Brasil: audiência pública sobre o milho transgênico
A audiência pública sobre o milho transgênico realizada esta semana pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio deixou evidente que não há bases seguras para a liberação de transgênicos no País
As apresentações feitas pelas empresas proponentes dos transgênicos foram superficiais e recheadas de afirmações genéricas e não comprovadas, dessas que lemos diariamente nos jornais: “Os transgênicos foram mais testados que outros tipos de alimentos e são portanto seguros”. “São mais produtivos e consomem menos agrotóxicos”. “Já foram liberados nos EUA e na Argentina e então podem ser liberados aqui”.
A única novidade apresentada pelas empresas, na verdade o novo elemento da propaganda, aponta que a adoção das sementes transgênicas contribui significativamente para a redução das emissões de gás carbônico na atmosfera. Porém, assim como para as demais afirmações, o estudo que levou a essa conclusão também não foi apresentado.
Os cientistas, que a CTNBio escolheu a dedo para falar, ecoaram quase que em uníssono os argumentos apresentados pelas empresas. Com o intuito de alimentar o mito de que “os cientistas são a favor e os ambientalistas contra” os pesquisadores que poderiam trazer o ponto de vista científico contraditório não tiveram espaço para falar.
Apesar do filtro, as apresentações feitas por representantes de organizações da sociedade civil questionaram contundentemente a fragilidade científica dos argumentos em favor da liberação dos transgênicos, todas as falhas e omissões da documentação que as empresas fornecem à CTNBio, a ausência de estudos de impacto ambiental e a inexistência de formas de contenção dos transgênicos uma vez que estes são liberados.
Não houve debate de conteúdo. As empresas apenas sustentaram suas afirmações, que embora nunca comprovadas, acabam virando “verdades” de tanto serem repetidas em veículos da grande imprensa. As questões levantadas ficaram sem resposta.
Os biotecnólogos, convictos do dogma de que os genes sozinhos determinam os organismos, também não entraram no debate e não contra-argumentaram as informações e estudos aportados pelas entidades e movimentos que fizeram uso da palavra.
Ausência de estudos
O milho transgênico Liberty Link, da Bayer é o primeiro na pauta de liberações da CTNBio. O representante da empresa foi desafiado durante a audiência a citar as páginas do dossiê enviado à CTNBio em que constava o estudo do impacto ambiental do milho nos ecossistemas brasileiros.
Depois de o secretário da CTNBio assumir o constrangimento de informar a todos que não havia levado o material para a audiência, o silêncio encheu o anfiteatro, já que a Bayer não tem estudo de impacto ambiental a apresentar. Mesmo assim, a CTNBio acha que tem condições de liberar o milho transgênico.
O próprio jornal O Estado de São Paulo registrou que “Após a apresentação de representantes pró e contra os transgênicos, o presidente da CTNBio irritou-se e ameaçou suspender a participação de integrantes da platéia que utilizaram o espaço para perguntas para criticar a falta de estudos conclusivos sobre as variedades em questão”. O que há de errado em perguntar onde estão os estudos de impacto ambiental?
A Embrapa, que tem convênios com a Monsanto para desenvolver transgênicos, apresentou sua posição oficial pró-transgênicos, mas colocou algumas condições para a liberação do milho. Entre elas, a necessidade de realização de análise de risco para as condições brasileiras e a criação de “recomendações técnicas que permitam a coexistência das diferentes formas de agricultura (convencional, transgênica, orgânica e agroecológica)”. Nenhuma das condições colocadas pela Empresa foi atendida até o momento.
Mais uma medida provisória pró-transgênicos
Um dia após a audiência sobre o milho, o presidente Lula mexeu na Lei de Biossegurança para acelerar a liberação dos transgênicos. Antes eram necessários 18 votos, dois terços do grupo de 27 integrantes da CTNBio, para a aprovação comercial de um pedido de liberação de transgênico. Agora são 14. Se os outros 13 votarem contra, a autorização será concedida.
A medida é mais de efeito moral do que prático. A CTNBio sempre teve ampla maioria a favor dos transgênicos e não foi o quorum de 18 votos que impediu até o momento a liberação de qualquer organismo transgênico. A média de participação dos conselheiros é baixa e há muitas ausências por reunião. O governo sinaliza outra coisa com a mudança.
O Ministério do Meio Ambiente e o do Desenvolvimento Agrário foram contra a mudança na Lei. Ciência e Tecnologia e o Ministério da Agricultura foram favoráveis. Com o placar de dois a dois, o desempate veio do arbítrio da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que ouviu o lado de lá, mas se recusou a receber entidades da sociedade civil para discutir o tema.
Assim, mais do que querer resolver qualquer suposto problema relacionado aos procedimentos de votação na CTNBio, o que o governo quis foi dar em alto e bom tom o recado de que atende as reivindicações da indústria dos transgênicos e as coloca acima de outras questões de interesse público.
A portas fechadas
Para fechar a semana, o presidene da CTNBio protagonizou um lastimável episódio nesta quinta-feira. A Comissão iria se reunir em sessão plenária (possivelmente para liberar uma variedade de milho transgênico) e havia na pauta um pedido do Greenpeace, encaminhado uma semana antes, para que dois de seus integrantes pudessem acompanhar a reunião como ouvintes, oportunidade prevista em lei.
Walter Colli, presidente da CTNBio, se recusou a votar o requerimento com os ambientalistas na sala de reunião e disse que a decisão seria tomada de forma sigilosa. Alguns membros da CTNBio insistiram para que o Greenpeace saísse e outros apoiaram a sua permanência no recinto. A polícia foi chamada e em seguida Colli determinou o cancelamento da reunião.
Segundo nota à imprensa divulgada pela Procuradoria Regional da República da 1ª Região, a postura do presidente da CTNBio de tentar impedir o testemunho da sociedade civil à reunião “afronta aos princípios constitucionais (...) que estabelecem, como regra, a publicidade, a moralidade e legalidade das reuniões e atos dos órgãos públicos, aos quais a Comissão está obrigada a seguir, por sua natureza pública e de prestação de serviços de relevância pública e do interesse da sociedade brasileira como um todo”.
O que se faz na CTNBio que não pode ser feito na presença do público?
O Ministério Público Federal, que presenciou o ocorrido, irá adotar as providências necessárias para garantir o livre acesso e participação, como ouvintes, sem direito de manifestação e voto de qualquer do povo nas reuniões da CTNBio, exceto nos momentos em que haja discussão e deliberação de procedimentos sigilosos.
Fuente: Boletim por un Brasil livre de transgênicos