Brasil: por um punhado de terra
Por um punhado de terra marcham os Sem Terra. Sim, pois num continente como o Brasil, um lote camponês não passa de um punhado, até hoje negado a milhões que nele poderiam colher trabalho, comida e dignidade
Por um punhado de sal marchou Gandhi quando o Império Britânico proibia a qualquer indiano aproximar-se do mar que lhes pertencia. Milhares acompanharam o Profeta da Libertação em sua chegada à praia. Caía ali um símbolo da dominação britânica.
As primeiras marchas do MST se inspiraram na Marcha do Sal do povo indiano. Em 1986, da Fazenda Anonni a Porto Alegre. Em 1997, de São Paulo a Brasília. Agora, em 2005, cerca de 12 mil camponeses de todo o Brasil estão marchando de Goiânia a Brasília.
Por um punhado de terra marcham os Sem Terra. Sim, pois num continente como o Brasil, um lote camponês não passa de um punhado, até hoje negado a milhões que nele poderiam colher trabalho, comida e dignidade. No entanto, penam nos fundos de campo e beiras de estradas, empilham-se nas periferias urbanas, padecem famintos com os olhos fixos nas cercas que protegem o latifúndio.
Latifúndio que é a chaga-mãe das chagas sociais que corroem o tecido vivo da sociedade brasileira. Mesmo quando recauchutado com a cirurgia plástica de alguma onda modernizadora - transgênicos, agronegócio, geoprocessamento - a realidade é sempre a mesma. Trata- se de uma arma mais sofisticada na mão do mesmo bandido. E atrás dele se esparramam a destruição da natureza, o enriquecimento de poucos, a violência, o êxodo rural, o desemprego, a miséria e a exclusão social. Sua aparente exuberância esconde dívidas para serem renegociadas, alongadas, esquecidas e por fim pagas por toda a sociedade.
Contra a praga do latifúndio - todos improdutivos, pois nenhum latifúndio é socialmente produtivo - marcham os pobres do campo. Querem terra e dignidade estes pés rachados pela rudeza da vida. Num país onde terra não falta, por estar concentrada, falta a dignidade à maioria de seus filhos.
Em favor da Reforma Agrária e da Agricultura Camponesa ergue-se esta longa coluna de marchantes a desafiar o passado, abrir as brumas do presente e fincar os alicerces do futuro. Sacodem consciências. Irritam abastados. Incomodam conformados. Animam desanimados.
Atitude altaneira de heróis e heroínas, pobres de cabeça erguida, dispostos a não deixar mais um século de Nação entregue aos luxos de poucos. Atitude que desafia à ação todos os que sonham com um Brasil humano e justo.
Ponhamo-nos pois em alerta solidário. Façamos o que ao alcance esteja. Diante dos corpos cansados sob o sol inclemente, dos pés sangrados pelo peso da história, dos rostos humildes enrugados pelas dores da existência respondamos com o gesto solidário, com a mão amiga, com a palavra de estímulo. E quem governa faça o que disse que faria - que se um dia Presidente, uma só coisa fosse possível fazer, faria a Reforma Agrária.
É pela Reforma Agrária que marcham altivos os heróis e as heroínas da esperança do Povo Brasileiro. Enfim, por um punhado de terra que remova o entulho de desgraças que o latifúndio provoca na sociedade brasileira.
Frei Sérgio Görgen é militante da Via Campesina e Deputado Estadual (PT-RS)
Fuente: ALAI