Brasil: mais uma hidrelétrica, mais um escândalo
Crime ambiental e violações de direitos humanos na construção mostram que, depois da tragédia de Barra Grande, Campos Novos é “a bola da vez ”. Na tarde de ontem (28), aproximadamente 200 pessoas ocuparam as instalações da subestação de energia elétrica do Município de Campos Novos, em Santa Catarina, a segunda maior do país e peça-chave do sistema elétrico nacional
Trata-se de um gesto extremo em solidariedade às famílias que tiveram suas vidas desestruturadas pela construção da hidrelétrica de Campos Novos. São milhares de pessoas que perderam casa, trabalho regular e demais fontes alternativas de renda, relações sociais estáveis e a posse da terra. Mas não receberam indenizações justas da ENERCAN, empresa proprietária da hidrelétrica. Um detalhe: a empresa começou a encher o lago da usina sem licença ambiental, o que em tese configura crime de acordo a Lei de Crimes Ambientais.
Apesar de o movimento não querer pôr em risco o sistema de fornecimento de energia do sudeste do país, acredita que apenas assim conseguirá chamar atenção para o crime ambiental e as violações de direitos humanos que o consórcio ENERCAN, responsável pela barragem de Campos Novos, vem praticando.
As obras da usina hidrelétrica estão praticamente acabadas e sua proprietária, a ENERCAN (Campos Novos Energia S.A., um consórcio empresarial formado pelas empresas Camargo Corrêa, CBA – Companhia Brasileira de Alumínio, Votorantim Cimentos e Banco Bradesco, com financiamento do BNDES e do Banco Interamericano de Desenvolvimento) aguarda somente a concessão, pelo órgão ambiental do Estado de Santa Catarina (FATMA), da última licença ambiental necessária para fazer a usina entrar em funcionamento.
Os atingidos, quase em sua totalidade pequenos agricultores, denunciam que seus direitos de indenização não foram assegurados, apesar de terem sido reconhecidos até mesmo pela empresa, em acordos por ela firmados. A empresa afirma que ocorreram 759 indenizações. No entanto, segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, os critérios para indenização foram fixados unilateralmente pela empresa, houve fraudes no cadastro sócio-econômico contratado e erros no Estudo de Impacto Ambiental (que, na questão ambiental, omitiu áreas de vegetação nativa que serão alagadas, incluindo araucárias, cedros, grapias, angicos e doze extensas áreas de jabuticabeiras nativas de uso tradicional). Dessa forma, o processo de indenização resultou em valores ínfimos de indenização para os atingidos e na negação de direitos pela ENERCAN a 247 famílias, conforme aponta um laudo técnico da FATMA concluído em agosto de 2005.
Cerca de 350 famílias estão acampadas ao lado do canteiro de obras, aguardando uma solução que lhes assegurem uma justa compensação pelos prejuízos causados pela construção da barragem. Segundo o MAB, a empresa fez promessas de que todas as famílias atingidas seriam indenizadas, mas na verdade centenas delas não receberam qualquer forma de compensação.Agora, estão oferecendo uma indenização de R$ 1.800,00 a R$ 3.600,00.Para o coordenador do MAB na região Marco Antônio “ isto é um absurdo. É inadmissível que as famílias atingidas tenham que deixar suas casas e propriedades que levaram anos para construir e receber por tudo isso um valor simbólico”.
Na madrugada do último dia 27, as famílias chegaram a entrar no canteiro de obras da usina hidrelétrica para manifestar sua revolta e solicitar providências à empresa e às autoridades. Nesse dia, perceberam que, mesmo sem a devida licença ambiental, a empresa havia iniciado o enchimento do lago. Esse fato, que em tese configura-se como crime ambiental, foi comprovado por um técnico da FATMA, que esteve no local, que teria estimado uma subida de 5 metros no nível das águas. O mesmo foi testemunhado por agricultores que, abaixo da barragem, perceberam a interrupção no fluxo do rio, e por madeireiros, que denunciaram que algumas estradas da região, acima da barragem, estavam sendo alagadas, impossibilitando o transporte e a retirada da madeira. Com as denúncias, a empresa teria restabelecido o fluxo das águas.
A sensação das famílias acampadas é de que as autoridades públicas as abandonaram a defesa de seus direitos e, até o momento, têm deixado-as à própria sorte, com exceção de alguns técnicos bem intencionados do órgão ambiental estadual (FATMA). De acordo com o MAB, a FATMA “ mostra fortes sinais que irá dar a licença esta semana para enchimento do lago”. Também segundo o MAB, tanto a empresa como o Ministério de Minas e Energia e também a juíza da Comarca de Campos Novos, Adriana Lisbôa, vêm afirmando que “ não existem no Código Civil leis que garantam o direito à indenização de terra, reassentamento das famílias, etc.” E, nesse sentido, que a melhor opção dos atingidos seria a de aceitar as indenizações oferecidas pela empresa.
Como resultado da mobilização e da pressão social, foi marcada uma audiência para hoje (29) à tarde, na sede do Ministério Público Federal no Município de Lages, com a presença do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, FATMA, Governo Federal, ENERCAN e do Procurador da República, para discussão do caso de Campos Novos.
As famílias atingidas pela hidrelétrica de Campos Novos temem que, com o enchimento do lago e o alagamento das terras, os problemas sociais pendentes não serão resolvidos. O escândalo da hidrelétrica de Barra Grande, vizinha à de Campos Novos, que está criminosamente alagando florestas de araucárias e ainda não resolveu todos os problemas sociais, parece não ter servido de lição, especialmente aos governantes e às autoridades públicas. Para a população em geral, e especialmente para os atingidos pelas barragens, que conhecem de perto o histórico da construção de usinas hidrelétricas na região, fica a certeza de que Campos Novos é “a bola da vez”.
Contatos:
Marco Antônio (MAB) – 54-9917-3732
Pedro Possamai – 49-9993-3687
Capellari (FATMA) 49-9917-3732.
Sede do Ministério Público Federal em Lages (SC): Avenida Belizário Ramos, 3800, salas 41, 42 e 43, centro, Lages, SC. Telefone: (49)3224-9188.
Daniel Ribeiro Silvestre
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