Brasil: "Reforma agrária somente no discurso", diz advogado da Terra de Direitos

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País Brasil

A reforma agrária no país é o desejo de milhões de agricultores que esperam por terra para produzir. Mas os dados recentemente divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sobre os investimentos na reforma agrária do país, não convenceram os movimentos de luta pela terra

(6´15´´ / 1, 43 Mb) - Os dois órgãos afirmam que cerca de 380 mil famílias foram assentadas nos quatro primeiros anos de mandato do governo Lula, com cerca de R$ 4 bilhões investidos na obtenção de terras.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) solicitou ao MDA a descrição detalhada dos locais (estados e assentamentos) onde foram investidos estes recursos, mas até agora o ministério não forneceu estas informações. Outra reivindicação dos movimentos populares é a não inclusão do tema reforma agrária no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo no começo deste ano. O plano prevê um conjunto de obras que visam acelerar o crescimento do país. Para fazer uma avaliação sobre os avanços da reforma agrária no governo Lula, a Radioagência NP, conversou com Darci Frigo, advogado da Organização Não-Governamental (ONG) Terra de Direitos. Ouça agora a entrevista.

Radioagência NP: Darci, recentemente o Congresso Nacional lançou a pedido dos movimentos sociais, a "Frente parlamentar da Terra". Qual a contribuição que este coletivo pode dar à aceleração da reforma agrária no país?

Darci Frigo: Por fim já é um elemento para estabelecer limites a esta ação desenfreada da bancada ruralista e do agronegócio, que além de querer se apropriar de todos os recursos públicos, impede a qualquer preço a realização da reforma agrária no país. Inclusive na contratação de milícias privadas. Agora outra coisa vai ser a possibilidade de cobrar do governo, através do parlamento, medidas concretas para descriminalizar a ação dos movimentos sociais impedindo que eles acessem direitos legitimamente garantidos na Constituição brasileira. A ação da bancada ruralista é uma ação contra os direitos constitucionais e contra os direitos humanos.

Radioagência NP: Outra atuação contestada pelos movimentos sociais e entidades que lutam por justiça social nesta área é a do judiciário. Como você avalia esta atuação?

DF: O poder judiciário hoje, tem em âmbito nacional, destacado juristas e juízes sensíveis, mas que são minoria e que estão preocupados com uma interpretação da Constituição à luz do princípio da função social da propriedade. Estes juízes são minorias e defendem posições mais aguerridas. Mas as decisões maiores ainda são no sentido de impedir o avanço da reforma agrária. Claro que qualquer propriedade só é propriedade se cumprir a sua função social, o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu sobre uma questão fundamental, que é dizer que a propriedade produtiva só pode ser protegida se ela cumprir sua função social. Uma propriedade produtiva que destrói o meio ambiente, que desrespeita os direitos dos trabalhadores e desrespeita os direitos humanos, não pode merecer a proteção. Ela deve ser desapropriada. Hoje ela está protegida, e isto o Supremo ainda está devendo para a sociedade brasileira.

Radioagência NP:As ações do governo Lula para acelerar o processo de conquista da terra em resposta às reivindicações dos movimentos sociais foram suficientes?

DF: Se no primeiro mandato do governo Lula ocorriam sinalizações de que a reforma agrária era uma prioridade do governo, neste momento isto não está bem claro. Há uma ausência no discurso do próprio Presidente da República. Além disto, as alianças que constituíram o segundo governo são muito mais conservadoras. Elas vão dar muito mais possibilidades de governabilidade, mas não para a reforma agrária e para os projetos sociais. Eu estou preocupado com a ambigüidade das ações do governo. Eu creio que os trabalhadores devam nesse momento se mobilizar e cobrar para que o presidente assuma publicamente, o compromisso histórico que ele tinha com a reforma agrária.

Radioagência NP: Por que o governo não conseguiu cumprir com este compromisso?

DF: O presidente Lula se afastou inclusive do berço que historicamente construiu esta legitimidade que ele tinha. Ele está em contato e cada vez mais voltado para os interesses do crescimento econômico, a partir de poderosos grupos econômicos, e estes grupos foram cada vez mais ganhando espaço na agenda política e se articularam. Não houve, por exemplo, uma mudança significativa na política econômica no ponto de vista da manutenção da diretoria do Banco Central que é o lugar onde se mantém ainda as políticas neoliberais. Então este afastamento e a aproximação com setores conservadores da economia, ou as ambições políticas do Brasil em âmbito internacional se aproximando de forças como os Estados Unidos, que neste momento desenvolve uma política genocida no mundo inteiro, é que leva, no meu entender, o presidente a tomar estas posições.

Vocês acabaram de ouvir a entrevista com Darci Frigo, advogado da Organização Não Governamental (ONG) Terra de Direitos.

De Brasília, da Radioagência NP, Gisele Barbieri

Fonte: Radioagência NP

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