Brasil: a luta pela vida e pela cultura. Entrevista especial com Antonia Melo
"Antonia Melo é coordenadora das mulheres do movimento Xingu Vivo Para Sempre. Há quase 30 anos ela luta contra os projetos “desenvolvimentistas”, como é o caso da barragem de Belo Monte. Antonia falou sobre como é o trabalho dos movimentos sociais numa região de muitos conflitos, principalmente em relação à terra."
Antonia Melo é coordenadora das mulheres do movimento Xingu Vivo Para Sempre. Há quase 30 anos ela luta contra os projetos “desenvolvimentistas”, como é o caso da barragem de Belo Monte. Em 2004, inclusive, Antonia foi ameaçada de morte quando coordenava as ações para a criação da reserva extrativista Terra do Meio. “Fui ameaçada de morte e isso foi muito ruim. Com isso, saí um pouco da linha de frente. Bases do exército foram colocadas na área para coibir ações dos grileiros contra os moradores. Aos poucos, essas ameaças foram diminuindo. Outras áreas de conservação foram criadas, fortalecendo a luta dos ribeirinhos e nossa luta, enquanto movimento social”, contou ela durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone.
Antonia falou sobre como é o trabalho dos movimentos sociais numa região de muitos conflitos, principalmente em relação à terra. O Pará, inclusive, foi considerado o estado com o histórico fundiário mais violento do Brasil. “Aqui se configura como a última fronteira aberta do Estado. As pessoas de outros estados foram chegando aqui na região para invadir as terras, formando, assim, essas áreas de grandes conflitos, gerando violência. Muitos amigos nossos foram assassinados porque coordenavam lutas, por exemplo, contra Belo Monte. Uma delas foi Dorothy Stang”, explica.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Altamira é uma cidade de muitos conflitos. O Pará, inclusive, é considerado o estado de histórico fundiário mais violento do Brasil. Como é levar adiante o trabalho do Movimento Xingu Vivo para Sempre em um cenário como este?
Antonia Melo – Essa é uma região de muita violência mesmo, principalmente na área fundiária. Porém, o movimento social vem resistindo, fazendo uma grande luta por direitos, propondo políticas públicas de saúde, educação, agricultura familiar, estradas. Tudo isso para que as condições de vida das cidades e das comunidades melhorem. Há mais de 30 anos realizamos essa luta como uma forma de buscar o Estado de Direito aqui na região, com a presença de órgãos de justiça de segurança. Essa é uma forma de chamar a atenção das autoridades para que aqui deem visibilidade e atendimento à comunidade.
Aqui se configura como a última fronteira aberta do Estado. As pessoas de outros estados foram chegando aqui na região para invadir as terras, formando, assim, essas áreas de grandes conflitos, gerando violência. Muitos amigos nossos foram assassinados porque coordenavam lutas, por exemplo, contra Belo Monte. Uma delas foi Dorothy Stang.
Não é que os movimentos sociais já se acostumaram com essa situação de violência. Ninguém se acostuma com isso. Mas nós nos fortalecemos a cada vez que as lutas têm um pouco de vitória. Nós estamos sempre unindo forças para mostrar que projetos, como o de Belo Monte, vêm apenas para destruir, que não trazem melhorias para a qualidade de vida da população e violam nossos direitos.
IHU On-Line – Você já sofreu ameaças de mortes? Pode nos contar como elas aconteceram?
Antonia Melo – Em 2004, quando eu coordenava as ações para a criação de uma reserva extrativista. Nós temos aqui na região a maior área de unidade de conservação chamada Terra do Meio. A área foi ocupada pelas comunidades extrativistas e, naquele ano, elas estavam sendo ameaçadas pelos grileiros do Mato Grosso e Goiás que queria tomar conta dessa área preservada. Eu coordenei essas ações de acompanhamento das lideranças para que fossemos a Brasília falar com as autoridades e pedir ao presidente da república um decreto que criasse a área de reserva extrativista.
Isso incomodou os grupos de grileiros que tinham interesse em expulsar os ribeirinhos e se apossar dessa área. Fui ameaçada de morte e isso foi muito ruim. Com isso, saí um pouco da linha de frente. Bases do exército foram colocadas na área para coibir ações dos grileiros contra os moradores. Aos poucos, essas ameaças foram diminuindo. Outras áreas de conservação foram criadas, fortalecendo a luta dos ribeirinhos e nossa luta, enquanto movimento social.
IHU On-Line – A população, no geral, é a favor ou contra Belo Monte?
Antonia Melo – A população é contra a construção dessa barragem de Belo Monte. Nós temos uma experiência parecida que é Tucuruí. Fica a poucos quilômetros daqui. Até hoje, o governo e as empresas não cumpriram suas promessas e não respeitaram os direitos das pessoas que foram expulsas de suas terras para fazer a construção do lago. Tucuruí é uma cidade muito parada, sem movimento, que não tem desenvolvimento mesmo com uma das maiores hidrelétricas do país. Essa é uma experiência que mostra que esse modelo chamado de “desenvolvimento” pelos governos não é verdadeiro e não melhora as condições de vida das comunidades locais.
Nas periferias de Altamira tem muita gente que nunca tiveram direito de morar num lugar melhor e mais seguro. A maioria das pessoas que vivem nas áreas periféricas de Altamira foi expulsa de Tucuruí. Portanto, a maioria da população é contra Belo Monte, mesmo com a oferta de emprego apresentada pelo governo. Na verdade, esses projetos farão com que o desemprego aumente, assim como o custo de vida, gerando problemas ainda piores do que o que esse povo já vive.
IHU On-Line – Um vídeo usando a tecnologia 3D foi feito para alertar o mundo sobre o contexto em que está se dando as negociações em torno da obra de Belo Monte. Que resultados a apresentação desse vídeo tem dado?
Antonia Melo – Esse vídeo foi lançado no dia 15 de setembro em Belém. Ainda não temos um resultado final, mas já temos notícias de que muitas pessoas estão acessando e divulgando o vídeo. Além disso, parte da comunidade internacional, após tomar conhecimento da situação, está pedindo ao governo para que o projeto seja cancelado porque consideram-no, sócio e economicamente, inviável. Muitas pessoas estão assinando a petição e temos a certeza de que vai ser um sucesso, porque ele permite que as ideias sejam multiplicadas pelo Brasil e pelo mundo.
IHU On-Line – Na região do Xingu, há vários movimentos populares que se articulam há 20 anos contra Belo Monte. No entanto, a barragem vai atingir também a região do Baixo Xingu. Há movimentos de resistência lá também?
Antonia Melo – Na jusante do Xingu, o povo não foi ouvido também. Audiências não aconteceram. Nada sério foi feito. As populações ribeirinhas têm uma forte integração conosco e se mostram extremamente preocupados e contra, obviamente, o projeto. É por isso que estamos organizando encontros de bacias dos rios da Amazônia. Em agosto aconteceu o primeiro para que pudéssemos fortalecer os povos das florestas em defesa dos nossos rios e recursos naturais e contra esse modelo de projeto de barragens para gerar energia que visa fortalecer as indústrias mineradoras e empresas eletrointensivas. Em novembro, faremos o Fórum Social Pan-Amazônico, em Santarém, com a participação das comunidades dos nossos países vizinhos. Mais do que nunca, precisamos estar unidos numa luta comum contra esse projeto desenvolvimentista que vai entregar aos grupos econômicos nossas vidas e nossas culturas.
Fuente: Instituto Humanitas Unisnos