Brasil: a soja pirata quer virar crioula
A lei brasileira de sementes diz que “é vedado o estabelecimento de restrições à inclusão de sementes e mudas de cultivar local, tradicional ou crioula em programas de financiamento (...)”. Independente disso, a nova lei de biossegurança já previa a possibilidade de esticar o prazo de financiamento para mais esta safra mediante ato do Executivo, e a manobra para a soja transgênica se enquadrar na condição citada acima seria desnecessária
s@raC s@gima,
As sementes de soja transgênica contrabandeadas da Argentina já foram chamadas de “ilegais” e “piratas” e apelidadas de “maradona” (por ser argentina e gostar de um veneno) e “mercedez” (marca do caminhão que as trazia), entre outras. Depois, já na tentativa de dissociá-las de sua origem ilegal e que burlou todo tipo de norma interna de vigilância sanitária, de biossegurança etc., ganhou as alcunhas de “salva” (produzida pelo próprio agricultor) e de “não-certificada”. Há ainda os que preferem se referir às sementes transgênicas como “produtos da moderna biotecnologia”.
Eufemismos à parte, está em jogo agora uma intencional mistura não só de termos, mas de conceitos, que é, no mínimo, desonesta. Alguns jornais gaúchos andaram publicando manchetes se referindo às sementes de soja pirata como sementes “crioulas”. A desinformação teve como objetivo ajudar os plantadores da soja transgênica (ou qualquer outro nome, menos crioula) a obter financiamento do Banco do Brasil. Para o governo que editou três medidas provisórias permitindo a multiplicação dos plantios ilegais e apoiou uma lei de biossegurança feita sob encomenda pelas multinacionais, não foi nada baixar um decreto aprovando recursos oficiais para mais esta safra. A medida vale para o Rio Grande do Sul, mas catarinenses e paranaenses já reivindicaram direitos iguais.
A lei brasileira de sementes diz que “é vedado o estabelecimento de restrições à inclusão de sementes e mudas de cultivar local, tradicional ou crioula em programas de financiamento (...)”. Independente disso, a nova lei de biossegurança já previa a possibilidade de esticar o prazo de financiamento para mais esta safra mediante ato do Executivo, e a manobra para a soja transgênica se enquadrar na condição citada acima seria desnecessária. Assim, nota-se que além de confundir, o artifício mira o seguro agrícola para as sementes piratas que, sendo crioulas, poderiam se encaixar nas normas em discussão no Ministério da Agricultura para assegurar as lavouras das verdadeiras crioulas, caboclas, tradicionais ou nativas, conforme a região.
Estas são sementes selecionadas, cultivadas, conservadas e mesmo melhoradas por agricultores. São de livre circulação, armazenagem, venda e troca entre agricultores e suas comunidades, motivam feiras de biodiversidade em diferentes regiões do país e compõem a base da diversidade genética cultivada que contribui para a sustentabilidade de sistemas de produção nos diferentes cantos planeta. A Vía Campesina tem uma campanha internacional intitulada “Sementes: patrimônio do povo a serviço da humanidade”. Ou seja, tudo isso está bem longe de sementes patenteadas geneticamente modificadas. No caso destas, o produtor compra a licença para cultivá-las durante um ciclo, mediante a adesão a um contrato e o pagamento de royalties.
Na terra em que dinheiro escuso para caixa 2 virou dinheiro não-contabilizado, a soja pirata quer virar crioula. O pragmatismo editou medidas provisórias, lei e decreto para oficializar a “realidade dos plantios ilegais” resultante da omissão do estado. Agora é a vez do caixa 2, outra “realidade” ser oficializada e ganhar amparo da lei sob o nome de reforma política.
Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Boletim Número 271 - 23 de setembro de 2005
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