Brasil: carta aberta da Vía Campesina-Pará à sociedade brasileira e internacional
A Via Campesina-Pa, MST, CPT, MMC, MAB, MPA, legítimos defensores da reforma agrária, da igualdade no campo e da proteção à biodiversidade amazônica vem afirmar que os camponeses sabem que a história paraense moderna se confunde com a história do descaso e da violência
"Malditas sejam todas as cercas
Que impedem homens, mulheres e crianças de viver
Amar e ser feliz"Dom Pedro Casaldáliga
O governo tucano, responsável direto pela vergonha internacional do massacre de Eldorado dos Carajás, jamais mudou de postura em relação aos conflitos agrários no Estado.
As ocupações de terra, instrumento de fazer valer o direito à alimentação, a terra e a geração de empregos, vêm se intensificando nos últimos anos, tamanho o descaso do ITERPA, do governo do Estado, compartilhado pelo INCRA e pelo governo federal igualmente.
A Reforma Agrária é a forma constitucional e ideal de trazer segurança à diversidade florestal. Os movimentos sociais foram, na história do Pará, os únicos que conseguiram realmente ampliar a agroecologia e realizar a redistribuição igualitária de terras e empregos na estado.
O Estado, contudo, persiste sem nenhuma preocupação em realizar a reforma agrária, em terras que ofendem a Constituição Brasileira, improdutivas e especulativas e, unanimemente desrespeitadoras do meio-ambiente e das leis trabalhistas. O judiciário paraense, cooperando com essa prática, mostra seu caráter autoritário e contraditório. O Governo Jatene, por sua vez, está mais preocupado com o midiático e tecnocrático zoneamento econômico-ecológico, feito em gabinetes e sem respaldo na realidade, do que realmente impedir que grileiros e fazendeiros prossigam devastando a floresta.
Caso exista vontade de realmente frear o desmatamento amazônico ou mesmo erradicar o trabalho escravo, nós, trabalhadores e trabalhadoras rurais paraenses, defensores da biodiversidade, indicamos o caminho já há algum tempo: basta desapropriar as terras em que acampamos, que estão nas mãos de latifundiários que, mesmo sob a nova roupagem desenvolvimentista do agronegócio, são os grandes escravocratas e criminosos ambientais da Amazônia.
Entretanto, temos uma certeza que nos últimos dias foi novamente confirmada: os interesses do Governo do Pará são contrários ao fim da escravidão e do devastamento na Amazônia. Com o macro zoneamento já aprovado, pretendem criar brechas para intensificar a legalização do latifúndio e de um modelo de agricultura altamente impactante ao meio-ambiente e à sociedade.
O governador Simão Jatene, pessoalmente, veio a Marabá ser aclamado por fazendeiros da região no lançamento do macro-zoneamento que enfim abriria portas para o agronegócio, encerrando a Reforma Agrária e excluindo de uma vez por todas o que restava de camponeses e de florestas. Saiu o governador, todavia, conforme acertado com os fazendeiros previamente, ficou um batalhão de 200 homens da polícia da capital, fortemente armados, para iniciar a selvageria, como sempre são tratados os camponeses.
Nas últimas semanas, o batalhão de polícia, tendo por base mandados de reintegração de posse feitos pelo juiz de Marabá, Líbio Araújo Moura, já acertados com fazendeiros há algum tempo, agora, passadas as eleições municipais, começam o "serviço" de desalojar os 48 acampamentos da região, onde 10 mil famílias vivem, trabalham e produzem seus alimentos. Com a profunda truculência costumeira, prometem arrancar as lavouras e os Sem Terra de suas ocupações e colocar novamente os antigos latifundiários improdutivos, conforme havia mandado a Vara Agrária .
Entretanto, afirmamos para o Judiciário e para o governo do Estado que a paz no campo não há de ser conseguida com base na violência e na fome. Já tentaram isso muitas vezes no campo paraense e, as milhares de famílias que correm o risco de perder suas chances de sobrevivência, se tiverem que dar seu sangue para que juízes e governadores aprendam que a dignidade humana e o direito à vida não pode ser restrito aos ricos, não hesitarão em fazê-lo.
As interdições das estradas representam um grito de dor e de resistência, e querem indicar aos donos do poder que não conseguirão nos tirar da terra e da história, como sempre fizeram. Pedimos à sociedade que compreenda que, quando se arranca o poder de um pai de alimentar seu próprio filho, lutar até o fim e de todos os modos é a única reação natural e digna que este pode fazer.
Só o que queremos é que o Pará aceite o Estado Democrático de Direito, cumpra a Constituição e preserve o princípio da função sócio-ambiental da terra, desapropriando as áreas ocupadas. Não aceitaremos a escravidão e o desrespeito do agronegócio, queremos a dignidade, os alimentos e os empregos que surgem somente pela Reforma Agrária. Exigimos, por fim, a imediata suspensão dos despejos e do efetivo policial destacado para, a partir desse ponto, iniciarmos qualquer diálogo.
Resistiremos até o fim, estamos convictos que ou construímos um Pará e uma Amazônia que respeite o camponês e a floresta, ou é melhor morrer lutando por essa utopia.
Marabá, 8 de junho de 2005.