Brasil: mulheres agricultoras em busca de sua autonomia
No início do mês de março, como parte das atividades de celebração do Dia Internacional da Mulher, mais de 700 mulheres agricultoras participaram da Marcha pela Vida das Agricultoras e da Agroecologia, no município de Remígio (PB). Essa manifestação, que percorreu diversas ruas da cidade, foi o ápice de um intenso processo de formação realizado na região.
Essas mulheres integram o Polo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, formado por uma rede de 15 sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais (STRs), cerca de 150 associações comunitárias e uma organização regional de agricultores ecológicos.
Após a marcha, elas assistiram a uma peça teatral, A vida de Margarida, que buscou explicitar as várias faces da desigualdade e da violência doméstica. O impacto que a peça produziu pode ser sentido nas palavras de Adilma, agricultora de Remígio.
Hoje, a continuidade da peça é a vida de cada mulher que deu a volta por cima. Em Remígio, muitas mulheres que participaram do encontro municipal falaram de sua realidade. Descobrimos que existem muitos Bius [personagem da peça], mas também deu muita força para tudo mudar.
No mês seguinte (22/4), lideranças dos municípios do Polo da Borborema se encontraram para avaliar todo o processo. Os depoimentos de diversas agricultoras podem dar uma boa ideia das reflexões que as diversas atividades suscitam:
Todo o processo de mobilização trouxe à tona a autonomia e a capacidade das mulheres de mudarem sua realidade. Isso foi muito importante para mim, como liderança, para as agricultoras do meu município e para todas as mulheres do Polo, afirma Maria do Céu, diretora do STR de Solânea. Agora temos que dar continuidade a esse processo de mobilização e envolver cada vez mais mulheres, completa.
Conseguimos este ano fazer uma discussão comum na região do Polo e isso foi um grande passo para fortalecermos o debate. Vejo dois caminhos a seguir: fortalecer a experimentação tocada pela Comissão de Saúde e Alimentação do Polo e continuar alimentando o debate sobre as desigualdades dentro do Polo, explica Gizelda, diretora do STR de Remígio e membro da coordenação do Polo da Borborema.
A partir dessa reunião, as mulheres decidiram colocar no papel encaminhamentos para prosseguir em sua luta:
1) Dar continuidade aos eventos municipais de debate sobre as desigualdades de gênero.
No dia 28 de abril, foi realizado um evento em Lagoa Seca com a participação de 50 mulheres. Outros já estão agendados: dia 31 de maio, em Matinhas, dia 22 de junho, em Casserengue e Queimadas.
2) Intensificação das visitas de intercâmbio.
Essa prática tem ganho cada vez mais importância por favorecer a troca de saberes e a valorização do trabalho que as mulheres desenvolvem. Ao oferecer a oportunidade para conhecer as diferentes experiências conduzidas pelas agricultoras, os intercâmbios contribuem para o fortalecimento de uma identidade comum e da autoestima das mulheres, tanto quando visitam ou quando são visitadas. A família passa então a reconhecer a importância do papel da mulher como experimentadora, sua capacidade de gerar renda e seu novo papel político.
3) Qualificar o trabalho com plantas medicinais
Participar das oficinas de plantas medicinais foi como ter “portas abertas” para muitas mulheres. A Comissão de Saúde e Alimentação, assessorada pela AS-PTA está organizando um trabalho em parceria com o Movimento Agroecológico (MAE) da UFPB (Campus Areia). A ideia é fazer um levantamento etnobotânico das plantas mais usadas pelas agricultoras da Borborema e construir um material pedagógico valorizando o conhecimento acumulado por elas.
4) Dar continuidade ao processo de sistematização de experiências
A sistematização de experiências é uma metodologia que busca organizar os conhecimentos e as práticas de inovação para fornecer conteúdos que subsidiem a elaboração e a implementação de políticas de desenvolvimento rural mais adequadas às condições locais. A primeira visita para coleta de dados foi realizada na propriedade de dona Irene, agricultora-experimentadora do município de Solânea.
5) Fortalecer o trabalho sobre o arredor de casa
Serão promovidas três oficinas regionais de formação de multiplicadoras para o trabalho com os quintais. Cada oficina será dividida em quatro grandes temáticas: diagnóstico dos arredores (construção de suas partes, funções para a família e os problemas enfrentados); avaliar o papel da mulher na condução das experiências desse espaço e entender quais as disputas que emergem (roçado x quintal); valorizar o caráter produtivo do subsistema (reorganização do espaço, que pode ser distribuído para comportar hortas medicinais, pequenas criações, árvores frutíferas, etc.); e, por fim, debater sobre o manejo da água resgatando experiências como canteiros econômicos, reutilização da água e outras formas alternativas de irrigação, incluindo a cisterna calçadão.
6) Fortalecer os Fundos Rotativos Solidário (FRS) para o reordenamento dos quintais
A importância dos FRS é viabilizar a disseminação e a implementação dos conhecimentos adquiridos nas visitas de intercâmbio. A re-estruturação dos quintais possibilita a diversificação das atividades, o que gera mais autonomia para os sistemas familiares. Além disso, por ser tradicionalmente um espaço de domínio das mulheres, o quintal contribui para aumentar a participação e a valorização do trabalho das mesmas. Diante da sua importância para o financiamento desse reordenamento do espaço das propriedades, os FRS serão tema de um evento regional, que terá como base a análise da situação de cada fundo solidário.
Com a realização das atividades previstas nos encaminhamentos, a ideia é sensibilizar e reunir cada vez mais mulheres e, assim, viabilizar a construção verdadeiramente coletiva de um novo meio rural para todos e todas.
Fuente: AS-PTA