Brasil: indústrias da transgenia querem acabar com rotulagem de alimentos
Não satisfeitas com a aprovação da lei de promoção da biotecnologia, que nada de biossegurança oferece à população, as indústrias da transgenia querem agora acabar com a rotulagem de alimentos
Boletim Número 246 - 11 de março de 2005
Fazem isso certas de que o consumidor prefere produtos não-transgênicos, como pesquisas de opinião já mostraram. Do ponto de vista das indústrias a solução é simples: basta tirar a informação do rótulo.
O decreto que estabelece a rotulagem para alimentos com mais de 1% de transgênicos foi promulgado em dezembro de 2003, mas só entrou em vigor em abril de 2004, após publicação de Instrução Normativa. Nesse período o decreto foi alvo de investidas do Ministério da Agricultura que buscava sua “flexibilização”. Resultado: ficaram isentos de rotulagem todos os produtos derivados de animais que se alimentaram com grãos transgênicos, já que apenas a ração animal deverá ser rotulada. Carne, leite, manteiga e ovos estão fora da rotulagem.
Os testes disponíveis atualmente não são capazes de detectar origem transgênica em alimentos altamente processados, como margarinas e óleos vegetais. Para que eles sejam rotulados é necessário o controle da matéria-prima e o rastreamento de toda a cadeia produtiva. Isso não traria custos adicionais nem a produtores, nem a consumidores, já que a informação sobre a transgenia pode acompanhar os documentos que já são normalmente exigidos, como notas fiscais. Mesmo assim, a Instrução Normativa que regulamenta o decreto também livrou estes alimentos da exigência da rotulagem.
Enquanto a rotulagem não sai do papel, o consumidor fica desprotegido e sem direito à informação. O Centro de Vigilância Sanitária de São Paulo divulgou na semana passada os resultados de suas fiscalizações, indicando que das 24 amostras de hambúrguer, salsicha, quibe, almôndega, macarrão, soja em grão e em farinha, fórmulas infantis e para sopas analisadas, 11 não informavam a presença de transgênicos. O secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Daniel Goldberg, diz que mantém em sigilo resultados de produtos analisados pelo Procon de Minas Gerais, nos quais a presença de ingredientes transgênicos foi detectada em alimentos não rotulados. Por que manter essas informações sob sigilo? E a punição a essas empresas que estão lesando o consumidor?
A nova Lei de Biossegurança que está prestes a ser sancionada pelo Presidente dá mais uma flexibilizada na rotulagem de alimentos. Um de seus artigos muda a definição de “derivado de OGM”, tirando outros ingredientes da mira da rotulagem. Ou seja, lecitina extraída de soja transgênica, por exemplo, pela nova Lei, não é lecitina transgênica.
Na longa tramitação o Projeto de Lei de Biossegurança no Congresso Nacional, o governo trabalhou duro para derrubar seu próprio projeto. Agora dá sinais de querer seguir os mesmos passos com a rotulagem. Após pressão da Associação Brasileiras das Indústrias de Alimentos (ABIA), Goldberg disse que está “absolutamente disposto a conversar com a ABIA para reduzir o alarmismo, desde que o direito do consumidor à informação seja respeitado”. Mas a ABIA quer mais, mesmo indo contra seu próprio público consumidor. Quer também que o limite para presença de transgênicos suba de 1 para 4%. Na Europa este limite é de 0,9%. “O tal símbolo incomoda: não é informação, é um alerta. Incomoda também o tal do 1%, gostaríamos que fosse 4%”, disse Paulo Nicolellis Junior, diretor jurídico da ABIA. E Nicolellis completa, sem a menor cerimônia, dizendo que a lei de rotulagem “está em vigor, mas não está incorporada, porque a indústria não quer unir a sua marca um a um alerta, como se fosse coisa perigosa”. Talvez a liberdade para dizer publicamente que não cumpre a lei esteja ancorada no precedente aberto pelo governo Lula de legalizar a ilegalidade, como o fez com a edição de medidas provisórias para os que plantaram a soja contrabandeada da Argentina.
Vale lembrar que a ABIA, junto com empresas que produzem sementes transgênicas e seus respectivos agrotóxicos, como Monsanto, Bayer, Syngenta e outras, financia uma ONG de promoção da biotecnologia, o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).
A nova lei de transgênicos não estabelece formas de proteção aos agricultores que não querem produzir transgênicos e também não prevê medidas de segregação da produção. Essa investida contra a rotulagem somada à lei dos transgênicos soa como uma tentativa de se minguar a produção de alimentos não-transgênicos no País. O produtor fica exposto à contaminação e o consumidor não sabe o que come. É a ditadura transgênica se implantando no governo que se diz(ia) “popular e democrático”.
Campanha Por um Brasil Livre de Transgénicos
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