprometida com o projeto das elites brasileiras, que no campo têm o agronegócio como o modelo a ser seguido e defendido.

Não por acaso Gilmar Mendes tem se pronunciado politicamente contra as ações dos movimentos sociais e em especial o MST. Apesar dos vários crimes cometidos pelo agronegócio, assassinatos, trabalho escravo, lavagem de dinheiro, entre outros, não há um pronunciamento do ministro contra tudo isso. Ao contrário, ele tem se colocado na defesa destes criminosos, como ocorreu com os Habeas Corpus concedidos por ele, ao banqueiro Daniel Dantas.

Ainda nesse contexto de criminalização, o que a criação de uma CPMI sinaliza?

A CPMI representa a disputa de modelo para o campo entre o agronegócio e a pequena agricultura e os movimentos sociais, que são para o latifúndio um empecilho para a consolidação total do agronegócio.

Além de os movimentos sociais fazerem a luta direta pela defesa da Reforma Agrária, a defesa do território, também atuam na denúncia dos crimes cometidos pelo agronegócio e todas suas mazelas, se tornando uma péssima propaganda perante a sociedade e a comunidade internacional.

Os movimentos sociais do campo representam o ultimo obstáculo a ser removido do caminho do agronegócio. Eles têm a maioria no Parlamento, o controle da grande imprensa, sustentação de praticamente todo o Poder Judiciário e apoio do governo federal.

Além disso, colocaram todos os recursos para tentar impor uma derrota moral aos seus inimigos. Aprenderam que não é mais possível ter como forma de enfrentamento aos movimentos sociais apenas a repressão física, com assassinatos e cadeias. Perceberam que a sociedade não aceita mais essa prática, que continua existindo. Então, agora, atuam no sentido de desmoralizar os movimentos sociais, tentando impor a imagem de vândalos, corruptos e criminosos a todos aqueles que fazem a luta social.

Querem tirar todo o caráter social das reivindicações, ao mesmo tempo em que precisam melhorar a sua imagem diante da sociedade. Criminalizam a Reforma Agrária para se “descriminalizar”, usando a imprensa e o posicionamento público de autoridades. Certamente, não foram as ações realizadas nas áreas griladas da Cutrale e o espetáculo midiático feito em torno dela, tampouco os enfretamentos nas terras do Dantas no Pará, que fizeram ser instalada a CPI.

Eles precisam derrotar a Reforma Agrária e a CPI é parte desse processo de criminalização, que agora articula as várias formas de criminalização, que estão em curso pelo Estado e suas várias ferramentas, em um enfrentamento articulado nacionalmente com toda uma espetacularização na mídia.

Essa CPI não tem legitimidade. Nem no seu conteúdo - que não passa de matéria requentada e que foram objeto de outras CPMIs e órgãos fiscalizadores como TCU e Ministério Público - nem mesmo pelo setor proponente, que tem um histórico de crimes que vão de trabalho escravo até corrupção e envolvimento político com empresas do agronegócio. A sociedade brasileira condenou amplamente esta CPI, foram inúmeras manifestações de apoio recebidas pelo MST dos mais diversos setores da sociedade, seja com realização de atos de apoio, que se realizaram por todo o país, seja pelo reconhecimento de instituições do próprio Estado, que premiaram o MST pela sua atuação na defesa da Reforma Agrária.

Quais as perspectivas e principais desafios a serem enfrentados em 2010 pelo MST e a classe trabalhadora em geral?

Teremos um ano curto para cumprir nossas tarefas. É um ano de eleições nacionais e Copa do Mundo, que envolvem toda a sociedade brasileira.

Precisamos avançar no assentamento das famílias acampadas, fazer uma boa jornada de lutas em março e abril pra manter nossas reivindicações na ordem do dia.

Precisamos avançar no debate sobre as contradições do agronegócio, que em tempos de mudanças climáticas é o principal vilão, que despeja veneno nas mesas dos brasileiros, que tem causado inúmeras violências contra as populações do campo, sem terra, indígenas, quilombolas e ribeirinhos etc.

Precisamos lutar junto com a sociedade contra a proposta de mudança do Código Florestal proposta pelo latifúndio. Isso representa não apenas mais espaço no campo para o agronegócio, mas uma desgraça ao ambiente.

Precisamos debater com a sociedade que a Reforma Agrária nunca foi tão necessária em nosso país como atualmente, seja pela justiça social que se implanta com sua realização, seja pelo agravamento dos problemas nos grandes centro urbanos. É um tema imprescindível da sobrevivência da humanidade no planeta, que precisa enfrentar o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Nós, brasileiros, temos responsabilidades importantes no cenário mundial e mais ainda os movimentos sociais do campo, que representam parte da solução dos problemas das mudanças climáticas. Se por um lado o agronegócio é o grande causador do aquecimento global, a Reforma Agrária é a responsável pelo esfriamento do planeta com a produção de alimentos.

É preciso conter o avanço do agronegócio e dos grandes projetos no campo para salvar o planeta. Será preciso compreender os grandes temas da sociedade para juntos dar a nossa contribuição. Para isso, visamos uma ampla aliança com os setores urbanos, também na perspectiva de fazer com que a sociedade se envolva mais no seu comprometimento na defesa da Reforma Agrária. Caso contrário, a Reforma Agrária ficará no campo e ai ficará vulnerável aos ataques dos setores conservadores da elite brasileira.

Será um ano de muitas lutas, apesar do calendário curto, quando precisaremos combinar as nossas lutas específicas com as bandeiras do conjunto da classe trabalhadora e dos setores progressistas. Dessa forma, vamos enfrentar o processo de criminalização dos movimentos sociais, que será intenso. Não com postura de vitimização, mas promovendo um bom debate sobre os verdadeiros problemas do povo brasileiro e desvelando as contradições do modelo de desenvolvimento do campo e da sociedade, que é um modelo insustentável do ponto vista social, ambiental, econômico e político.

Certamente seguiremos organizando o povo para luta e debatendo com a sociedade a necessidade de um outro modelo como forma de superação da pobreza e da miséria e de todas as contradições do atual modelo econômico e social e político.

28 de dezembro de 2009

Fuente: MST-Brasil

Temas: Movimientos campesinos

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