Brasil: dados da CPT mostram a geografia da violência no campo
No caso da ação do poder público exercendo a violência “legal” vemos que, apesar da queda geral no país do número de prisões e de famílias despejadas, a região Norte acusa um aumento das ações de despejo lavradas pelo poder judiciário e cumprida pelo poder executivo, assim como a região Sul acusa aumento no número de pessoas presas, nesse caso com destaque para o estado do PR com um aumento de 200%!
É interessante observar que em cinco unidades da federação - Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Piauí, Amazonas e Rio Grande do Sul - a violência do Poder Público aumentou nos dois indicadores simultaneamente, isto é, tanto no número de famílias despejadas como no de prisões. Afora o Rio Grande do Sul onde a violência do poder Público tanto do Executivo como do Judiciário vem instigando o aumento geral da violência e da conflitividade, sendo o único estado em que todos os indicadores aumentaram, assinalamos o fato de que nos demais quatro estados em que o Poder Público se destacou em ambos indicadores, a presença dos latifúndios empresariais monocultores de exportação esteja avançando - Mato Grosso do Sul (cana e monocultivo de madeira), Espírito Santo (monocultivo de madeira) e o Piauí (soja). Destaquemos, por outro lado, a forte presença de unidades da federação da Amazônia Legal onde o poder público vem agindo com todo seu peso nos conflitos ou prendendo, ou lavrando ordens de despejo: no Amazonas, nos dois indicadores; no Acre, Pará e em Roraima, com prisões, e no Maranhão, com despejo de famílias. O Pará é um estado que apresenta um comportamento sui generis na medida em que nele dispara a violência do poder privado por meio dos assassinatos, mas a violência institucional por meio da ação do estado se faz, sobretudo, no aumento das ações de despejo de famílias e não no número de prisões que, ao contrário, regride. Ou, em números proporcionais, enquanto o número de assassinatos aumentou 160% o que aumentou em 53% foi o número de famílias despejadas, posto que o número de ordens de prisão, simplesmente, caiu cerca de 50%.
Os protagonistas da luta pela terra
Em 2007, segundo os dados do Setor de Documentação da CPT , os Sem-Terra corresponderam a 44% do total das categorias envolvidas em conflitos por terra, mas, em 2008, essa proporção caiu significativamente para 36,3% passando os Sem-Terra a ocupar o segundo lugar entre as diversas categorias. Por outro lado, as Populações Tradicionais que ocupavam o 2º lugar em 2007, com 41% do total, passam a ocupar o lugar de maior destaque com 53% do total em 2008. A prevalência dessas duas categorias está relacionada ao fato de que os Sem-Terra de hoje são as populações que ocupavam terras e foram expropriadas e, entre essas, as populações tradicionais ocupam um lugar cada vez mais protagônico, o que nos indica a atualidade do grave processo expropriatório que está em curso desde os anos 1970. Observemos que 65,4% das Populações Tradicionais envolvidas em conflitos por terra estavam na Amazônia Legal, enquanto 60,1% dos sem-terra envolvidos se encontravam na região centro-sul do país. Quando se sabe que a política do governo com relação à questão fundiária tem sido a de manter o velho padrão de colonização em contraposição à reforma agrária, com a criação de assentamentos, sobretudo na Amazônia, vemos que o modelo expropriatório consagrado no período da ditadura civil-militar nos anos 1960-1970 é atualizado. Os dados são claros: há um aumento da proporção das Populações Tradicionais envolvidas em conflitos, sobretudo, mas não só, na Amazônia, e que diz respeito à expropriação das terras que tradicionalmente ocupavam. Já os Sem-Terra continuam predominando na região onde o processo de expropriação já avançou há mais tempo.
O efeito desse processo, contextualizado no padrão de acumulação do modelo agro-brasileiro, é que a cana, a soja, o milho (leia-se, suínos e frangos), além dos monocultivos de madeira, tendem a ocupar as terras nas regiões de melhor logística, no centro-sul do país, tornando a reforma agrária ainda mais difícil pela elevação dos preços da terra contribuindo, assim, para pressionar a ocupação de novas áreas (leia-se, a Amazônia e as chapadas e chapadões do oeste baiano, sul do Maranhão e Piauí), onde grileiros/madeireiros se antecipam tomando terras públicas e expulsando as populações tradicionais.
Fuente: MST - Brasil